Crianças nas redes: o equilíbrio entre a privacidade e a exposição infantil

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O consumo de conteúdos digitais pela população tem levado crianças e adolescentes a passarem mais tempo expostas na internet.

Usuários “mirins” e os responsáveis têm criado páginas em redes sociais para divulgarem a rotina diária e influenciarem internautas da mesma faixa de idade. Essa exposição tem gerado uma reflexão sobre os excessos de crianças e adolescentes nas redes e as implicações se isso pode ou não ser considerado um trabalho infantil.

A pesquisa TIC Kids Online 2023 mostra que 95% da população entre 9 e 17 anos é usuária de internet no país e 88% dessas crianças e adolescentes possuem perfis em plataformas digitais, mesmo que os termos de uso limitem o acesso a maiores de 13 anos. 

Os primos Maria Valentina Chaves e Bernardo Chaves, ambos com 9 anos, acumulam mais de 89 mil seguidores nas redes sociais com o nome “Tina e Bê no Rolê”. A responsável pelos perfis das crianças no Instagram e no Youtube é Maria Laura Barbosa, mãe de Valentina e tia do Bernardo. A família é de Brasília e a empreendedora conta que a ideia do canal surgiu no isolamento social em razão do período mais grave da covid-19. “Como Maria Valentina insistia desde muito cedo, começamos na pandemia com um canal para familiares e amigos, mostrando a realidade deles. À época, estávamos todos juntos, então meu sobrinho participava de tudo e foi aí que criamos o ‘Tina e Bê no Rolê’”, explicou Maria Laura. 

                                                       Imagem: Arquivo Pessoal

Hoje, com um alcance maior, as publicidades fazem parte da rotina das crianças. Valentina, por exemplo, recebe 100% de desconto na mensalidade escolar, devido às divulgações que faz para a instituição. Ela e o primo ainda recebem cachês e permutas para fazer publicidade de grandes marcas e estabelecimentos. A família afirma que o dinheiro recebido é utilizado para o lazer e bem-estar dos dois e parte é guardada em poupanças para uso futuro. 

Em relação ao equilíbrio entre a privacidade e a exposição de Valentina, a mãe conta que o uso das redes sociais é totalmente moderado: “Por mais que exista o Instagram como ferramenta de trabalho, minha filha usa pouquíssimo as redes, tendo em vista que eu faço as gravações, publico, tenho acesso a contratos. Por aqui, temos um combinado de uso de apenas 40 minutos diários, sendo que o celular dela é 100% controlado por mim.”

Cautela no uso das redes

Especialistas da área da saúde alertam que o acesso irrestrito da internet pode deixar crianças e adolescentes vulneráveis às consequências negativas, como dependência tecnológica, problemas de desenvolvimento e aprendizado, alterações no comportamento (perda de empatia, irritabilidade e agressividade), transtornos de sono, problemas de relacionamento familiar e social e questões de autoestima. 

O psicólogo especializado em psicologia infantil, Samuel Araújo, afirma que as consequências do uso excessivo das tecnologias afeta diretamente a vida das crianças. “A função facilitadora do uso de celulares camufla esses efeitos negativos, sendo difícil lidar por serem disseminados e naturalizados na sociedade. Dois padrões comportamentais emergem desse contexto: impulsividade e restrição de repertório. As crianças desenvolvem habilidades comportamentais pobres, focadas no imediatismo e no consumo passivo de informações, prejudicando seu desenvolvimento a longo prazo”, explica.

Samuel pontua que o aumento da exposição de crianças e adolescentes nas redes sociais pode apresentar tanto aspectos positivos, quanto negativos. “A forma de trabalho está mudando, e a internet se tornou um caminho profissional possível, incluindo a produção de conteúdo, que oferece resultados imediatos, reconhecimento social e ascensão rápida. Para as famílias, isso pode parecer interessante, especialmente quando o repertório das crianças e dos membros da família está tão limitado que produzir conteúdo é uma das poucas opções. No entanto, isso pode ser preocupante, dependendo do que é cobrado na produção de conteúdo.”

Regimentos legais

Em fevereiro deste ano, foi aprovado o Projeto de Lei 2628/2022, que visa proteger crianças e adolescentes em ambientes digitais. O PL prevê punições para aqueles que descumprirem as normas estabelecidas, incluindo multas que podem chegar a R$ 1 mil.

O advogado especialista em direito digital, Matheus Henrique Lima, explica sobre a importância do PL: “Por óbvio que hoje o mundo é digital, crianças de pouca idade já sabem mexer em smartphones e acessar redes sociais, por isso, deve haver um elevado grau de preocupação e proteção com esses usuários. Perceber que o poder Legislativo e Judiciário estão voltando as atenções para criar um ambiente seguro na internet é encorajador.”

O advogado afirma que, para prevenir a exploração comercial dos influenciadores mirins, é necessário regular a profissão, isto é, estabelecer condutas para gerar um ambiente seguro para a criança. Assim como é feito com atores e atrizes mirins, é necessário que uma agência reguladora estabelece regras concretas, tais como: limite de horas trabalhadas, condutas que podem e não podem ser realizadas, criar um ambiente adequado para a criança trabalhar e, principalmente, fiscalizar para que tais regras sejam cumpridas.” 

Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atividades profissionais exercidas por menores de 14 anos são consideradas como trabalho infantil, porque, segundo a lei, essas pessoas são tidas ainda como “menores incapazes”; a partir dessa idade, o adolescente pode atuar nas funções de jovem-aprendiz. O ECA rege que submeter uma criança ou adolescente ao sustento da família constitui uma inversão de papeis, infringindo, dessa forma, a diretriz constitucional. 

Por André Luca Cardim, Artur Monteiro, Bruna Teixeira, Bianca Lima e Winne Corrêa

Sob supervisão de Isa Stacciarini

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