Não abram as janelas nem as portas. Não liguem a TV nem (principalmente nem) separem o dia para ir ao cinema. Esses imperativos estão por toda a parte como uma sombra na antessala dos cinemas brasileiros.
Dizem mais: não abra os olhos nem deixe os ouvidos disponíveis. Não estude. Não vá atrás do passado.
Ao saberem da estreia de “Ainda estou aqui”, de Walter Salles, nos cinemas, finja-se de ignorante.
Não procure saber da ditadura. O que passou… Passou. Já ouviram esses argumentos como ordens?
Diante de tantos boicotes ao filme brasileiro, é de se supor que visitar o crime cometido pelos militares pode ser antipatriótico.
Não queira saber dos outros mais de 430 desaparecidos e mortos do regime ditatorial.
Nem das famílias que choram em vida a incerteza, a história rasgada, mas com páginas que estão ainda no livro.
Não queira saber de livros. Podem ser perigosos. Como o de Marcelo Rubens Paiva, publicado em 2014, que inspirou o filme 10 anos depois.
Ele fala da própria mãe e acabamos lembrando de tantas mães sem respostas…

Tendo seu papel fundamental para disseminar os “mandamentos” do boicote, a internet, também (por incrível que pareça), serviu de plataforma para exercer o papel cívico de debate social.
Enquanto muitos se negaram a assistir, muitos outros se comoveram pela história da família Paiva.
Gostar do longa virou um campo minado.
Se você gostou, vai ser chamado de comunista, ou então de petista.
Não existe outra opção, até porque, quem mais se comoveria com uma “história mentirosa” disseminada pela esquerda do país se não um comunista?
Afinal, um pedaço da história brasileira deveria ser tratado como uma guerra de partidos políticos?
A resposta pode ser simples para alguns e até explicada por Edmund Burke. Ele diz que “um povo que não conhece sua história está fadado a repeti-la”.
Enquanto uma parte da sociedade brasileira insiste em ignorar e negligenciar a própria história, a frase de Burke acaba ganhando ainda mais força e se aproxima de uma realidade.
Independentemente de polos políticos, independentemente de quem detém o poder no Brasil, o fato é que a família Paiva e diversas outras, no período ditatorial entre 64 e 85, foram destruídas pelos mesmos que juraram protegê-las.
Como negar a morte de Rubens Paiva e o sofrimento de todas as famílias que perderam alguém ajudaria em uma futura eleição ou estaria fortalecendo um político de seu agrado? É uma verdadeira incógnita que, ainda sem resposta, resulta no conflito partidário que é visto hoje em dia.
Um simples boicote não teria o poder necessário para derrubar uma história que viajara 53 anos para ter seu espaço nas grandes telas e ter a dor da família Paiva compartilhada mundo afora.
A luta de Eunice para simplesmente ter o reconhecimento de que o estado foi o culpado pela morte de Rubens marcará não apenas a história do país mas também a cultura que, pela interpretação de Fernanda Torres influenciará uma nova forma de olharmos para o cinema de nosso brasileiro e a capacidade de contar as histórias daqueles que tanto buscam uma voz.
Eunice teve medo por sua família. As cortinas foram fechadas, suas TV´s desligadas e portas fechadas.
Como disse Mark Twain, “A história não se repete, mas rima por vezes”.
Apesar dos imperativos despropositados que podem ter ouvido, não fechem suas portas, nem suas janelas.
Estudem, busquem saber mais sobre sua história.
Abram os olhos e ouvidos e, separem o dia para irem aos cinemas. Procurem entender a dor de uma família que perdeu seu pai.
Confira o trailer de Ainda estou aqui
Por Caio Aquino
Universitário de jornalismo do CEUB
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira