
O embaixador da Ucrânia no Brasil, Rostyslav Tronenko, afirmou em palestra, em Brasília, que parte da motivação do atual conflito entre Rússia e Ucrânia por parte do território ucraniano tem origens no Holodomor, genocídio ocorrido na Ucrânia entre os anos de 1932 e 1933, em que, segundo a Organização das Nações Unidas (ONU), tirou a vida de sete a dez milhões de pessoas, vítimas da fome. “Esquecer essas vítimas é condenar o passado mais uma vez”, criticou.
O Holodomor (matar pela fome, em ucraniano), foi a consequência de uma estratégia econômica durante o governo do ditador soviético Josef Stalin para atender aos planos de industrialização da União Soviética, chamados “Planos Quinquenais”. A tática consistia na venda de cereais produzidos por camponeses ucranianos para países do exterior, e utilizar o dinheiro das exportações com a compra de maquinário para as fábricas. A crise estabelecida em 1929 contribuiu para que o plano ganhasse força, já que os países afetados com a recessão econômica necessitavam dos produtos de subsistência.
A estratégia adotada pelo governo soviético custou a vida de milhões de agricultores ucranianos. A Ucrânia, segundo o também palestrante e doutor em história Anderson Prado, professor no Instituto Federal do Paraná, era conhecida como “o celeiro da Europa”. O país era o maior produtor de trigo na Europa e cerca de 90% dos grãos produzidos na nação eram exportados para países como Alemanha e Inglaterra contra a vontade da população local, que era deixada sem comida. Os primeiros e mais afetados foram crianças e idosos, o que modificou “o DNA da nação”, de acordo com o embaixador ucraniano. Ainda segundo o historiador, o regime só terminou um ano depois porque esgotaram-se aqueles que poderiam ser explorados para a produção.
Segundo o embaixador Rostyslav Tronenko, o atual conflito entre Rússia e Ucrânia na península da Criméia, e mais a guerra entre ucranianos e grupos separatistas em Lugansk e Donetsk se deve, de certa forma, a esse genocídio. Ele afirma que a fome deixou um “vácuo populacional” no país e permitiu um preenchimento por russos, bielorrussos, cazaques e outras nacionalidades da União Soviética que tentam ser repatriadas pela Rússia. Essa política também teria motivado os conflitos entre Rússia e Geórgia, que atualmente passam por uma situação parecida.
Relações com Brasil
O historiador Anderson Prado, responsável por resgatar parte da história do genocídio em pesquisa de doutorado, afirmou que regimes totalitários como o vivido pela Ucrânia entre 1932 e 1933 são um alarme às democracias. Memórias como essas devem ser preservadas, afirma Prado. Ele fez um paralelo com a atual situação brasileira. “A memória, independente dos sistemas, precisa ser preservada. […] A todo momento devemos trazer à tona o que vivemos no passado do Brasil. Não devemos jogar contra o tapete qualquer atentado à democracia”, comentou.
O acesso à história do Holodomor só foi possível em 1991, ano em que a independência ucraniana teve reconhecimento pelo Supremo Soviético, espécie de Câmara dos Deputados da antiga União Soviética. Atualmente, a Rússia é um dos países que não reconhece o Holodomor como sendo um genocídio.
No último dia 24 de outubro, foi realizada uma homenagem em memória ao ocorrido por instituições que prestam apoio à população ucraniana, como a instituição canadense Holodomor Tour, a Unesco, a vaticana Santa Sé e a Assembleia Geral da ONU.
Por Lucas Neiva e Vítor Mendonça
Sob supervisão de Luiz Cláudio Ferreira