A presença brasileira no Japão, país com o qual o Brasil completou 130 anos de amizade oficial, continua viva nas histórias individuais de quem cruzou o oceano em busca de trabalho, conhecimento e reencontro com as próprias raízes. A tradutora brasileira Célia Wada, que vive no país asiático há mais de três décadas, diz que se identificou com o país de seus ancestrais.

Ela se mudou para o Japão por motivo de trabalho. “Mas também havia uma curiosidade muito grande em conhecer onde meus avós nasceram e viveram uma parte de suas vidas”. Ela começou como operária em uma fábrica, assim como muitos brasileiros. Depois, conquistou espaço profissional como tradutora em escolas públicas. A trajetória, segundo ela, foi marcada por aprendizado e crescimento tanto profissional quanto pessoal.
A convivência com duas culturas moldou sua rotina de forma permanente. Mesmo longe, Célia nunca rompeu seus laços com o Brasil. “Falo com minha família e amigos sempre que posso. Dentro de casa eu tento relaxar, me sentir mais à vontade e ser eu mesma, ser bem brasileira”.
Idiomas
O trabalho com alunos e pais brasileiros reforça essa ponte afetiva. “Há mais de 19 anos, eu trabalho como tradutora em escolas públicas. Convivo com a comunidade brasileira, escuto português, compartilho experiências e ajudo essas famílias a se adaptarem aqui”. Para ela, o Brasil permanece vivo no cotidiano, e é essa presença que mantém o equilíbrio entre dois mundos que fazem parte de quem ela é.
Foi em 1895 que os países assinaram o Tratado de Amizade, Comércio e Navegação, em Paris. Em celebração pela longa amizade, a Embaixada do Japão no Brasil, promoveu e participou de eventos ao longo do ano.
Em nota oficial no site, a embaixada destacou que a relação entre os dois países se desenvolveu mesmo com a distância geográfica de 15.896 quilômetros. “Atualmente, cerca de 2,7 milhões de descendentes de japoneses vivem no Brasil e 210 mil brasileiros residem no Japão. Esse intercâmbio humano especial fortaleceu os laços entre os dois países”, afirmou.
Essa relação tem sido nutrida desde as áreas esportivas e econômicas até as culturais, de forma que ambas as culturas estão enraizadas no dia a dia individual de cada país. “Os festivais e a gastronomia do Japão estão amplamente enraizados na sociedade brasileira e a cultura pop, incluindo anime e mangá, tem se tornado cada vez mais popular, especialmente entre a geração mais jovem. No Japão, a música e a dança brasileiras também são muito apreciadas”, afirmou a embaixada.
O intercâmbio busca reforçar essa relação, o governo japonês denominou o ano de 2025 de “Ano de Intercâmbio de Amizade Japão-Brasil”. De acordo com a embaixada, a ideia central por trás da ação foi “promover intercâmbios interpessoais em vários campos, como cultura, turismo e esportes”.
Responsabilidade
No caso de Célia, as diferenças culturais aparecem como um dos pontos mais marcantes da vida no Japão. “No Brasil tudo é mais aberto, mais caloroso (…) já aqui no Japão as relações são mais reservadas”, afirma Célia.
Ela destaca ainda o senso de responsabilidade e pontualidade dos japoneses, que exige constante adaptação. Em sala de aula, seu papel de ponte cultural se torna evidente. “É difícil fazer essa ponte de comunicação, explicar para as famílias como funcionam as regras e o sistema japonês”.
Ainda assim, a experiência a transformou profundamente. “Com o tempo, eu aprendi a valorizar essas diferenças (…) é como se eu estivesse equilibrando essas duas culturas dentro de mim”.
Vida acadêmica
A professora Ivana Figueiredo, arquiteta e docente, também buscou a vida no Japão. Ela reforça essa conexão entre os dois países a partir da própria vivência acadêmica. Diferente de Célia, ela não é descendente de japoneses.
Foi por uma amiga que descobriu a possibilidade de estudar no Japão, e não hesitou. A primeira experiência foi como bolsista de um programa de intercâmbio, fruto da relação diplomática entre o Estado do Espírito Santo e a província de Oita. Depois, veio a oportunidade que mudaria sua vida. “A segunda, eu fui para Tóquio. Eu fiquei dentro da Universidade de Tóquio por cinco anos”.
Vivendo em duas regiões diferentes do país, Ivana experimentou realidades distintas, mas igualmente transformadoras: “Oita é uma cidade pequena… você consegue ter mais proximidade com as pessoas”, explica.
Já na capital japonesa, vivenciou o ritmo acelerado e impessoal de uma megacidade: “Tóquio é meio cada um por si”. Mesmo assim, encontrou no ambiente acadêmico um espaço de pertencimento: “Eu tinha conexão com os meus colegas, que eram japoneses (…) a gente pesquisava, a gente ralava junto”. A professora diz que as duas passagens pelo país foram excelentes.
Para ambas, a vida no Japão revela que a relação Brasil–Japão não é apenas diplomática ou econômica. Ela é feita de trajetórias, encontros e vínculos que se renovam a cada geração. Célia Wada ressalta que a relação de 130 anos de Brasil e Japão tem um significado muito especial para ela.
