Entenda os avanços da Constituição de 1988 para as mulheres no país; “Carta é feminista”, diz pesquisadora

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Neste 5 de outubro, celebra-se o aniversário de 35 anos da Constituição Federal de 1988. Considerada como a Constituição Cidadã, recebeu esse nome, pois nela é fortalecida a efetivação dos direitos fundamentais dos cidadãos, entre eles os direitos civis e políticos e os direitos sociais.

A Constituição de 1988 também representa um forte avanço para os direitos das mulheres, pois foi a partir dela que começou a participação mais ativa das mulheres no espaço social, nos postos de comando e na política.

“A Constituição de 1988 é feminista”, defende a advogada constitucionalista e professora Christine Peter.

De acordo com ela, na época, a Assembleia Constituinte era composta por 559 integrantes, e entre eles, 26 eram mulheres. Ou seja, as constituintes representavam 5% do total. Apesar do número baixo, elas participavam ativamente das pautas, não só femininas, como das masculinas, principalmente aquelas em relação aos direitos fundamentais sociais do povo brasileiro.

“Apesar de serem a minoria, elas eram tão barulhentas, ativas e articuladas que os homens olhavam e falavam ‘lá vem o Lobby do Batom’, porque eram mulheres que usavam batom e vestiam roupas coloridas, com todo o esteriótipo”, explica Peter. Ela aponta que apesar do nome ter sido criado de forma pejorativa, as mulheres, também conhecidas como Bancada do Batom, ressignificam para algo positivo e assumiram que estavam no Lobby do Batom. A professora ainda afirma que essa era a única forma que elas tinham para se diferenciarem naquele ‘mundo’ homogêneo de homens brancos.

Constituintes que fizeram parte do Lobby do batom, na rampa do Palácio do Congresso Nacional, na promulgação da Constituição de 1988. Foto: Acervo Câmara dos Deputados

Foi nesse cenário que as constituintes se organizaram, para escrever uma carta das mulheres ao presidente da Assembleia Nacional Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães (MMDB), por meio do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher. “Elas trouxeram uma pauta super ousada de igualdade entre homens e mulheres”, informa Peter.

Pela primeira vez uma Carta Constitucional trouxe o princípio da Isonomia de forma clara em seu texto, estabelecendo que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza” e destacando que homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações.”

Christine Peter aponta que a Constituição de 1988 é feminista, apesar de não ser fácil concretizar o que está escrito. Foto: Nathália Guimarães

“Foi uma Constituição querida e pensada por mulheres, nossas mães fundadores de 1988”, completa a professora. Ela afirma que o Brasil, da década de 80 até 2023, avançou no que diz respeito à participação das mulheres na política, mas principalmente, na vida cotidiana. 

Peter ainda comenta sobre as principais conquistas das mulheres após a criação da Constituição Cidadã. Clique aqui ou acesse o QR code abaixo para saber mais sobre.

O novo Lobby do Batom

Na terça-feira (3), as deputadas e senadoras da atual legislatura participaram da recriação da foto do Lobby do Batom. Na ocasião, A deputada federal Benedita da Silva (PT), também uma das constituintes, destacou que “nós que fomos constituintes, da Bancada do Batom, lutamos e registramos na Constituição Brasileira, aquilo que nós mulheres brasileiras todas estamos precisando e hoje nós temos uma bancada de 92 mulheres que estão fazendo história.”

A deputada ainda ressaltou não ser mais a única mulher negra da bancada política e também a diversidade. “Hoje não temos apenas a Benedita da Silva, aquela mulher negra da favela do Chapéu Mangueira, hoje nós temos uma bancada negra forte e a mulherada dando as mãos umas às outras. Veja a diferença da foto de 35 anos atrás, para a de agora, várias diferenças de classe, etnias e tenho orgulho em dizer que é a maior bancada, até agora, da república brasileira”, finaliza.

Deputadas e senadoras da atual legislatura participaram da recriação da foto do Lobby do Batom. Foto: Zeca Ribeiro/Agência Câmara

Lei Maria da Penha

Para a pesquisadora Bianca Stella, representante da Ouvidoria das Mulheres do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), as principais conquistas das mulheres após a promulgação da Constituição Cidadã foram o voto obrigatório para mulheres, igualdade na formação nas eleições e a Lei Maria da Penha.

Criada em 7 de agosto de 2006, a Lei 11.340, popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi introduzida para proteger as mulheres da violência doméstica e familiar. “O “Maria da Penha” é em razão do reconhecimento da luta da farmacêutica Maria da Penha, vítima e sobrevivente de violência doméstica. Por diversas vezes, ela pediu justiça ao Estado, mas lhe foi negada”, destaca a pesquisadora.

Ela explica que em 2001, Maria da Penha acabou motivando o relatório nº 54/01 da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, onde consta como uma das recomendações do organismo internacional ao Estado brasileiro o endurecimento da legislação, a criação de delegacias especializadas e efetivação da punibilidade dos agressores dentre outras medidas em prol dos direitos das mulheres.

“Em tese, comemoramos a existência da lei protetiva, considerada a terceira mais avançada do mundo. Apesar disso, o país continua a ostentar o crescimento da violência doméstica contra a mulher”, informa a pesquisadora.

A promotora de Justiça, pesquisadora e membro auxiliar da Ouvidoria do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), Bianca Stella. Foto: Arquivo Pessoal

Segundo o último Relatório Visível e Invisível: a vitimização de mulheres no Brasil, do Fórum Nacional de Segurança Pública, divulgado em março de 2023, 33,4% das mulheres brasileiras com 16 anos ou mais sofreram violência física e/ou sexual por parte de parceiro íntimo ou ex. O número é maior que a média global (27%) informada pela Organização das Nações Unidas (ONU).

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Arte: Nathália Guimarães

Financiamento eleitoral

As mulheres enfrentam grandes desafios também na vida política. O percentual reservado para a apresentação das candidaturas femininas é de apenas 30%. No entanto, as mulheres hoje representam maioria na participação política em relação aos homens.

Dados do Diagnóstico da participação feminina no Poder Judiciário, publicado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mostram que, entre 2007 e 2018, as mulheres representaram 56,6% do total de servidores que atuaram no Poder Judiciário. Além disso, elas se consolidaram na ocupação de funções de confiança e cargos comissionados (56,8%), além de cargos de chefia (54,7%).

Bianca Stella fala sobre a importância das políticas públicas de apoio às mulheres na conquista de cargos públicos do governo. “O objetivo dessas medidas é reparar a desigualdade histórica entre homens e mulheres na política brasileira, já que a maioria delas não está proporcionalmente representada. A falta ou insuficiência do investimento de financiamento nas campanhas femininas constitui uma violência patrimonial, e inviabiliza a campanha delas para eleições”, explica a pesquisadora

Christine Peter reforça que mesmo que seja uma conquista, ocupar cargos públicos, comissionados e de liderança deve ser reforçado que haja essa igualdade que ainda está em falta. “A ideia é que ninguém fique para trás, que as mulheres possam alcançar os mesmos espaços públicos e cargos de liderança em igual com os homens. Há apenas 18% de mulheres ocupando as cadeiras do Congresso Nacional, é muito pouco”, aponta.

A advogada constitucionalista ressalta também que é preciso o reforço das políticas públicas. “Temos uma política pública desde a década de 1990 que não tem surtido efeito na hora da ocupação das cadeiras nos cargos públicos de governo, então isso precisa ser reforçado cada dia mais”, completa. 

Christine finaliza incentivando que as mulheres precisam ir à luta, e conquistar cada vez mais espaços nos cargos públicos do governo. “Nós precisamos, lutar por isso de forma muito séria e muito articulada, porque as mulheres precisam sentar nas cadeiras de poder sejam elas de que espectro político forem, seja elas com que ideologias tiverem ,elas precisam estar nesse espaço de poder para que as próximas gerações possam se inspirar e o Brasil possa funcionar realmente numa democracia plural e paritária.”

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Novos desafios

No Brasil, as mulheres venceram desafios e tiveram conquistas durante esses 35 anos, mas ainda há um longo caminho a ser percorrido. Christine Peter chama atenção para a participação feminina no primeiro escalão de cargos na política. “Ainda não tem mulheres ocupando, mas estamos chegando lá. Para isso, precisamos de mais apoio da sociedade civil e de políticas públicas. É preciso entender o papel e a participação da mulher no mercado de trabalho”, aponta.

Para ela, todas as empresas deveriam auxiliar a mulher que engravida, para que elas não precisem sair do mercado de trabalho. “Por exemplo, poder levar o filho para o trabalho. Eu faço parte de uma parcela privilegiada da população, uma servidora pública que tinha creche no trabalho. E isso faz toda a diferença. Assim, nós podemos continuar ativas naquilo que produzimos, mas com os filhos por perto e bem tratados”, afirma.

Ela também aponta a importância da licença parental, que poderia ser distribuída entre homens e mulheres, porque homens também têm responsabilidades em casa, mas algumas empresas não permitem que eles tirem a licença.

Bianca Stella destaca que sente falta, na prática, a garantia do direito básico de ‘bem estar das mulheres’, ou seja, a não violência. “As mulheres ainda estão sujeitas a vários ciclos de violência, além da dependência financeira e emocional dos companheiros, devido a construção social fundada na supervalorização do homem e no desencorajamento do empoderamento feminino”, explica. Para ela, muitas mulheres ficam nessa situação por não acreditarem no acolhimento social e proteção da justiça.

A advogada Viviane Vieira, da Secretaria da Mulher, reforça o sentimento da necessidade de haver um respeito maior à existência da mulher e conclui sobre a importância da luta das mulheres hoje para as gerações futuras. “Talvez minha geração não usufrua dessas mudanças, mas pelo menos, minha existência não terá sido em vão. Um legado pretendo deixar, uma semente já foi lançada. Somos sementes.”

Conquista recente

Esse ano foi atingida uma nova conquista. No dia 4 de julho foi sancionada pelo presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, e publicada no Diário Oficial da União, a Lei 14.611, que garante a igualdade de salário e de critérios de remuneração entre homens e mulheres. 

Essa lei determina ainda que, caso haja discriminação por motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade, o pagamento das diferenças salariais devidas não exclui o direito de quem sofreu a discriminação pedir uma ação trabalhista de indenização por danos morais, considerando-se as especificidades do caso concreto.

Veja abaixo algumas das principais conquistas das mulheres nos últimos 35 anos.

Arte: Nathália Guimarães

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Por Lara Oliveira e Nathália Guimarães

Supervisão de Vivaldo de Sousa

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