Nos semáforos fechados da Esplanada dos Ministérios, na segunda (28), nas estradas durante a greve dos caminhoneiros nos últimos 10 dias, manifestações por uma “intervenção militar” no Brasil chamaram a atenção de brasileiros comuns até os altos cargos nos três poderes. Houve repúdio no Executivo, Legislativo e Judiciário, mas a situação não deixou de causar preocupação em quem defende a democracia. Em Brasília, por exemplo, os manifestantes que estavam no gramado do Congresso Nacional corriam entre os carros com gritos de ordem e faixas com as seguintes mensagens: “Diga não à eleição e sim à intervenção militar”, “Políticos não nos representam”, “Fora comunistas! Buzine!”, “Intervenção militar já”, “Fora comunismo!” SOS Forças Armadas”.
Em meio ao protesto, o barulho das buzinas era tumultuoso, as blusas da seleção brasileira, as bandeiras e as cornetas comumente vistos em beiras de estádios na época de Copa do Mundo estavam em evidência. Alguns dos organizadores se ofereciam para pintar os rostos dos manifestantes com as cores da bandeira brasileira, uns gravavam o protesto pedindo apoio dos internautas e outros abasteciam os participantes com água e lanche. Quando o sinal abria para os carros, integrantes do grupo cantavam o Hino Nacional para os passageiros que circulvam em seus veículos ou pediam para que os passageiros buzinassem como forma de apoio.Houve quem buzinou.
O movimento que pede a saída de Temer, presidente chamado de “comunista” pelos manifestantes, é semelhante ao grupo que se mobilizou para tirar a ex-presidente Dilma Rousseff do poder, segundo o historiador Frederico Tomé. Manifestações sociais como a greve dos caminhoneiros em ano eleitoral impulsionam uma disputa discursiva e podem gerar conflitos sociais. Para o historiador, esses movimentos se assemelham aos que ocorreram em 1964 do Brasil (ano da tomada de poder por militares) e com a experiência chilena na década de 1970, de Pinochet. O que pode explicar esses fenômenos são os resultados da fragilidade política do Brasil.“A sociedade é múltipla e esses grupos de pressão estão se destacando, isso vem de uma insatisfação geral da política. ”
Esses acontecimentos refletem fatos da história brasileira e ressaltam a falta de esclarecimento que a sociedade tem em relação ao seu passado. “A sociedade brasileira tem uma tendência para gostar do autoritarismo, isso é reflexo da escravidão. Quando o caminhoneiro pede intervenção militar ele não tem noção de que se estivéssemos em uma intervenção, ele não poderia estar na rua reivindicando os seus direitos”, afirma o pesquisador.
Segundo o cientista político Martin Adamec, o fanatismo por militares tem uma origem histórica que passa pela Guerra do Paraguai e se reafirma na Proclamação da República. “A gente tem uma mentalidade pretoriana, que é basicamente a expectativa de que os militares são um grupo imparcial objetivo vinculado ao bem da nação que salvarão a todos nós, isso é algo que tem se perpetuado desde o século XIX e tem ressurgido continuamente ao longo do século 21.”
Para Adamec um dos problemas que leva a sociedade para este contexto é a falta de consolidação democrática no Brasil. “A sociedade esquece que a democracia brasileira tem apenas 30 anos. Os países que inventaram a democracia estão dentro de um âmbito democrático há 700 anos”. Ele entende que,, apesar dos avanços promovidos a partir de 1988, com a promulgação da Constituição, o Brasil ainda é uma sociedade “assustadoramente tradicional; alheia e avessa a elementos básicos de cidadania como respeito a direitos civis e direitos humanos básicos.”
Segundo o cientista político o populismo histórico e cultural também explica esses apelos por autoritarismo. “ Eu comparo esse contexto à década de 30, período entre guerras com ascensão de líderes populistas em um contexto de insatisfação em termos de corrupção e ineficiência e em termos de transições sociais, ou seja, a sociedade não está conseguindo lidar adequadamente com a conjuntura e recorre a soluções fáceis em termos de lideranças populistas.”
Para ele,, essas lideranças não são a melhor solução pela falta de projetos políticos e econômicos. “É muito fácil polarizar uma sociedade que já está dividida e na expectativa de mudanças apontando o inimigo. Temos um discurso no Brasil cada vez mais populista e extremista que ao meu ver reflete um movimento a nível mundial que podem ser comparado a ascensão do movimento nazifacismo na Europa”.
Por Marília Sena
Fotos por Vitor Mendonça
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira