Elas vibram de vestir o uniforme, ajeitar o meião e calçar as chuteiras para encarar adversárias difíceis e persistentes: a falta de apoio e de respeito, ausência de visibilidade e a necessidade de sempre provar que podem chegar longe. A rotina de vida de jogadoras da 2ª Divisão do Campeonato Brasileiro de Futebol Feminino é feita da exigência de vencer jogos e encarar compromissos em início de tarde em estádios vazios. Em Brasília, a equipe do Minas Icesp teve um momento de alegria, na última quarta (25), quando venceu no Estádio do Abadião, em Ceilândia, a equipe do Napoli (Santa Catarina).
Essa é a primeira vez que o time brasiliense participa da competição nacional e é o único representante da capital federal. Mas já são experientes em relação ao tratamento que recebem. Esforço não falta: os custos da participação no nacional e na tentativa do tricampeonato estadual (que começa em maio) são por conta da equipe. Segundo dirigentes da equipe, não há qualquer ajuda da Federação de Futebol do Distrito Federal.
Na defesa
Criado em 2012 pelas irmãs e ex jogadoras Nayara e Nayeri Albuquerque, o Minas ICESP é um projeto que tem por objetivo compor uma equipe de futebol diferente das equipes convencionais. Segundo Nayeri, as irmãs, juntamente com as outras atletas do time, sofreram desvalorização por parte dos dirigentes. “Eu passei por uma decepção muito grande quando jogadora, por isso fazemos de tudo para mudar a realidade do futebol feminino”. Nesse mesmo ano, surgiu a oportunidade de colocarem o sonho em prática a partir de uma parceria com o Minas Brasília Tênis Clube e com a faculdade ICESP. “Colocamos os dois nomes para que as duas instituições sejam reconhecidas”.
As primeiras jogadoras do elenco eram amigas e conhecidas, de Brasília, que já tinham jogado com as irmãs. Atualmente, com um elenco de 65 jogadoras e um trabalho consistente, o time recebe muita procura de jogadoras de futebol.“ Hoje muitas meninas começaram a nos procurar. Viram que estávamos fazendo a diferença”.
O projeto busca oferecer além do envolvimento com o esporte, a educação. Para Nayeri, 28, as mulheres nunca tiveram as mesmas oportunidades que os homens no futebol. Segundo ela, apesar da modalidade estar em ascensão, as atletas precisam alcançar algo a mais no esporte. “Infelizmente a realidade do futebol feminino não é a mesma do masculino, não tem como a gente sobreviver só com ele, as meninas também precisam de uma outra profissão”.
No meio de campo
Dessa forma, com a parceria da faculdade, são disponibilizadas bolsas de estudos para as jogadoras, quase todas 100%, dependendo do curso da atleta. Além disso, há também a colaboração do colégio Certo, que oferece o mesmo benefício a atletas no Ensino Médio e Ensino Fundamental e contribui para a formação de uma base sub-15 e sub-17 de jogadoras para o time. A diretora do clube diz que essas parcerias são fundamentais para a continuidade do projeto.
Apesar do grande incentivo à educação, Nayeri não descarta a profissionalização das atletas no futebol. Segundo ela, algumas meninas possuem o sonho de continuar profissionalmente no esporte. Esse é o caso da jogadora Vitória Albuquerque, destaque da equipe com 5 gols no jogo preliminar do campeonato nacional, também atua pela seleção brasileira sub-20.
Para Nayeri Albuquerque, a maior dificuldade enfrentada por um time de futebol feminino é a falta de apoio. De acordo com ela, são poucas as iniciativas de empresas privadas que apoiem a modalidade. “Apesar de hoje contar com a ajuda dessas duas instituições, ainda é muito difícil manter o time e dar seguimento nas competições. Muitas vezes eu e minha irmã precisamos tirar o dinheiro do nosso próprio bolso”.
No ataque
Segundo a dirigente, há também a falta de apoio da Federação de Futebol do Distrito Federal (FFDF). Diferente do ano passado, neste ano os próprios clubes irão bancar a arbitragem e taxa de inscrição no Boletim Informativo Diário (BID) da Confederação Brasileira de Futebol (CBF), no campeonato brasiliense. O gasto com o trio de arbitragem será de R$ 400, por jogo, divididos entre os dois clubes e a federação (três partes iguais).
De acordo com Nayeri, o único ano que houve a premiação foi em 2016, com o valor de R$ 3 mil para a equipe campeã. Uma realidade contrária ao futebol masculino, uma vez que em 2016 a premiação foi de R$ 150 mil para o vencedor e os gastos, por jogo, com a arbitragem serem de responsabilidade da FFDF, bem como os valores referentes à ambulância.
Para escanteio
Em contrapartida, no Campeonato Brasileiro há o incentivo da CBF com o patrocínio da Caixa para custear os gastos da equipe na participação no torneio. Cada clube receberá, nas partidas disputadas como visitante, a quantia de R$5.000,00 a título de ajuda de custo e em partida realizada em sua jurisdição, a quantia de R$ 10 mil para cobertura das despesas com arbitragem, ambulâncias, gandulas e exame-antidoping.
Neste ano o campeonato candango vai começar para o Minas ICESP no dia 20 de maio contra o Ceilândia. Para disputar os dois torneios, a equipe conta com um elenco de 65 jogadoras, além de manter o mesmo elenco desde de 2016 quando foram campeões do Candangão, para dar continuidade ao entrosamento. “Priorizamos em manter o elenco para montar um time A e um time B, como temos esse elenco grande e temos duas competições, nós vamos fazer um rodízio”, explica a dirigente. Segundo Nayeri, elas não estão privilegiando nenhum campeonato, afinal para chegar no campeonato brasileiro, a equipe precisa ser campeã no campeonato estadual.
Reserva
Sobre a estreia no campeonato brasileiro A2 de futebol feminino, Nayeri diz que é um sonho, desde o início do projeto, realizado. “Para nós cada jogo é como se fosse uma final. Estamos competindo para fazer história para Brasília e para o Minas ICESP”. Segundo a dirigente, hoje outros projetos olham o Minas ICESP como espelho. “Lutamos muito por esse projeto e tentamos ao máximo profissionalizar o nosso futebol. Estamos tentando fazer um trabalho sério para que isso reflita na realidade do futebol feminino no Brasil e sabemos que estamos fazendo a nossa parte”.
De acordo com a assessoria da FFDF, o futebol feminino é considerado amador, e, por isso, não há recursos para a modalidade. No entanto, a entidade destacou que pretende acompanhar a modalidade de perto e vai ter representantes nos jogos fora de casa pela série B do campeonato Brasileiro.
Por Mariana Fraga
Fotos: Aline Lopes
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira