Prestes a completar o primeiro ano de mandato, a prefeita da cidade de Chapada de Areia (TO), Maria de Jesus Barros Varão (a Dona Maria Mãe do Jajá, do PPS-TO), eleita com 973 votos, ainda tem, entre as dificuldades na gestão, o problema de não conseguir levar água para as torneiras na maioria das casas da pequenina cidade a 115 km de Palmas de 1.407 pessoas. Ela é a única prefeita mulher entre as 10 menores cidades do país.
Entre as nove maiores cidades com vereadoras , nenhuma mulher é chefe da administração municipal. Em São Paulo, a maior cidade do país com mais de 12 milhões de habitantes, há 10 mulheres entre os 55 vereadores. Segundo a vereadora Juliana Cardoso (PT), eleita com 34.949 votos, ela já sofreu preconceitos por ser mulher. “Desconfiança e desqualificação é uma coisa comum para nós”, reclama. Ela acrescenta que a situação é amplificada por ser de oposição, porém lembra que o machismo afeta a sociedade de forma geral.
Maria de Jesus Varão e Juliana Cardoso enfrentam a realidade de serem minoria na política. A própria vereadora foi impedida fisicamente por um policial de acessar o Plenário da Câmara Municipal durante uma ocupação de estudantes. Ela afirma que a sociedade ainda vive um pensamento de que as “mulheres são vistas apenas como mães e ‘donas de casa’”. Para ela, isso faz com que as mulheres estejam sujeitas à múltiplas jornadas de trabalho, já que a atividade doméstica fica, de certa forma, obrigada às mulheres.
Confira vídeo com testemunhas que viram agressão contra a vereadora Juliana Cardoso:
“Isso quer dizer que as mulheres são vistas como frágeis e incapazes de assumir determinadas responsabilidades ou cargos que não estejam relacionados com esse universo da vida doméstica, vistos exclusivamente como femininos”, critica Juliana Cardoso.
Transformação lenta
Na Câmara dos Vereadores, mulheres correspondem a 14,8% nos 10 maiores municípios do país e apenas 8,8% nos 10 menores. Um total de oito entre os 90 vereadores das menores cidades levantadas e 56 dos 377 vereadores das maiores são mulheres.
Segundo o cientista político Wladimir Gramacho, a democracia brasileira vive seus processos sociais de forma lenta. “O Brasil vai muito mal no ‘ranking’ de representação feminina. A democracia é recente no Brasil e o processo de abertura de incorporação de vários segmentos sociais acontece de forma muito lenta”, explica.
Para ele, um dos motivos para a baixa representatividade das mulheres na política do Brasil vem de um problema “psicológico e individual”. Segundo o professor, o tratamento de interdição das mulheres pode ser algo que elas mesmas já incorporaram devido a uma cultura preexistente no país. “As mulheres enfrentam uma sensação de baixa autoeficácia. O homem se sente mais à vontade [para atuar na política]”.
“O eleitor na hora de votar aplica os estereótipos de gênero”
Gramacho explica que, além da barreira psicológica que limita a admissão das mulheres na política, é o “crivo do eleitor”, que, guiado por estereótipos da sociedade, acredita mais na imagem do homem para governar. A construção histórica e midiática patriarcal também é, no ponto de vista do especialista, um problema para as mulheres que atuam na política do país.
A questão partidária também pode interferir na construção da política que privilegia o homem. O cientista explica que, para participar da política, precisa-se estar filiado a um partido e ter apoio. Como os partidos são, em sua maioria, dirigidos por homens, as mulheres acabam recebendo menos valorização dos seus próprios partidos, indica o especialista.
O cientista político acrescenta que, após a superação dessas barreiras, a mulher – já eleita – ainda enfrenta dificuldades para atuar em seu cargo político. “A mulher enfrenta dificuldade para exercer protagonismo político e alcançar cargos mais altos”, critica.
“Isso é uma construção histórica”, confirma. Segundo Wladimir, a cultura vigente que dá protagonismo ao homem na política foi construída em anos e, para que se obtenha maior participação da mulher na política, também seria necessário anos em um processo de mudança de valores. “O que é muito importante no momento atual é que as mulheres agendaram essa questão. Elas já estão ocupando cargos importantes e estão iniciando esse processo”, destaca.
“Cotas seriam solução temporária”
Quando questionado quanto a ideia da aplicação da cotas para mulheres no setor político, Gramacho explicou que o uso de cotas seria um “excelente incentivo para aproximar as mulheres da política”, mas também seria uma solução de curto prazo e temporária. “O ideal é fazer um processo de aprendizagem social”, acrescenta.
“Meninas no Poder”
Coletivos civis têm tentado se organizar para dar visibilidade à contradição que é a pequena representação das mulheres na política. Um dos exemplos é a plafatorma “Meninas no Poder”, da “Plan International”, que trabalha a partir da necessidade de ter mulheres com participação ativa na política e na sociedade. “As meninas são parte disso e temos que nos perceber enquanto sujeitas nesses processos”, afirma Viviana Santiago, gerente técnica de gênero do projeto.
Segundo ela, a sociedade não olha para as mulheres crianças e adolescentes como potências de transformação. Mudar essa percepção, tanto na visão das próprias mulheres como para externos, é o objetivo central do projeto “Meninas no Poder”. “A gente quer reintegrar as meninas nesse lugar de sujeitas ativas. Precisamos afirmar que vivemos em uma cidadania de participação”, enfatiza.
“Nós percebemos que muitas meninas não têm acesso à informação de que elas podem alcançar esse lugar”, critica. Vivian critica o fato de que muitas mulheres ainda têm a sensação de que não podem participar da comunidade política. Através de palestras e interações, o “Meninas no Poder” busca informar essas mulheres do seu lugar social.
Segundo a coordenadora do projeto, o conteúdo é distribuído de forma “vivencial”. A partir das histórias pessoais das participantes do projeto elas discutem e problematizam a sua colocação na sociedade. “Nós convidamos as meninas a perceberem a olhar os lugares onde elas estão e questionar isso. É reconhecendo a si mesma enquanto sujeito e potência que vamos alcançar os espaços que devemos ocupar”,afirma.
“Web ativismo”
Segundo Vivian, as plataformas virtuais são um grande ponto de influência o qual as mulheres podem usar para ocupar e se manifestar a fim garantir o espaço desejado. “Nossa plafatorma busca ter uma agenda de participação dessas meninas nas plataformas virtuais”, afirma. O projeto busca outras “ciberativistas” para incentivar mais ações nesse sentido.
Ela acrescenta que o objetivo do projeto é sempre trazer novas formas de chamar atenção do olhar das mulheres adolescentes para as temáticas da participação da mulher na sociedade e a expectativa é diminuir os estereótipos machistas que influenciam o pensamento das mulheres sobre elas mesmas.
Por Bruno Santa Rita*
Arte: Filipe Faustino e Marcos Felipe / UniCEUB Criação