Sem maioria no congresso, Milei deve ter dificuldades para tocar agenda, diz especialista

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Mudanças bruscas como a extinção do banco central são improváveis


Javier Milei foi eleito no último domingo (18) o 12° presidente da Argentina após a redemocratização do país em 1983. O candidato “anarcocapitalista” do partido “La Libertad Avanza” venceu o candidato governista Sergio Massa (Unión por la Patria) com 55,7% dos votos válidos. O novo presidente tomará posse no dia 10 de dezembro. Para o pesquisador em política internacional Leonardo Brito, Milei terá dificuldades em colocar em prática agenda definida da campanha.

Foto: Ilan Berkenwald Berkiller/Creative Commons

Apesar de ter conseguido derrotar a oposição peronista no primeiro turno e o próprio bloco governista no segundo turno, Milei ficou longe de obter maioria no parlamento: a coalizão libertária elegeu 37 deputados na Câmara e sete senadores (vale ressaltar que o Legislativo argentino é composto por 257 deputados e 72 senadores, porém a cada eleição só se renova metade da Câmara e um terço do Senado).

De acordo com o analista especializado em política internacional Leonardo Brito, essa configuração pode trazer dúvidas quanto ao apoio que receberá do bloco de oposição Juntos por el Cambio (JxC) e do tradicional partido antiperonista Unión Cívica Radical (UCR).

E não é só com as incertezas internas que o novo presidente vai precisar lidar. O relacionamento com atores externos como organizações sociais, sindicatos e até órgãos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ainda não está claro, não só pela variedade desses atores, mas também pela falta de experiência de Milei.

“A agenda legislativa [de Milei] é bastante ambiciosa. A expectativa é que ele comece o governo se valendo dos Decretos de Necessidade e Urgência, que é um instrumento que permite que o presidente edite normas de validade legal sem aprovação prévia do Congresso (desde que não tratem de temas penais, tributários ou eleitorais)”, diz Brito.

Economia Argentina

O cenário econômico da Argentina não foi uma das principais pautas da corrida eleitoral do país à toa. De acordo com os dados do Instituto Nacional de Estadística y Censos (INDEC), a inflação acumulada de janeiro a outubro de 2023 é de 120%, com expectativas de crescimento negativo do PIB para o mesmo ano. Além disso, 40% da população do país se encontra abaixo da linha da pobreza.

De acordo com Alessandro Costa, professor de Direito Constitucional do Centro Universitário de Brasília (CEUB), não só a inflação preocupa, mas também o desemprego, que é uma herança de governos passados. Os índices são menores que os do Brasil (de acordo com o INDEC, a taxa de desocupação e de informalidade foram de 6,2% e 10,6% no segundo trimestre de 2023, respectivamente).

Diante da crise econômica, Milei prometeu em sua campanha medidas ultra libertárias, como a dolarização da economia, eliminação do Banco Central e das restrições ao acesso a moedas estrangeiras, redução dos gastos públicos e impostos, privatização de empresas públicas e liberalização de diversos setores da economia, incluindo o mercado de trabalho e imobiliário.

Ele prometeu ainda o enxugamento do Estado em somente 8 ministérios (Capital Humano, Infraestrutura, Economia, Justiça, Segurança, Defesa, Relações Exteriores e Interior). Por mais que governos estreantes costumem ter espaço para reorganizar as pastas ministeriais, Brito acredita ser difícil promover mudanças em estruturas burocráticas já estabelecidas:

“Me parece provável que esses 8 Ministérios de Milei sejam formados através da aglutinação de competências e estruturas já existentes. A gente sabe, por exemplo, que vai ser o caso deste Ministério do Capital Humano, que vai contar com uma Secretaria de Educação, outra de Saúde, outra de Assistência Social etc.”

Quanto à promessa de extinção do Banco Central Argentino, Brito vê, pela falta de outros casos semelhantes, a eliminação de um órgão de regulação do mercado financeiro em uma economia com a dimensão e complexidade da Argentina como improvável.

Política externa


Apesar das falas do novo presidente indicarem um foco na agenda econômica doméstica, a política externa deve enfatizar temas comerciais e de atração de investimentos, além de procurar favorecer iniciativas de liberalização do comércio internacional. Diana Mondino, economista libertária especulada como futura ministra das Relações Exteriores, sugeriu que o novo governo teria interesse nas negociações em curso entre o Mercosul e a União Europeia, o que afasta mais o risco de uma ruptura muito brusca.

“Não está claro, contudo, em que medida isso pode se transformar em oportunidades para a América Latina porque o presidente-eleito sinalizou que quer priorizar relações com países do “mundo livre”, pelo qual eu entendo que ele se refira aos países do Atlântico Norte (Europa ocidental, EUA, Canadá) e seus aliados (Japão, Austrália), etc.”, diz Brito.

Para Costa, em relação ao Brasil dificilmente as relações comerciais sofrerão mudanças radicais, pela dependência econômica mútua: “Agora, passado o pleito, o pragmatismo deve preponderar sob pena de começar um governo isolado, sem seu principal parceiro comercial no cone sul – o que não deve acontecer. Os interesses institucionais tendem a prevalecer.”

Por Vinícius Pinelli

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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