A distância de 1.380 quilômetros que separam a cidade de São João do Piauí (PI) de Sobradinho (DF) não foi problema para Geovana Rodrigues, de 23 anos de idade, chegar ao Villa Esporte e Cultura (VEC) em janeiro de 2023. A atleta sempre jogou somente com os meninos. “Lá na quadra (da cidade que morava) sempre tinha treinamento dos homens. Eu sabia qual era o horário, ia e ficava lá quietinha só vendo os homens jogarem, doida para jogar também, mas não tinha mulher. A única mulher que gostava de futebol na minha cidade era eu”, lembra.
Uma amiga da atleta mostrou um vídeo de Geovana para Gustavo Simão, presidente do VEC, que interessou o mandatário do time. “O presidente me ligou e perguntou se eu tinha interesse, mas o que eu fiquei gratificada foi porque ele só trabalha com futebol feminino. Não tem futebol masculino. Eu tive mais interesse ainda. Abriu essa porta e estou aqui”, afirma Geovana, ala no futsal e ponta no campo do VEC.
Geovana começou a jogar bola aos 5 anos de idade. Quando ganhava bonecas da mãe, as cabeças dos brinquedos viravam bola. Mesmo jogando só com meninos, a piauiense se tornou espelho para as meninas da cidade em que nasceu. “As meninas começaram a jogar lá agora porque viram eu evoluindo, saindo para jogar, praticamente sou um exemplo na minha cidade”, orgulha-se a jovem piauiense.
Mãe e filha jogam juntas
Também no VEC, Tais Almeida, 31 anos de idade, começou a jogar bola entre 13 e 14 anos de idade, mas teve interrupções devido à gravidez e até pela falta de incentivo, muitas vezes familiar, mas não pensou duas vezes diante da oportunidade do VEC. “Fechamos uma parceria, e automaticamente minha filha veio junto. Ela treina com a gente, tem vontade de ser jogadora e espero que tenha mais sorte do que eu. Hoje em dia, o futebol feminino tem muito mais oportunidades”.
Antes de chegar ao VEC, Tais passou por outros times e lembra de perrengues que viveu para se sustentar. “Antigamente, a falta de apoio e de um salário digno para quem joga futebol faz muita falta. A gente tinha que escolher ou se trabalhava ou se jogava”, desabafa.
Mãe da Júlia Eduarda, a atleta mora em Sobradinho com a filha e tem uma empresa de brindes personalizados desde 2016 e faz renda com o negócio e com a ajuda de custo que o time dá. “Aqui no VEC já é uma situação totalmente contrária disso. A gente tem uma ajuda, tem horário de treino, tem todos os suportes. Então facilita para quem é atleta e para quem quer virar atleta”, explica Tais.
A filha Júlia Eduarda começou a jogar com a mãe, e consequentemente no VEC recentemente. Com 10 anos de idade, a garota já sonha grande e conta de forma tímida: “É bom ver ela (A mãe, Tais) jogando, porque em casa eu fico tentando fazer as mesmas coisas que ela faz. Eu só quero jogar por um time profissional, meu sonho é ser jogadora”, disse Júlia.
Vulnerabilidade
O Villa Esporte e Cultura foi fundado pela Villa Samaritana, um projeto desenvolvido em Planaltina para atender pessoas em situação de vulnerabilidade. A história dessa ONG de transformação iniciou em 2016, quando Gustavo Simão tomou a decisão de criar uma Comunidade Terapêutica. Buscando expandir sua missão, ele se dedicou a ajudar aqueles que enfrentaram a difícil jornada de recuperação.
Para entender melhor essa história, eu cheguei com 30 minutos de antecedência ao treino. Na quadra, duas meninas já tentavam acertar o travessão. Em pouco tempo, chegou uma terceira que também passou a tentar o travessão. Desde que cheguei, estava somente assistindo aos chutes das Meninas da Villa, como são conhecidas.
Durante o treino de fundamentos e velocidade, o treinador Dinarte Duarte disse que tem bastante expectativa com as equipes de base. “Eu brinco com o Gustavo e com o pessoal que o nosso time sub-13 e sub-15 vai ter mais qualidade do que o principal. A Isadora, por exemplo, já é um achado. Toda hora tem convite pelos times de Brasília”, afirmou.
O treinador não deixa as garotas fazerem corpo mole. Um vídeo mostra como os chutes são fortes e a intensidade é sempre elevada. Confira:
A base vem forte
Uma das garotas que mais se destacam na base é Isadora Guimarães. A atleta, que sempre morou em Sobradinho, tem 11 anos de idade e, em julho, foi até Cochabamba, na Bolívia, juntamente com o time da ADEF/DF (Associação Desportiva de Futsal do Distrito Federal), representar a seleção brasileira na Liga Evolución de Futsal Feminina, evento organizado pela Conmebol.
O time da ADEF disputou o torneio no país vizinho, mas para conseguir completar todo o elenco e conseguir viajar, a equipe buscou atletas que estavam em outros times, como foi o caso de Isadora “Começamos a treinar com uma equipe que não treinava junto, foi pegando menina aqui e ali, foi entrosando e depois um mês mais ou menos treinando, fomos para a Bolívia disputar a Liga”, explica.
A garota conta que começou a gostar de futebol com 5 anos de idade. “Quando eu era pequena, menor do que já sou (risos), meu pai me colocou numa escolinha, mas não ‘você vai ter que jogar’ não, ele foi vendo que eu gostava de atividade física, então era mais para me divertir”.
Isadora fala que conheceu o time da cidade, o VEC, ainda no começo. “Eu comecei a jogar no núcleo do Minas Brasília (equipe que mantém também projeto social em áreas periféricas) e a Ana Elisa (filha do Gustavo) jogava lá também, no último jogo enfrentamos o VEC. No fim do jogo, apresentaram o projeto”.
Treinando de 3 a 4 vezes por semana, Isadora tem muitos planos para o futebol. “Eu tenho um grande sonho de me tornar jogadora de futebol profissional, é o meu maior sonho de verdade”. A garota gosta muito de futsal e de futebol também, mas quando perguntada qual prefere, diz que gosta muito dos dois. “Se eu for querer jogar profissionalmente, eu acho que eu prefiro futebol, até agora”, afirma.
A jovem se dedica muito aos treinos. Veja:
Espelho
Tânia Maranhão e Jajá são nomes conhecidos no futebol feminino brasileiro, e agora elas encontram uma nova casa no VEC. Essas jogadoras experientes são muito mais do que um reforço para o time; são modelos e fontes de inspiração para as atletas mais jovens.
A experiência é um sinônimo de Janaína Santos (Jajá). Aos 32 anos de idade, a meio-campista abraçou o desafio oferecido pelo VEC, após uma carreira que a levou a jogar por times como São Paulo e Fortaleza. Com currículo no futebol do Distrito Federal, incluindo passagens pelo Cresspom, Ceilândia e Minas, ela agora almeja passar para as meninas mais novas tudo que já vivenciou.
Jajá chegou no VEC de forma curiosa. De férias do Fortaleza, clube que atuava, em dezembro de 2022, a atleta veio para Sobradinho para jogar um campeonato. Gustavo, que estava presente no local, viu que a atleta tomou uma pancada e não revidou, isso o deixou encantado. Após sondagens, negociações e ofertas, a veterana chegou ao time de Sobradinho.
“Deixar de viver o profissional para trabalhar com projeto tem que ter coragem. É deixar de sonhar para apostar nos sonhos de outras pessoas”.
A meio-campista pretende ser espelho para a garotada que está começando a carreira. “Antigamente a gente não tinha base. Hoje temos meninas de 10 e 11 anos de idade jogando”
“Estar aqui é um prazer muito grande. Somos as maiores referências hoje aqui, e mostrar tudo que a gente vivenciou é maravilhoso. Eu sinto alegria estando aqui, venho pra cá sabendo que o que eu construí vai ser exemplo para alguém”, afirmou.
Jajá é de Sobradinho. Mesmo com a alta rodagem em outros clubes fora do DF, o fato da veterana ser da cidade e ter família morando aqui pesou em sua decisão de encarar o desafio. “Eu tenho um sobrinho, de 5 anos, acompanhei muito pouco dele, afinal vivi minha vida toda fora. Aí com a boa proposta do VEC, é perto de casa, acho que vou encarar. E deu muito certo”, relembra.
Título da Liga Candanga de Futsal com emoção
O técnico PC de Oliveira, campeão da Copa do mundo de futsal de 2008 pela Seleção Brasileira, é quase 20 anos mais velho que o técnico Dinarte Duarte, do Villa Esporte e Cultura, mas foi em disputas de pênaltis de finais de campeonatos que ambos se sagraram campeões, após a mesma decisão. Em 2008, o técnico da seleção brasileira, depois do empate na prorrogação contra a Espanha na final da copa do mundo de futsal, decidiu tirar o goleiro Tiago para colocar o goleiro Franklin. Nas penalidades, o goleiro reserva pegou duas cobranças e o Brasil se sagrou campeão mundial, relembre.
Quinze anos depois, foi a vez de Dinarte fazer o mesmo. Após o VEC empatar em 2 a 2 contra o Cesea-DF, o treinador tirou a goleira Jenny e colocou Malu, a garota de 18 anos cresceu e pegou três pênaltis do time adversário. Garantindo o título do campeonato local para as Meninas da Villa.
“O treinador perguntou se eu estava bem. Eu estava treinando bastante pênaltis, e aí ele jogou essa ‘bomba’ para mim e para Jenny, nessa eu falei que “vou pegar esses pênaltis”, eu estava bem confiante, fui lá e deu certo. Graças a Deus. A vitória foi muito importante não só pra mim, mas para o time todo”, orgulha-se Malu.
Brasileiro a bordo
Após uma notável vitória no campeonato do Distrito Federal, o time conquistou a chance de disputar o Campeonato Brasileiro de Fut7. O prêmio maior? A possibilidade de participar da Taça Libertadores. Para essas atletas determinadas, isso não é apenas um torneio, é uma oportunidade de reivindicar seu espaço no cenário nacional e internacional do futebol feminino.
“Eu acho que a gente tem grandes chances de chegar, ganhar a vaga para a Libertadores. A gente está montando um time bom para isso, time focado, treinando duas vezes por semana, estamos na pegada”, diz Jajá, confiante com o título do brasileiro de Fut7 que será disputado em São Paulo.
Juntamente com a Tânia, a Jajá é uma das mais experientes do grupo e acaba passando recados para as meninas mais jovens sempre estarem criando uma casca mais grossa. “Elas estão em formação. No momento, a formação delas é mais importante que o resultado. Como estamos formando grandes atletas, trabalhando com meninas que sonham em serem grandes jogadoras”.
Por Beatriz Bonfim e Filipe Fonseca