O cientista político Alípio Sousa Filho considera que existe uma tendência de espetacularização dos acontecimentos por parte da mídia, como ocorreu com a cobertura jornalística do depoimento do ex-presidente Lula à Polícia Federal na sexta-feira (4). No entanto, ele entende que é um engano pensar que os veículos de comunicação são os articuladores principais dos fatos. “Torna-se uma estupidez (mas politicamente interessada) a acusação de que é Globo e a Veja que ‘estão por trás de tudo’ o que está acontecendo”. Para o especialista, o fato dos veículos tratarem os temas relacionados à política de forma ideológica não tem relação com uma possível invenção dos acontecimentos. “Tudo é reinterpretado e ressignificado por leitores”, explica.
Sousa entende que o alcance na Operação Lava Jato já representa uma derrota para o PT e para Lula, e representa a força das instituições, mesmo em um cenário em que o conservadorismo ganha maior espaço. “Mas também há a hipótese de escolhas alternativas num espectro mais crítico e progressista”. O pesquisador da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), doutor em Sociologia (em Sorbonne) e pós-doutor em Antropologia (pela UFRJ) não crê em um desfecho melhor para o governo da presidenta Dilma e é crítico com a visão de um “Lula-salvador”, o que faria mal para a história do Partido dos Trabalhadores. “Ele até parece que é imortal”. Confira abaixo a entrevista concedida para a Agência de Notícias UniCEUB.
Agência de Notícias UniCEUB – O que representa o depoimento do ex-presidente Lula para a atual conjuntura política?
Alípio Sousa Filho – Na atual conjuntura política, Lula ser conduzido coercitivamente pela polícia federal para prestar esclarecimentos no quadro das investigações da Lava Jato, em que pese ter sido um ato de força talvez desnecessário, representa uma derrota do PT e do próprio Lula na pretensão em apresentarem-se à sociedade brasileira como insuspeitos e intocáveis. Nas semanas anteriores ao fato de ontem, Lula deu várias declarações irônicas, contestando e desafiando o Ministério Público, a Procuradoria Geral da República, as ações da Polícia Federal e as ações dos procuradores da Lava Jato, como se ele desafiasse a tudo e a todos de qualquer investigação. Um ex-presidente da República não deveria afrontar poderes de Estado que agem conforme a lei que ele próprio, como governante, um dia foi seu executor supremo, ou deveria ter sido. Aliás, a investigação que agora o inclui é para saber justamente se ele agiu conforme leis às quais também está subordinado, como qualquer outro cidadão, ou se as desrespeitou. Por outro lado, penso que, com o ato da condução coercitiva, o MPF e a PGR pretenderam dizer o óbvio: ninguém pode ignorar à lei, ninguém pode agir como se a lei fosse apenas para outros, nunca para si mesmo.
Populismo desses órgãos? Não analiso assim. Vejo como uma demonstração de força de poderes que agem para construir, de fato, o Estado Democrático de Direito no país, permanentemente fragilizado por personagens políticas acostumadas ao Brasil do patrimonialismo, do clientelismo, da corrupção, do toma-lá-dá-cá.
Agência de Notícias UniCEUB – Qual a influência da mídia no acontecimento de hoje?
Alípio Sousa Filho – A mídia busca notícia e, atualmente, tem a tendência de espetacularizar tudo. Todos os fatos viram objeto de espetacularização e sensacionalismo. Essa é uma tendência geral em vários países. De todo modo, a espetacularização não é a invenção dos fatos. Ela é a invenção da notícia, mas não dos fatos. E, nesse sentido, sua influência não é sobre os fatos, mas sobre o modo de sua veiculação como notícia, compreensão, enquadramento. Mas, de todo modo, o papel que a mídia tem na veiculação e enquadramento, em geral ideológico, dos fatos não significa que corresponda a inventar os próprios fatos. Assim, a decisão do MPF e do Procurador Geral da República de autorizar a Polícia Federal a realizar a condução coercitiva de Lula não é algo que a mídia tenha produzido. Ela apenas noticia, interpreta conforme suas tendências, mas o fato surge fora dela.
Assim, torna-se uma estupidez (mas politicamente interessada) a acusação de que é Globo e a Veja que “estão por trás de tudo” o que está acontecendo. Depois, é um grande engano pensar que o que a mídia produz como interpretação dos fatos é inteiramente admitido por todos na sociedade. Essa é uma visão pouco crítica da recepção da notícia. Em grande medida, tudo é reinterpretado, ressignificado por leitores, telespectadores etc., não se tratando a mídia de uma máquina de lavagem cerebral com êxito total sobre a sociedade.
Agência de Notícias UniCEUB – Este fato de hoje poderá afetar as eleições deste ano?
Alípio Sousa Filho – Nesse âmbito, é impossível previsões. As eleições ainda estão distantes. De todo modo, trata-se de um fato isolado, muito restrito ao personagem Lula, que não é candidato nas eleições municipais, pelo que se sabe. O PT está desgastado, e isso pesará para seus candidatos, já há muito tempo, por diversas razões conhecidas e anteriores ao fato de ontem. O desgaste do governo Dilma, prisões de dirigentes do partido, as investigações e comprovações pela Justiça e Polícia Federal do envolvimento de integrantes do partido nos casos de corrupção envolvendo a Petrobrás, tudo isso é que pesará sobre as eleições, mas de uma maneira que nunca sabemos ao certo. E nem sempre para os melhores resultados.
O cenário atual é de uma tendência ao conservadorismo nas escolhas. Mas também há a hipótese de escolhas alternativas num espectro mais crítico e progressista.
Agência de Notícias UniCEUB – Caso o PT saia enfraquecido nas eleições municipais, eles terão força política para se manter na presidência em 2018?
Alípio Sousa Filho – Certamente, o PT não sairá fortalecido de tudo o que está acontecendo que o envolve. Se Lula for candidato, não será mais um candidato forte. E o PT não tem outro nome que possa concorrer e disputar bem. A obsessão Lula no PT e a obsessão do próprio Lula em ser o messias-salvador, que seria a única esperança do Brasil, leva a que não surjam outros líderes importantes no partido. Fez que não tenha surgido nenhuma nova figura política de envergadura nacional no partido.
Ele até parece acreditar que é imortal. O que é ruim para um partido com a história e importância do PT na história brasileira.
Agência de Notícias UniCEUB – Como o depoimento do ex-presidente Lula pode afetar o governo da presidente Dilma Rousseff?
Alípio Sousa Filho – O governo Dilma já está profundamente atingido por diversas outras razões e pela Lavo Jato em si, independente do caso da condução coercitiva de Lula ontem. Os problemas se acumularam. Todo dia, um novo fato.
O próprio PT já claramente não apoia mais o governo integralmente e incondicionalmente. Um governo que não mais atua senão para manter uma frágil governabilidade e que, para isso, deixa de realizar importantes projetos que antes eram prometidos e aguardados ou que implementa outros que são contestados até mesmo pelos setores progressistas e populares que antes o apoiavam.
Tudo leva a crer que o governo Dilma finalizará muito mal, se é que não terá seu final antecipado abruptamente.
Por Lucas Valença