Filhos de diplomatas explicam as consequências da “vida nômade”

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Laura Bernardes, Giulia Migliorini, Antônia Simas e Surik Neython. Para esses quatro jovens, a vida sempre foi um pouco diferente. Acordar, ir para a escola, almoçar com os pais, sair com os amigos… isso não mudava. O que os torna extraordinários, entretanto, é onde faziam tudo isso – e o quão rapidamente o sentido de “lar” tem, para eles, a capacidade constante de mudar.

Filhos de personalidades diplomáticas, poucos compartilham nacionalidade: Laura e Giulia são brasileiras, Antonia é equatoriana e Surik é moçambicano.  Porém, o que não dividem em conterraneidade assemelham-se em vivência. Estudantes universitários na casa dos 20 anos, o quarteto cruza o mundo na qualidade de nômades diplomáticos, e em algum ponto da jornada transatlântica, já tiveram a oportunidade de morar no Brasil.

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Para Laura, brasiliense por nascença e mineira de coração, mais do que qualquer coisa, a pátria verde-amarela significa “porto seguro”. Já morou na Bélgica, Colômbia e China, e mesmo assim, deixa claro: “quando as pessoas perguntam ‘where is home?’ (onde é a sua casa?) eu falo Brasil, porque é onde estão meus familiares e amigos. E por mais que eu não tenha morado aí por muito tempo da minha vida, é onde eu me identifico com a cultura. Então eu diria que é minha casa no mundo”.

O sentimento é recíproco para o africano formado em engenharia de produção, que, apesar de ter vindo por conta do emprego do pai, se apaixonou pelo solo tupiniquim. “Antes, o Brasil representava um lugar onde eu poderia me capacitar mais, aumentar minha formação. Hoje em dia, se você me perguntar o que o Brasil representa para mim, diria que é como a minha segunda casa”.

Antônia, que tem DNA italiano da mãe, irmão norte-americano e irmã argentina, morou no Brasil por pouco mais de três anos, mas fincou raízes para a vida toda. “Apesar de ter estudado em colégios internacionais e ter morado fora por muito tempo, eu me sinto brasileira. Mas outros países também tiveram influência sobre mim, principalmente o Equador”.

Antônia Simas tem 21 anos, é estudante universitária e possui nacionalidade brasileiro-equatoriana

Na mesma linha de pensamento se encontra Giulia, que, após três semestres de ensino superior cursados, colocou o direito em pausa para participar de projetos filantrópicos na África do Sul e na Tanzânia. “Já morei na Argentina, Venezuela, Itália e no Brasil, e o diferencial de ter vivido no país acredito ser o fato da minha família inteira morar aí. Visitá-los é sempre momento de muita animação e felicidade, ver todo mundo e matar a saudades”, ressalta. “O Brasil representa um lugar em que eu sei que eu sempre posso voltar, independentemente de qualquer coisa. Vai estar sempre de braços abertos pra mim”.

Giulia Migliorini já morou em quatro países, incluindo o Brasil
Em fevereiro, viajou para a África do Sul para prestar assistência a crianças de uma comunidade vulnerável

Pátria amada, sim. Idolatrada, não

Mais que carimbos no passaporte e imãs nas geladeiras, a vivência em 15 países rende uma bagagem além dos olhos. As complacências e dificuldades que o Brasil carrega na cultura, e as diferenças e semelhanças que divide com as demais pátrias não passam despercebidos no radar dos jovens.

Para Laura, a questão da segurança é um dos principais pontos fracos de sua terra natal. “Eu me sinto super segura em muitos outros lugares em que eu morei, e eu acho que isso faz muita diferença não só quando você é adulto, mas principalmente quando você é adolescente”, explica. “A minha adolescência foi maravilhosa porque na China eu não tinha problemas quanto a isso. Eu tinha toda a liberdade do mundo para fazer o que quisesse, não tinha perigo nenhum”.

Bernardes também joga luz sobre um assunto muito característico da “pátria amada”: a relação ímpar dos brasileiros com seus pais, e a dependência familiar com relação ao dinheiro. “Meu namorado e minhas companheiras de quarto são europeus, e todos vivem do dinheiro que conquistam com seus empregos. Eu dependo da ajuda financeira do meu, eu não trabalho pelo meu dinheiro. A China é mais parecida conosco, nesse sentido. Lá você mora com os pais até se casar, e na Europa você se muda da casa dos seus pais quando tem 18”.

*Fair enough = é justificável

Sobre as pessoas e o convívio social, a brasiliense também reconhece notáveis diferenças. “As pessoas no Brasil são muito mais legais, mais abertas e muito mais amigáveis. Na China, por exemplo, as pessoas são introspectivas, ‘fechadas’, então eu não conseguia ter muito contato com elas. Na Europa, então, nem se fala! E isso eu sinto não só morando aqui [na Escócia], mas também porque eu começo a me comportar como eles… Falar um ‘bom dia’ e receber um ‘bom dia’ de volta… Disso eu sinto muita falta”.

Encontro de culturas: filha de pais mineiros, Laura atualmente namora um jovem dinamarquês

Essa ideia festiva do povo brasileiro também faz parte da visão de Surik , que enxerga muitas semelhanças entre Moçambique e a nação brasileira. “O clima é o mesmo e as pessoas são alegres. Foi bem fácil de me acostumar”, admite. Aqui, o jovem encontrou uma oportunidade de abrir a mente, e ir além dos limites da sociedade na qual nasceu. “Lá não se aceitam certas coisas que são normais na comunidade, e que aqui são bem comuns. O Brasil abriu a minha visão”.

Mas nem tudo são rosas. Apesar de guardar grande carinho pelo Brasil, não deixa de perceber os problemas de estrutura do país, que, de acordo, com ele, carrega muito potencial, mas que “não vai para frente” graças a questões internas. Diferente, na opinião dele, do Estado africano, que não cresce por não se equiparar a essa capacidade. A soma de todos esses fatores, no final, é positiva. Filho do conselheiro comercial da embaixada, Surik conta que os pais já estão em missão de retorno a Moçambique, mas que pretende ficar por aqui por muito mais tempo.

Surik tem 23 anos e acaba de se formar em Engenharia de Produção

O sentimento pode ser refletido pela afirmação que Giulia faz ao encerrar a entrevista, feita de seu alojamento na Tanzânia. “Gosto de não restringir minha casa para um só lugar, mas se eu tivesse escolher um, seria o Brasil, sem dúvida alguma.”

Por Maria Theodora Zaccara

Com supervisão de Luiz Cláudio Ferreira

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