Surdolimpíadas: catarinense explica como o judô transformou a vida dela

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A judoca catarinense Carolina Kich, 22, nascida em Florianópolis, disputará a sua primeira competição internacional após dois anos de ausência por conta da pandemia. Ela se diz ansiosa pela chegada das Surdolimpíadas, que acontecerá pela 24ª vez em sua história. Pela primeira vez, ocorre em um país da América Latina. A cidade escolhida foi a de Caxias do Sul (RS).

A atleta diz que possui envolvimento com o esporte desde muito nova. Ela conta que se envolveu com o judô ainda na escola, estimulada por um professor.

“Tive interesse rapidamente. Além de ser surda, possuo TDAH e hiperatividade. Então, o judô ajudou muito, e acabei me encontrando”, explicita como o esporte a ensinou muito sobre concentração e o equilíbrio mental.

“Todos aqui no bairro conhecem a sua história. Ela é sempre assim, com esse sorrisão”, conta a mãe de Carolina, Roberta, que auxiliou a filha durante a entrevista para a Agência Ceub. Ela é sua companheira para todas as horas. “Dificuldades existem, mas ela sempre foi pra frente, sempre foi em busca do que desejava. Nunca se deixou abalar, e a ensinei que tinha de enxergar as dificuldades do mundo, e aprender a superá-las”, sorri.

Desafios não faltam

Inserida em uma narrativa repleta de desafios, Carolina explica que, por diversas vezes, a vida de um atleta surdo pode ser bem complicada, e que teve de se virar. Mesmo sendo bilíngue, por falar tanto o português quanto a língua de sinais, a judoca conta que teve bastante dificuldade para aprender os golpes quando mais nova, por não conseguir associar seus nomes, que são em japonês, aos movimentos de cada um. 

“Se o meu treinador, por exemplo, me disser para fazer um golpe por meio de um nome, não vou saber fazer”, explica.

Para que ela entendesse os diversos movimentos do judô, a catarinense precisava de uma abordagem mais didática, ou seja, de que os nomes dos golpes fossem ditos ao mesmo tempo em que eram replicados. “De qualquer forma, isso nunca foi um obstáculo grande para ela”, diz Roberta. 

Sob os tatames, Carolina também enfrenta outras situações. Por não se comunicar nem com os juízes nem com outros competidores, mas, somente, com o seu treinador, era preciso ser avisado ao corpo técnico da competição sobre sua deficiência sempre que a mesma competia em um lugar novo, em que não a conhecem.

“Apesar disso, como eu fui muito estimulada a aprender a leitura labial desde muito nova, acabo conseguindo entender com mais facilidade o que colegas e adversários estão dizendo”, ressalta.

Acerca do incentivo que Carolina recebe, Roberta afirma que, mesmo com dificuldade, consegue ter em mãos todos os recursos dos quais sua filha precisa para competir, sejam eles emocionais ou financeiros, e que a resiliência da família e a presença dos amigos são primordiais para que isso aconteça.

“No financeiro, somos nós, geralmente é a família. Se tivermos que fazer algum movimento, faremos”, relata a mãe da judoca, que afirma tentar se virar o máximo que pode, pois não gosta de pedir ajuda para outras pessoas. 

“Mas os amigos que estão ali, que estão do lado, sempre ajudam, sempre dão uma mão, e não falo somente da parte financeira. Todos gostam muito da Carolina”, afirma Roberta. Segundo ela, os vizinhos e demais conhecidos do bairro estão sempre perguntando pela competidora, ofertando palavras de apoio, orgulho e positividade. 

Roberta também conta que, em 2020, pouco antes da pandemia, Carolina foi convocada para ir à França, para a disputa de um campeonato, mas que não tinha condições de levar a filha. “Após boa repercussão de uma entrevista que fizemos aqui, recebemos a ligação de uma pessoa que doou as passagens para ela. Algumas outras pessoas do bairro também ajudaram doando para que pudéssemos comprar quatro quimonos, que precisavam ser adquiridos e custavam cerca de 1.000 a 1.500 reais cada um”, relembra. 

Tempos de pandemia

Durante o período em que se estenderam as estadias intermináveis dentro de casa, ao cumprir com o lockdown, Carolina passou por complicações.

Por conta do costume com a rotina muito movimentada e da hiperatividade, a judoca teve de lidar com a frustração de não poder sair das dependências da casa da família. “Foi complicado”, confessa a mãe da atleta.

“Nos primeiros dias ainda foi tranquilo, por não sabermos direito o que estava acontecendo, mas depois disso, nossa, passamos por vários problemas”. 

Carolina saía às 5h da manhã de casa (por causa da faculdade e dos treinos), e voltava somente às 23h. De uma hora para outra, ela teve de passar todo esse período de tempo dentro de casa. “Tiveram momentos em que considerei até mesmo levá-la ao médico e dar alguma medicação”, relata a mãe da jovem. 

No entanto, com o passar do tempo, as coisas foram voltando a caminhar. Carol logo pôde voltar a viver o seu cotidiano habitual: judô às terças, quintas e sábados, o jiu-jitsu às segundas, quartas e sextas, crossfit todos os dias, musculação, a faculdade de educação física, cursada na Estácio São José, em Florianópolis, e o futebol, o qual ela adora, todo domingo, na companhia de amigos. Rotina mais do que agitada, do jeito que ela gosta.

À flor da pele

Para a jovem de 22 anos, competir em um campeonato internacional representando  o Brasil é motivo de muito orgulho.

“Ela fica muito emocionada, às vezes até durante as lutas, pois mesmo não escutando, é totalmente visual”, explicou a mãe. Segundo a orgulhosa Roberta, a falta de um de seus sentidos realça os demais. Isso faz com que ela perceba com mais detalhes as feições dos torcedores, as reações, e principalmente daqueles que estão perto dela torcendo, como os amigos e a família. Esse fator que acaba gerando ainda mais impacto, no entender da mãe.

Com sua participação nas Surdolimpíadas, Carol deseja deixar a melhor marca possível, e que ela possa mostrar para outros atletas portadores de deficiências que, assim como ela, também são capazes de chegar onde a mesma chegou. E é justamente a partir daí onde nasce um grande plano que a atleta tem para o futuro: montar um projeto esportivo para pessoas com necessidades especiais

“Quero trabalhar em qualquer lugar em que possa montar um projeto de judô e de outros esportes para deficientes”, revela, animada. Para ela, além de que não deveria, nunca, possuir barreiras, o esporte é para todos. Este é o legado que Carolina deseja deixar. Ela sonha em trabalhar justamente dessa forma, incluindo a todos, da forma que for.

Por Gabriel Botelho
Imagens: Divulgação
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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