Nas experiências de Célia e Ivana, o intercâmbio entre os dois países ganha rosto, voz e cotidiano, e mostra que, mais do que uma relação histórica, é uma conexão que continua viva.
O Intercâmbio entre os países
A designação de 2025 como “Ano do Intercâmbio de Amizade Brasil-Japão” representa, na avaliação da embaixada japonesa, um novo momento na relação bilateral, abrindo oportunidades para trocas culturais, educacionais e profissionais, sobretudo para brasileiros que desejam se aproximar do Japão.
Segundo a representação diplomática, o objetivo é promover intercâmbios em vários campos, como cultura, turismo e esportes. Em sua mensagem oficial, a embaixada destacou o papel dessa celebração como forma de nutrir a próxima geração de líderes nas relações bilaterais entre o Japão e o Brasil para conectá-los à próxima década.
Para quem viveu a experiência na prática, como é o caso da professora Ivana, o intercâmbio abre janelas para transformações pessoais profundas, e também para a construção de pontes duradouras entre os dois países. “Quando a gente sai com uma experiência como essa, a gente não pode criar barreiras”, escreveu a embaixada.
Ivana Figueiredo conta que sua jornada começou com uma bolsa de estágio no Japão. O programa de formação técnica e cultural para capixabas se estendeu para cinco anos de estudos na universidade em Tóquio.
No entanto, a professora Ivana faz um alerta de que a pessoa que se muda deve estar aberto ao diferente. “Sair da nossa zona de conforto para conseguir se colocar dentro de um universo totalmente desconhecido com o qual você pode aprender muito”.
Para ela, o intercâmbio não é mero turismo ou estágio passageiro, é uma imersão real, que exige esforço, estudo de idioma, paciência e sensibilidade para lidar com diferenças profundas de estilo de vida.
Além da experiência pessoal compartilhada pela professora, a Embaixada do Japão apresenta uma das principais portas de entrada para essa vivência internacional, as bolsas de estudo MEXT, programa oficial do governo japonês voltado para brasileiros interessados em graduação, pós-graduação, pesquisas, cursos profissionalizantes e especializações.
O material distribuído pela Embaixada destaca que, por meio do MEXT, o Japão oferece “passagem de ida e volta, isenção de taxas acadêmicas, curso preparatório de língua japonesa e bolsa mensal”, benefícios que tornam o país um destino acessível mesmo para estudantes sem recursos.
O folder ainda revela que mais de 336 mil estudantes estrangeiros ingressaram no país apenas em 2024, número que deve crescer com o “Ano de Intercâmbio de Amizade Japão-Brasil”, anunciado pelo governo japonês. Ao apresentar esses programas para os brasileiros, a Embaixada buscou justamente aproximar jovens brasileiros das oportunidades de estudo, ampliando o alcance das iniciativas e consolidando a política de intercâmbio como pilar da relação bilateral.
Discursos nacionalistas
Apesar das tensões recentes na política japonesa e do avanço de discursos nacionalistas, a professora de relações internacionais Aline Tomé avalia que a relação entre Brasil e Japão tende a manter sua estabilidade histórica. “A tendência é que continue de uma forma pacífica e com trocas e com amizade como tem sido nos últimos 130 anos”, afirmou.
Segundo ela, grandes mudanças internas no Japão não devem comprometer o diálogo entre os governos. Reforçou ainda que as relações diplomáticas transcendem as políticas de governo.
A pesquisadora aponta, no entanto, que o ambiente político japonês pode gerar impactos no cotidiano de brasileiros que vivem no país. Discursos ultraconservadores e restrições migratórias, segundo ela, podem ganhar força.
Ainda assim, ela reforça que o maior impacto tende a ocorrer na vida dos imigrantes, não nas relações bilaterais como um todo: “O que realmente é afetado é a vida dessas pessoas (…) aumenta o número de violência contra essas pessoas”.
Do lado da comunidade brasileira no Japão, a percepção do futuro passa também pela adaptação diária a um país marcado tanto por oportunidades quanto por desafios. Célia, a brasileira que vive há 30 anos no país, reforça que o caminho para quem pretende migrar exige preparo emocional e cultural.
“É importante vir com a mente bem aberta, disposição para aprender e muita paciência para se adaptar”, afirma. Para ela, o Japão segue oferecendo segurança, oportunidades e muito aprendizado, mas a convivência com regras rígidas e diferenças culturais ainda exige atenção constante. Ao mesmo tempo, ela diz que a troca permanece essencial para os dois povos: “Quando existe respeito e curiosidade verdadeira, essa troca se torna muito rica para os dois lados”.
Célia também destaca que eventos políticos, econômicos e até climáticos moldam diretamente o cotidiano de famílias brasileiras no país: “Os eventos recentes no Japão, como mudanças políticas e econômicas, têm um impacto direto na minha vida cotidiana”.
Segundo ela, as regras para estrangeiros, o custo de vida e o modo como o país lida com fenômenos naturais influenciam toda a rotina de quem vive no arquipélago: “A gente deve estar bem atento, sejam a tufões, terremotos, ao calor extremo ou até mesmo às mudanças bruscas de temperatura”, disse.
Mesmo diante das incertezas internas no Japão, a diplomacia mantém perspectivas positivas para a próxima década.
Por Pedro Vianna e Marcelo Thompson


