Dia das crianças: alfabetização de meninas e meninos com deficiência requer inclusão efetiva

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Às vésperas do dia das crianças, que acontece no dia 12 de outubro, a Lei Brasileira de Inclusão completa 10 anos de existência. Norma esta que constitui o direito indispensável de que crianças com deficiência possam alcançar o máximo desenvolvimento de suas necessidades de aprendizado, incluindo a alfabetização.

Foi em 2017, um ano após a implementação da norma, quando Malu Nogueira deu à luz ao seu filho, Eduardo Nogueira. Após o parto, a criança foi reanimada e ficou em coma, resultando em uma lesão cerebral que afetaria, principalmente, sua fala. Entre os desafios para o menino, está o de um dia ser alfabetizado.

Malu e Eduardo Nogueira |

Até os dois anos de idade, Eduardo desenvolveu a fala normalmente e era funcional na rotina, mas, durante a pandemia, Malu percebeu que ele começou a regredir em seu desenvolvimento e decidiu procurar por um diagnóstico. “Do nada ele ficou extremamente apático. Ele não reagia, não respondia, não fazia contato visual. Depois do diagnóstico, que veio durante a pandemia, a gente iniciou as terapias, mas ainda sim enfrentamos dificuldades nos afazeres do dia a dia”, conta a mãe. Eduardo foi diagnosticado com Autismo nível 3 de suporte.

No primeiro ano do ensino fundamental, momento acadêmico em que se inicia a alfabetização na Secretaria de Educação, Eduardo foi incluído em uma turma regular – grupo escolar formado por alunos com e sem deficiência – que era formada por 15 estudantes. Durante esse período, Eduardo não se adaptou ao formato e foi encaminhado para a Escola Classe 50 de Taguatinga, em que passou a estudar em uma Classe Especial com apenas dois alunos.

“Na Escola Classe, em especial nas classes especiais, a professora se dispõe a ensinar aquilo que está dentro do perfil do estudante. Em casos como o do Eduardo, que é uma criança mais comprometida, ele não se envolve em disciplinas como história e português, mas sim atividades voltadas para a vida autônoma”. malu afirm

Desfralde e criação de hábitos para a vida independente – como lavar as mãos e se alimentar sozinho – foram alguns dos ganhos que a escola proporcionou.

Entretanto, durante os dois anos em que ele esteve na classe especial, os ganhos pedagógicos foram pouco significativos comparados às expectativas iniciais, que esperavam um desenvolvimento melhor e um nivelamento em comparação aos colegas da mesma idade. Diante disso, foi decidido que, em 2026 ele será transferido para um Centro de Ensino Especial, onde ele será encaminhado para a área do Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Risco de exclusão




A especialista em psicopedagogia e graduada em pedagogia, Mical Vieira, explica que os estudantes – tanto crianças, quanto adolescentes e adultos – que estão nos Centros Especiais são aqueles em que a inclusão não é benéfica e estar em uma turma, em uma escola inclusiva, acaba sendo mais excludente tanto pelas características individuais do aluno, quanto pelas demandas dele.

Mical Vieira |


A especialista aponta que, apesar da importância da inclusão, não se pode pensar nessa abordagem como um acelerador da alfabetização de pessoas com deficiência, visto que muitas vezes a inclusão não resulta, necessariamente, no cumprimento das metas de alfabetização do ano letivo. O processo educacional, em casos como o de Eduardo, deve ser voltado ao desenvolvimento da autonomia da criança.

Educação especial


A educação especial no Brasil contabiliza mais de 1.7 milhão de matrículas, segundo o Censo Escolar 2023, realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Desse total, 53,7% são estudantes com deficiência intelectual.

O guarda-chuva da educação especial abrange uma série de programas de desenvolvimento educacional, como o Programa Educação Precoce (PEP) que é realizado pela Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF).

Realizado dentro dos Centros de Ensino Especial, o programa foi criado em 1987 e, desde então, oferece atendimento educacional especializado para crianças de até 3 anos de idade com necessidades educacionais específicas.


Em 2017, outro caso foi o de Vicenzo Estevam. Com apenas 30 dias de vida, ele teve seu primeiro contato escolar por meio das estimulações oferecidas pelo PEP no Centro de Ensino Especial 1 de Samambaia (CEE 01).

Antes de nascer


Antes mesmo do nascimento, a mãe de Vicenzo, Andrea Estevam, hoje aos 44 anos, já sabia do diagnóstico do filho, Síndrome de Down. Para a mãe, que sempre teve como principal preocupação a alfabetização do filho, a introdução para a educação básica veio a partir do ensino regular na rede pública de ensino do DF, aos 4 anos.

“Muitos pais no passado desistiram. Não é uma opção para mim. Escolhi a rede pública de ensino, porque acredito que é nela que se encontram os profissionais mais preparados para trabalhar com crianças com deficiência”, explica.

Além do PEP, outra opção de atendimento especializado disponibilizado pela SEEDF são as Salas de Recursos Generalistas (SRG), que tem como principal objetivo promover atividades individuais ou em grupos, adaptadas às necessidades de cada criança e pensando no pleno desenvolvimento. A sala é equipada com materiais pedagógicos, jogos, recursos de acessibilidade e tecnologias assistivas que favorecem o aprendizado.

“No caso do Vicenzo, esse atendimento tem sido fundamental, principalmente após o diagnóstico recente de TDAH, que se soma à deficiência intelectual já presente em razão da
síndrome de Down. O suporte educacional especializado contribui diretamente para o desenvolvimento dele, ampliando suas potencialidades e garantindo que a inclusão
aconteça de forma efetiva”, conta Andrea.

Contornando obstáculos

Mical afirma que, diante da pressão da dinâmica do ano letivo, é natural – não normal – que os professores não consigam atender todas necessidades que a criança atípica tem no processo de alfabetização. “Nem todas as dificuldades estão relacionadas ao diagnóstico, muitas vezes está relacionada às características da criança, à infância em si, personalidade e até temperamento. Então, eu considero que o maior desafio seja lançar de um olhar individualizado, evitando a homogeneização da turma., diz a professora.

Além da dificuldade em descobrir qual método a criança se adequa melhor, Malu complementa que a cobrança tanto da escola, quanto da família, para que as crianças sejam alfabetizadas muito cedo pode acabar prejudicando seu desenvolvimento. “Eu acredito que é importante ter o olhar humano, com menos olhar de sobrecarga… A alfabetização tem que ser feita de forma respeitosa e lúdica para a criança”.

Ao ser questionada sobre o futuro da alfabetização no Brasil e seus desafios, Mical diz que olha com esperança para essa questão, mas mantém o pé no chão no sentido de saber que cada um tem seu papel. “O futuro da alfabetização inclusiva tem várias instâncias que não dependem só do professor ou da família, ou até mesmo do estado, mas sim do conjunto que mantém a engrenagem funcionando”.

Por Ana Luisa Oliveira, Isadora Carmona e Laura Cunha

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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