Dois meses se passaram desde que a mãe de Samara Carvalho cortou relações com sua própria filha. O motivo desse rompimento foi a gravidez indesejada da jovem aos seus 16 anos. “Burra, idiota, imbecil, babaca. Você arruinou sua vida! O que pretende fazer agora?”, disparou a mãe de Samara, que, a partir de então, seria conhecida como avó. “A gente acha que nunca vai acontecer com a gente, e aí, deu no que deu”, diz a filha. Histórias como essa não são raras e levam a perguntas sobre o papel da educação sexual na escola para os adolescentes.
A sexóloga Priscylla Antonelli acredita que é importante incluir educação nas escolas para violência no campo da sexualidade seja evitada. ”É fundamental uma educação sexual que também oriente a criança e adolescente de como o seu corpo é seu “veículo” extremamente valioso para existir nesse mundo”, afirmou.
Assista a trecho da entrevista com a especialista
Ela ressalta que o corpo precisa ser cuidado principalmente por si mesmo e de que é necessário que antes de qualquer pessoa toque seu corpo peça permissão. “A importância do consentimento, em qualquer tipo de toque, até mesmo carinhos e toques que causam prazer, e a importância de pedir ajuda a adultos de confiança, sendo orientador um desses adultos com quem a criança se sinta confiante de tirar dúvidas e pedir ajuda quando necessário”, explicou.
A Lei nº 13.796/2019 (https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2019/lei/l13796.htm) , conhecida como Lei da Política Nacional de Prevenção da Gravidez na Adolescência, reforça a importância da educação sexual nas escolas como estratégia para prevenir a gravidez precoce e promover a saúde sexual e reprodutiva dos adolescentes.
Legislação
No Brasil, há outra lei que prevê o ensino de educação sexual nas escolas, a Lei nº 9.394/96 (http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm), a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Essa legislação estabelece, em seu artigo 12, que os currículos da educação básica devem contemplar a abordagem da saúde, incluindo a educação sexual de forma transversal, ou seja, integrada em diferentes disciplinas e momentos do processo educativo.
A professora de biologia Ana Carolina Ribeiro afirma que a abordagem sobre a diversidade de gênero é fundamental para a compreensão dos alunos. “Dentro de sala de aula, orientação sexual também se faz muito necessário, até porque muitos alunos se descobrem”, testemunhou.
Segundo a docente, essas questões de orientação e identidade de gênero são descobertas nesse período. “Principalmente ali por volta do oitavo ano, que é quando a gente começa a trabalhar essas questões, então muitos alunos começam a se interessar”, explica.
“Antes dos 14”
Apesar da existência de programas voltados à interação e ensino da educação sexual nas escolas, um estudo realizado pelo Instituto Promundo revelou que cerca de 50% dos jovens entrevistados afirmaram que nunca discutiram sobre sexo na escola. A pesquisa revelou, ainda, que 70% dos estudantes acreditam que a educação sexual deveria começar antes dos 14 anos.
A estudante Maria Gregório, do primeiro ano do ensino médio, revelou que o ensino sexual trouxe impacto positivo. “Principalmente porque, como outras jovens da minha idade, é fundamental compreender meu próprio corpo, seu funcionamento e o processo de reprodução. Elas me ajudam a entender a mim mesma de forma mais completa”. Além disso, segundo ela considera, foi possível compreender os impactos que uma gravidez não planejada ou uma relação sexual sem prevenção podem acarretar na vida dela.
“Só gosto de educação sexual”
A discussão faz lembrar a música “Química” (1987), da banda Legião Urbana. Em um trecho marcante, a letra revela a preferência do jovem da época: “Só gosto de educação sexual”.
A professora de biologia Ana Carolina Ribeiro defende que as aulas devem ser diretas e objetivas. “Sem rodeios. (Devemos) explicar claramente: ‘aqui está o sistema genital masculino, o sistema genital feminino, e esses são os seus nomes’. E explicar como ocorre a relação sexual, de forma clara e objetiva. Dessa forma, podemos realmente envolver os jovens em uma realidade mais respeitosa”, ensina.
Surpreendentemente, mesmo após quase quatro décadas da música da Legião Urbana, a professora afirma que é constatado que a educação sexual continua sendo um tema negligenciado, com poucas oportunidades para todos os alunos aprenderem a respeito.
Os pilares da saúde adolescente, estabelecidos pelo Programa Nacional de Saúde do Adolescente (PROSAD), instituído pelo Ministério da Saúde em 1996 (https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd03_05.pdf), clamam pela necessidade imperativa da educação sexual nas escolas como parte das ações de promoção da saúde e prevenção de doenças. Essas diretrizes legais respaldam a importância da educação sexual como um componente fundamental da formação e desenvolvimento dos estudantes.
A educação sexual nas escolas deve ser abordada de forma interdisciplinar, envolvendo disciplinas como Biologia, Ciências, Filosofia e Sociologia. Isso permite uma compreensão mais ampla e contextualizada da sexualidade, considerando não apenas os aspectos biológicos, mas também os socioculturais, éticos e afetivos.
A defesa da inclusão da educação sexual nas escolas se baseia no reconhecimento de que a sexualidade é uma parte intrínseca da vida humana e da nossa interação social. Portanto, não há razão para excluir esse tema dos ambientes educacionais. Além disso, a educação sexual auxilia os jovens a compreender e lidar de maneira mais consciente com experiências naturais, como a puberdade, a menstruação e a virgindade.
A sexóloga explica que outros grandes desafios envolvem não saber comunicar e dialogar sobre sexualidade de forma não violenta ou não impositiva/taxativa com suas parcerias.
“Percebo que todas essas dificuldades estão ligadas a essa falta de orientação sexual de qualidade na vida, a descobertas da própria sexualidade a partir de conteúdos impositivos, abusivos ou performáticos”, afirma.
Ela explica que, a partir de papéis pré-estabelecidos, é necessário enfatizar o autoconhecimento acerca de si e de senso crítico para fazer escolhas com mais sentido para si mesmo.
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Por Filipe Fonseca
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira