O ano de 1968 continua mais vivo do que nunca passados 50 anos da série de manifestações ocorrida em maio. Pesquisadores do tema explicam que há uma relação direta pelo que foi propiciado naquele período e as demandas sociais de 2018.
Para o historiador Frederico Tomé, o período marca o entendimento de que os jovens são atores políticos e com poder de reivindicações. “Os aspectos culturais que envolvessem a juventude passaram a ser observados com maior cuidado. Muitos assuntos levantados nas manifestações de maio de 68 precisam ser urgentemente resgatados e discutidos para que possamos construir uma sociedade menos desigual. Já se passaram 50 anos e muitas coisas aconteceram, o que percebemos hoje é que há um movimento reacionário ganhando força no mundo ocidental”.
O sociólogo Leandro Grass Peixoto entende que as questões daquele tempo estão em pauta. Eu acho que estamos num momento muito parecido. Percebemos, não só no Brasil, mas em todo o mundo que os governos estão agindo de forma autoritária, tomando decisões sem participação social e sem escutar os segmentos interessados e afetados por suas medidas”. Para ele, desde de 2013, no Brasil, assiste-se a uma retomada do envolvimento dos estudantes na vida pública.
Grass recorda que, em 2016, houve uma onda de ocupações nas universidades e nas escolas que ia contra a reforma do ensino médio e do programa “escola sem partido”. “O movimento está completando 50 anos e é sempre um evento que estimula e inspira lideranças juvenis e movimentos estudantis mostrando que quando os estudantes se organizam e se manifestam as mudanças são possíveis. É um momento muito delicado e sujeito a novas ondas de protesto em decorrência das eleições, é provável que os estudantes continuem se mobilizando em defesa da educação pública e da liberdade. A democracia está sendo construída, o valor da liberdade está em permanente disputa e tensão.”
Para o historiador defende que questões que envolvam uma educação humanista, participação de estudantes e trabalhadores na política e na sociedade precisam ser discutidos com urgência. “A presença das mulheres no mercado de trabalho e nos papéis sociais como agentes públicas precisa ser realçado. A participação dos negros na sociedade atual é importante para chamar a atenção de como o racismo é latente”.
Legado
O movimento libertário de 68 deixou legado para as décadas seguintes: lutas contra a intolerância em geral e discussões de identidade, como o movimento feminista, têm raízes nos desejos revolucionários do movimento.
Outro importante legado está assentado na confirmação do papel político decisivo dos jovens e estudantes na conjuntura do seu país, fortalecendo o protagonismo estudantil nas lutas políticas. Além da relevância histórica. “É considerada até hoje, a maior manifestação estudantil na história do ocidente”, explica o sociólogo.
Para o historiador, esse legado pode ser sentido em vários aspectos da vida social, um ponto crucial está nas relações sociais. Maio de 68 tinha uma vinculação com a sociabilidade, com práticas culturais e as representações e então esse questionamento sobre o que não é válido num ambiente social passou a ser bastante relativizado”, disse Frederico Tomé.
Uma grande onda de protestos, greves, manifestações e ocupações de fábricas e universidades, após a proposição de uma série de mudanças no currículo nacional da educação na França atravessaram depois o mundo. “Naquele momento havia uma insatisfação muito grande com o sistema educacional, não só na França. Vários grupos de estudantes em seus países se organizando, criticando mudanças no modelo de ensino”, explica o sociólogo Leandro Grass Peixoto, bacharel em sociologia.
O historiador e doutor em ciências sociais, Frederico Tomé, acrescenta que o período provocou revolução na academia. “A universidade deixou de ser um espaço elitista com a chegada da classe média e baixa nos centros acadêmicos.”
O motim teve início com a ocupação da universidade de Nanterre (Paris), no dia 22 de março. No dia 2 de maio, a administração da universidade fechou a instituição e ameaçou expulsar os estudantes envolvidos. Em função da violenta repressão, outros estudantes, de outras universidades, aderiram ao movimento. A partir do dia 3 de maio, não havia mais ordem de dispersão nas manifestações. Os estudantes jogavam paralelepípedos arrancados das calçadas e queimaram carros nas ruas.
Em pouco tempo, existiam cerca de 9 milhões de grevistas ocupando as ruas. Isso gerou a desestabilização do governo de Charles de Gaulle, presidente francês da época. A sociedade francesa, mesmo enfrentando greves gerais apoiou as manifestações. “a reação da população foi no sentido de dar suporte e prestar solidariedade aos estudantes. Houve uma adesão popular a esse processo, a sociedade francesa se uniu e não deixou os estudantes sozinhos nessa manifestação”, afirma Leandro Peixoto. “O engajamento dos manifestantes foi espontâneo e imediato. Cerca de dois terços da população francesa apoiava a greve dos trabalhadores.”, apontou Frederico Tomé.
Resolução
O governo resolveu ceder e negociar. “Imediatamente após a explosão das manifestações tem-se primeiro uma negação e uma tentativa de sufocamento. Ao perceber que boa parte das universidades francesas haviam se engajado nas mobilizações e que os trabalhadores efetivamente pararam a França o governo foi obrigado a sentar e negociar com os manifestantes.”, esclareceu o historiador. Nas eleições extraordinariamente convocadas pelo governo francês, os políticos vinculados à figura de Gaulle conseguiram expressiva vitória.
O sociólogo entende que o movimento repercutiu em todo continente europeu. Ocorreram na Alemanha, na Itália e em Portugal, manifestações com as mesmas caraterísticas e também na américa latina. E depois, na década de 70, outros movimentos um pouco menos combativos, foram fortalecidos e liderados por jovens. Além de ter sido um marco do fortalecimento do movimento das esquerdas.
“O movimento foi o ápice de toda uma conjuntura revolucionária que tomava conta do mundo, foi um movimento estudantil que pode ser enxergado com uma dimensão muito maior, na época, outros movimentos com teor social estavam em discussão, como o movimento feminista, o movimento negro e movimentos pela liberdade e contra ditaduras que ocorriam ao redor do mundo.”, destacou Frederico Tomé.
Brasil
Quatro anos após a instauração da Ditadura Militar (1964), as ruas pararam com manifestações inspiradas nos franceses contra a repressão, reformas estudantis e a inflação que causou arrocho salarial. “Na França a discussão era um pouco mais abrangente, envolvia mais questões comportamentais e aqui no brasil, essas questões também eram abordadas, porém havia um problema maior, uma questão mais urgente a se resolver que era o regime ditatorial militar”, afirma Tomé.
“De maneira direta, maio de 68 acabou impulsionando a luta do movimento estudantil no brasil contra a ditadura militar. Os estudantes começaram a reagir de forma mais tempestiva contra o regime, e de forma encadeada o regime reagiu de forma mais autoritária e violenta”, acrescentou Leandro. O Brasil vivia o auge do regime militar ditatorial e os protestos perderam a força. O ano de 1968 foi de endurecimento do regime com o decreto do AI-5 (Ato Institucional número 5) que é considerado o mais duro golpe na democracia e que concedeu poderes imensuráveis aos militares. A partir daí o país passou a viver os conhecidos “anos de chumbo” sob o governo do militar Emílio Médici.
Por Geovana Oliveira
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira