A mão não abria, o pé era torto. Shirlene nasceu em uma fazenda em Corumbá (GO), pelas mãos de uma parteira. A família, preocupada, procurou ajuda dos médicos. O laudo: hemiplegia do lado esquerdo por conta da paralisia cerebral durante a gestação. Na infância, o andar era difícil. Mas nada conteve os passos, muito menos a força. A jogadora de dardos e de discos Shirlene Santos Coelho, de 34 anos, comemora todos os dias uma vitória que não está em medalhas ou troféus. Lá vão alto os dardos, longe da vista. A distância desse lançamento que a fez campeã da vida é imensurável.
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Shirlene sempre gostou de esportes, jogava futebol e basquete na época da escola. Ao finalizar o ensino médio e em busca de emprego, a mãe encontrou um anúncio de um clube que buscava currículos de pessoas deficientes. Shirlene agarrou a oportunidade e começou no basquete em cadeira de rodas, mas não se adaptou facilmente. “Tinha dificuldade de controlar o quique da bola e andar com a cadeira. Precisa de muita coordenação pra fazer isso”. Com 25 anos, após um ano trabalhando com esportes gerais, Shirlene foi convidada para o atletismo, onde passou um mês treinando disco, uma das modalidades. Após o período de adaptação, a atleta foi inscrita para uma prova em Uberlândia (MG), e se destacou em dardos, categoria que ainda não havia treinado.
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O esporte marcou e mudou a vida de Shirlene, que seguiu praticando e em busca de estar na ponta das competições. “Nunca pensei que seria uma atleta de verdade. Apesar de sempre gostar de esportes, não imaginava isso. Não pensei isso por causa da deficiência, mas sim por não saber aonde iria me encaixar”.
“Não acreditam em nós”

Para Shirlene, o esporte enfrenta grande barreira para esse crescimento, e é necessário apoio de mídia e investidores. “Olha tá muito longe da realidade porque o que parece é que eles não têm muita credibilidade no atleta paraolímpico. Parece que não acreditam em nós. Quando assistimos à televisão, a gente não vê falar nada. Falam das olimpíadas do rio, mas sempre se esquecem de que as paraolimpíadas também serão aqui (a partir do dia 7 de setembro). Isso chateia bastante”.
Outra falha que necessita ser trabalhada, conforme ela acredita, é aumentar o incentivo para as bases. Para ela, crianças com deficiência tendem a ficar mais desacreditadas e, muitas vezes, o esporte se torna uma válvula de escape, uma espécie de terapia. “Precisamos realmente trabalhar com as bases, melhores locais para se treinar. Aqui em Brasília, por exemplo, só temos uma pista que já precisa ser reformada. E a mídia em si, se interessar mais e se interessar mais pelo esporte. Precisamos dessa visibilidade, só assim conseguimos investimento e crescemos na carreira”.
Além da vida de atleta, Shirlene mantém um casamento há seis anos, com Jesse Coelho, grande companheiro para todos os momentos. Para ele, Shirlene representa muito como atleta e como pessoa, com diversas qualidades importantes para uma pessoa. “A perseverança dela é o que mais impressiona. Com toda a dificuldade sendo dona de casa, tendo os estudos ainda e a forma com que ela lida com tudo, surpreende bastante a garra e determinação dela. Levantar 5h20 e vai dormir 0h é uma rotina complicada. Pra mim, ela é um exemplo, muitos reclamam, mas eu a vejo tendo mais foco do que quem não tem um problema físico”.
Shirlene é recordista mundial do lançamento de dardos F37 (paralisados cerebrais), conquistou mais de três medalhas de ouro nos jogos Parapan-americanos, foi medalhista de prata nos jogos olímpicos de Pequim e ouro nas olimpíadas de Londres em 2012.
Por Felipe Oliveira
Imagens: Página da atleta


