Punir atos racistas em campos de futebol é urgente e educador, diz antropólogo

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O Brasil, além de ser o país com a maior população negra fora da África, é também um dos países que mais sofrem com manifestações racistas dentro do futebol sul-americano.

Segundo o antropólogo Lourenço Cardoso, isso ocorre como meio de violência. Por isso, ele entende que a punição contra esses crimes é urgente e educador.

Para ele, deve-se levar em consideração dois contexto s: a rivalidade esportiva do Brasil com os demais países sul-americanos e a estrutura racial do futebol no continente.

Foto: EPA Images pic

“Temos a questão da rivalidade entre os países, que é uma rivalidade em tese natural e esperada, em função dos desejos que cada um dos times tem em conseguir títulos. E o Brasil é o país que historicamente carrega a maior quantidade de títulos” , diz o antropólogo, que é professor de comunicação do Centro Universitário de Brasília (Ceub).

Essa rivalidade, que deveria se limitar apenas entre as quatro linhas, frequentemente ganha contornos raciais, principalmente quando se tem jogos fora do Brasil.

Quando um jogador brasileiro, muitas vezes negro, se destaca em campo, a forma de o atacar deixa de ser técnica e passa a ser racial.

Brancos contra negros

O professor também aponta que há diferença na composição racial dos jogadores de cada país.

Nos principais clubes sul-americanos fora do Brasil, ainda há uma predominância de jogadores brancos.

Já no Brasil, o futebol sempre teve um grande número de atletas negros, incluindo o maior da história, Pelé, tricampeão do mundo.

“Voltando na questão histórica, o Brasil acaba se transformando em um único país onde você tem ainda um grupo majoritário de jogadores negros e pretos. Nos demais times, você vê uma prevalência de atletas brancos“.

Essa desigualdade racial no futebol dentro do  continente contribui para que o racismo seja utilizado como ferramenta de ataque contra times brasileiros, considera o professor.

Como os adversários não encontram referências semelhantes dentro dos próprios elencos, os jogadores negros do Brasil se tornam alvos isolados, recebendo ofensas que associam sua identidade racial a insultos desumanizantes.

Banalização

Em tempos onde o racismo se mostra cada vez mais explícito nos gramados da América do Sul, a postura da Conmebol (principal entidade do futebol continental) tem sido marcada por contradições e omissões.

Apesar de discursos oficiais que condenam atos discriminatórios, a prática revela uma tolerância velada, que contribui para a banalização desse crime.

No discurso de abertura da Libertadores de 2025, o presidente da entidade fez questão de afirmar que “o racismo não será tolerado”.

A fala, no entanto, contrasta duramente com uma declaração dada momentos depois, em que a falta de equipes brasileiras nas competições continentais foi comparada a “Tarzan sem a Chita”, numa metáfora racista que associa diretamente o país à figura de um primata. Para o professor Lourenço, a fala é mais que uma gafe:

“Ele usa essa fala de forma jocosa, que muitas vezes o racismo estrutural procura caminhos menos formais para se expor e diz o quanto o racismo ainda prevalece” .

Mais grave que isso, segundo o professor, é a forma como a entidade equipara casos de racismo a infrações técnicas ou administrativas, como atraso para o jogo ou desrespeito a regras de competição.

O Brasil possui uma das legislações mais rígidas da América do Sul no combate ao racismo. Trata-se como crime inafiançável.

No Chile, por exemplo, a Lei Zamudio oferece proteção contra a discriminação, mas seu foco é mais civil do que penal, funcionando como um mecanismo judicial para reparação.

Na Argentina, a Lei 23.592 criminaliza atos discriminatórios com penas de até três anos, porém ainda há críticas quanto à sua aplicação prática.

Já a Bolívia, com a Lei 045, também prevê punições mais amplas e inclui a proibição de conteúdo discriminatório nos meios de comunicação. 

Clubes brasileiros reagem: a resposta nacional contra omissão da Conmebol

O futebol brasileiro, historicamente marcado por rivalidades regionais e interesses divergentes entre clubes, vive um momento raro de união.

A indignação coletiva diante de recentes episódios de racismo em competições sul-americanas, somada à resposta insatisfatória da Conmebol, catalisou uma frente inédita de protesto.

Com o lema “Chega de discursos vazios. Queremos medidas concretas e eficazes. Racismo = Menos 3 pontos!”, as equipes brasileiras passaram a protestar. Mas isso não é o bastante, como fala o professor Lourenço:

“É importante que os clubes e jogadores se posicionem, mas isso precisa estar atrelado a uma ação sistemática, constante e educacional. Punir é importante, mas formar torcedores e dirigentes conscientes é o caminho mais duradouro“.

Ele diz que o futebol precisa ser um espaço seguro e representativo para todos, dentro e fora de campo.

“O futebol é um reflexo da sociedade, mas também é um campo de disputa simbólica. Quando os clubes se posicionam, eles não apenas reagem, eles educam, pressionam e transformam.”

Por Arthur Serique

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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