Elas são fortes, mas não apenas na interpretação literal da palavra. Academia, alimentação regrada e garra são características da rotina diária de mulheres que competem a modalidade de fisiculturismo no Distrito Federal. O sonho por reconhecimento também é cotidiano e, em alguma das vezes, tão corriqueiro quanto estereótipos que banalizam os esforços das praticantes. “Há uma percepção errada de que os fisiculturistas sejam burras, que só frequentam academia e não estudam. Fazem piada como se as pessoas mais fortes não se interessassem por outras coisas”, afirma a nutricionista e fisiculturista na modalidade Bikini Fitness, Isabella Faria. “Vi muito isso na faculdade”, contrapõe.

A jovem de 24 anos deu início a sua carreira no fisiculturismo quando passava pelo período de conclusão de curso, no curso superior de nutrição.”Eu ainda fazia faculdade, então tinha que conciliar os treinos ao período do trabalho final”, lembra. Foi nesse mesmo cenário que ela teve de lidar com um de seus maiores desafios: a timidez. “Usar biquíni e salto alto perto de muita gente, desfilar, fazer pose, mostrar o corpo”, aponta. Mesmo com o incômodo, passou a tratar a prática como prioridade. “Como eu estava muito empolgada em participar, o fato de treinar duas vezes por dia não era um problema para mim. Carregar marmitas também não. Já a vergonha, sim”. Contudo, depois de persistir, Isabella conquistou o primeiro lugar no campeonato brasiliense em 2017.
A primeira colocada não é a única a ter inseguranças. Segundo dados de pesquisa realizada com a população feminina mundial pela Dove, sobre autoestima, imagem e confiança corporal, mais da metade das mulheres concordam que, no que se refere a aparência, elas mesmas são as que mais se criticam. Além disso, 72% das garotas sentem pressão para serem bonitas, sendo que apenas 11% delas se sentem confortáveis em se incluir no dito ‘padrão imposto’.
Dieta e treino
Para a estudante de nutrição Laura de Souza Silva, 20 anos, o processo de iniciação no fisiculturismo foi um pouco diferente. “Eu já tinha todo um estilo de vida, de dieta, treino, era praticamente atleta, mas não pensava em competir”, ela explica. Foi o ingresso no curso de nutrição e a vivência diária com tal meio que impulsionaram considerar a opção: “foi aí sim pensei ‘porque não competir? vou me desafiar!’”, relembra.
Manter o foco é primordial para a estudante, que afirma ter abdicado de “quase 100%” das “saideiras” com amigos para manter a performance. “É preciso escolher entre sair ou dormir bem. Descansar é fundamental, tanto para o treino, como para ter resultados positivos na dieta” aponta.
Ela, que compete na mesma categoria de Isabella, Bikini Fitness, conta nunca ter sofrido preconceito explícito pelo físico, mas que comentários são comuns. “Antes da competição sempre tem algumas opiniões como ‘nossa já tá bom’ e, no período de ‘off‘, quando ganhamos gordura ou sofremos de retenção líquida, ouço ‘ você mudou, hein?’, no sentido de estar mais cheinha” explica. Para lidar bem com esse tipo de observação desagradável, Laura procura “fortalecer o psicológico.”
Apesar das diferenças, ela e Isabella concordam com os estereótipos que existem em torno do fisiculturismo. “A palavra ‘fisiculturismo’ remete a pessoas muito musculosas, com aspecto masculinizado, e não é bem assim. Existem sim meninas que ficam mais fortes porque a categoria pede isso, mas varia de qual o atleta segue, se usa mais ou menos esteroides e anabolizantes, é tudo um conjunto de fatores”, afirma Laura.
Transformação
A nutricionista esportiva Denise Ramos acrescenta que mulheres fortes e com muito músculos costumam ser menosprezadas. “Existe uma pressão para que nós nos encaixemos no que a sociedade quer. Não podemos ser nem fortes demais, nem magras demais, é necessário estar dentro daquele padrão”. Contudo, segundo a percepção da especialista, essa realidade ‘vem mudando’. Com a proliferação de notícias e compartilhamento da rotina na internet, a prática de fisiculturismo passou a ser mais exposta, assim como a vida de quem pratica, o que geraria mais empatia com o público. “O que era crítica, passa a ser admiração”, opina.
A transição para um corpo no nível de competidora, segundo nutricionista, varia de acordo com a categoria e porte físico inicial. Contudo, em um período de quatro meses, sem furos na dieta e treino, a especialista garante que é possível “alcançar resultados”.
As mulheres, diferente dos homens, não possuem níveis altos de testosterona, hormônio que auxilia o ganho de massa e queima de gordura. Pelo contrário, a progesterona e estrogênio, hormônios presentes no corpo feminino podem atrapalhar um pouco na redução de gordura corporal. “Contudo, isso não implica que as mulheres não tenham bons resultados’, afirma a nutricionista.
A dieta de um nutricionista para esse tipo de atividade restringe açúcar e alimentos industrializados. Mas, para Denise Ramos, o regime não é apenas o que vai ou não no prato. “Dieta é o que se pensa. Às vezes, o paciente tem tantas crenças limitantes, que o protocolo da alimentação não é suficiente”, explica. Além da nutrição, ela estuda psicanálise. “Trabalho as ideias dos meu pacientes. Acho que deve haver um equilíbrio entre mente e corpo.”
Por Giovana Marques
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira