Com eventual queda de Temer, juristas divergem sobre possível “mandato-tampão”

COMPARTILHE ESSA MATÉRIA

O artigo 81 da Constituição Federal prevê que em caso de impossibilidade para o cumprimento do mandato por parte do presidente da República – “ocorrendo a vacância nos últimos dois anos do período presidencial” -, o presidente da Câmara dos Deputados assume interinamente o cargo de chefe do Executivo e convoca, no prazo de 30 dias, eleições indiretas. E, apesar de definir que “os eleitos deverão completar o período de seus antecessores”, a Constituição não especifica se o candidato eleito poderá ou não concorrer à reeleição durante o pleito eleitoral de 2018.

Para o ministro Marco Aurélio Mello, do STF, ainda “não podemos podemos pensar em eleição indireta por enquanto, porque existe um presidente ocupando a cadeira”. Ele também ressaltou que o STF “por iniciativa própria, não pode tornar ninguém réu”. Como houve a denúncia, “o passo seguinte é a apreciação do Legislativo para torná-lo [Michel Temer] réu ou não”, disse o magistrado.

E apesar de não haver um entendimento específico para a questão da reeleição do candidato escolhido pelo Congresso caso a eleição indireta seja concluída, o ministro defendeu que “mandato tampão é mandato como qualquer outro, só limitado no tempo”.

Já o ex-ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, enfatizou que essa é uma discussão que “ninguém nunca travou”. “É possível que o STF entenda que não seja reeleição, porque é um processo indireto, mas vai ter uma grande discussão sobre o assunto”.

Em 2016, o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) assumiu um mandato tampão como presidente da Câmara depois de Eduardo Cunha ter sido afastado do cargo por uma decisão do STF. No início deste ano, ao concorrer à reeleição, inúmeros parlamentares reagiram e afirmaram que essa possibilidade estaria vedada pelo Regimento Interno da Casa. Entretanto, após recorrer ao Supremo, Maia conseguiu disputar a eleição e ganhou em primeiro turno.

Questionado se o caso poderia servir de exemplo para o candidato eleito pelas indiretas, Cardozo explica que “não valeria, pois são regras jurídicas diferentes” para o Executivo e o Legislativo.

Impopularidade

Diante do caos político agravado após as denúncias de Batista, uma pesquisa divulgada pelo Datafolha no último dia 24 mostra que o índice de aprovação do governo do peemedebista é de apenas 7%, enquanto o percentual de rejeição chega a 69%. Esta é a menor aprovação contabilizada nos últimos 28 anos. José Sarney (PMDB) é o único presidente que se mantém abaixo desse patamar, com 5% de aprovação medidos em setembro de 1989.

O valor é próximo ao aferido em 2015, quando Dilma Rousseff ainda ocupava o posto de presidente. Naquela época, a petista atingiu o índice de 7,7% de aprovação. No mesmo ano, durante uma palestra para empresários, em São Paulo, o então vice-presidente, Michel Temer, afirmou que acreditava ser difícil Dilma concluir o mandato presidencial.

“Ninguém vai resistir três anos e meio com esse índice [de aprovação] baixo. Se a economia melhorar, acaba voltando um índice razoável. […] Mas, se ela [Dilma Rousseff] continuar com 7% e 8% de popularidade, fica difícil”, alegou Temer.

A crise com o presidente

A divulgação do conteúdo da delação premiada de Joesley Batista, um dos donos do frigorífico JBS, à Procuradoria-Geral da República (PGR) deixou o presidente da República, Michel Temer, em situação delicada. Ele foi denunciado no dia 26 pelo Procurador-Geral Rodrigo Janot e precisa agora de apoio no Congresso para evitar que o processo siga para o STF. Se até meados de abril a preocupação do Planalto se limitava ao julgamento sobre as irregularidades atribuídas à chapa Dilma/Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), hoje a equipe de assessores do peemedebista precisa encarar cada dia como decisivo para a permanência de Temer na liderança do Executivo.

Nos áudios entregues por Joesley à PGR, uma conversa entre o empresário e o presidente chamou a atenção dos investigadores. Mesmo com declarações preocupantes feitas por Batista – entre elas negociações financeiras feitas com Eduardo Cunha para evitar que o ex-presidente da Câmara firmasse acordo de delação premiada -, Temer, ao invés de recriminar o ato, simplesmente concordou com as ações: “Ótimo, muito bom”.

Além disso, a Polícia Federal gravou o momento em que o deputado afastado Rodrigo Rocha Loures (PMDB-PR) recebeu uma mala com R$ 500 mil, em espécie. De acordo com as investigações, Loures era a pessoa escolhida pelo presidente Temer para tratar dos assuntos de interesse da JBS junto ao governo.

Com isso, diferentes cenários surgem a partir da possibilidade de interrupção do mandato presidencial de Michel Temer. O peemedebista, que assumiu o cargo em 31 de agosto de 2016, se tornou alvo de inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por corrupção passiva, associação criminosa e obstrução de Justiça. No dia 23, o relator da Operação Lava Jato no âmbito do STF enviou à PGR o inquérito para que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, apresente denúncia ou o pedido de arquivamento da investigação. Se acusado de cometer crime no exercício do mandato, a permanência de Temer no cargo pode se tornar insustentável.

Entretanto, antes mesmo de todo esse trâmite no STF ser concluído, Michel Temer pode renunciar ao cargo ou ser afastado por um processo de impeachment aberto no Legislativo, por exemplo. O mesmo processo, quando investigou atos da ex-presidente Dilma Rousseff, durou cerca de sete meses. Ou seja, caso o processo de impeachment contra Temer seja autorizado pelo Congresso, o mais provável é que o trâmite só seja iniciado depois do recesso parlamentar, em agosto.

Ainda utilizando a média de tempo do processo que destituiu Dilma do cargo, se o impeachment contra Temer se consolidasse, o peemedebista só precisa se afastar definitivamente da Presidência da República em março de 2018. Menos de um ano antes do fim do seu mandato.

Por Patrícia Cagni e Lucas Valença

 

Este obra está licenciado com uma Licença Creative Commons Atribuição-SemDerivações 4.0 Internacional.

Você tem o direito de:
Compartilhar — copiar e redistribuir o material em qualquer suporte ou formato para qualquer fim, mesmo que comercial.

Atribuição — Você deve dar o crédito apropriado, prover um link para a licença e indicar se mudanças foram feitas. Você deve fazê-lo em qualquer circunstância razoável, mas de nenhuma maneira que sugira que o licenciante apoia você ou o seu uso.

SemDerivações — Se você remixar, transformar ou criar a partir do material, você não pode distribuir o material modificado.

A Agência de Notícias é um projeto de extensão do curso de Jornalismo com atuação diária de estudantes no desenvolvimento de textos, fotografias, áudio e vídeos com a supervisão de professores dos cursos de comunicação

plugins premium WordPress