A Calixcoca é uma vacina anticocaína para tratar a dependência química em cocaína e crack. A inovação é um projeto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), iniciado em 2015, que teve resultados eficazes nos estudos pré-clínicos e, agora, para seguir para a fase de testes clínicos, aguarda investimentos.
Em entrevista à Agência de Notícias do CEUB, o médico Frederico Garcia, professor do Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e pesquisador coordenador da Calixcoca, relatou os desafios para o desenvolvimento da vacina. Entre eles a dificuldade para encontrar financiamento e, consequentemente, a perda de profissionais para o setor privado.
Professor Frederico Garcia
Imagem: Centro de Comunicação Social da Faculdade de Medicina da UFMG
“Desafios para continuar a pesquisa são vários. A dificuldade de financiamento é um deles e, por causa disso, acabamos perdendo funcionários para o mercado privado. Além disso, no Brasil, existe a falta de uma estrutura bem elaborada, boas práticas de fabricação e de laboratórios.”
O projeto vem sendo financiado pelos governos federal e estadual de Minas Gerais. Iniciativas do setor privado também têm contribuído para o orçamento e continuidade da pesquisa.
A Calixcoca foi a vencedora da fase final da segunda edição do Prêmio Euro Inovação na Saúde. A vacina da UFMG, que já havia conquistado, ao lado de outras 11 grandes iniciativas, o prêmio de 50 mil euros, foi a escolhida como destaque pela comunidade de médicos dos países da América Latina onde a Eurofarma opera para receber a premiação final de 500 mil euros (o equivalente a aproximadamente R$ 2,7 milhões).
Imagem: recorte da publicação no Instagram do perfil da Eurofarma
“Ficamos muito felizes de poder estar perto de uma comunidade científica tão engajada em trazer para a sociedade inovações que realmente possam mudar a vida das pessoas”, relatou Roberta Junqueira, diretora Comercial da Eurofarma.
O Prêmio Euro Inovação na Saúde simboliza uma grande conquista para a comunidade de pesquisadores do projeto da Calixcoca, entretanto investimentos na pesquisa ainda são necessários. Frederico Garcia estimou que seriam necessários pelo menos R$ 5 milhões em investimentos para iniciar a fase 1 dos estudos clínicos e, a partir desses resultados, pleitear recursos para os estudos de fase 2.
Em julho, o secretário de Saúde de Minas Gerais, Fábio Baccheretti, anunciou, durante visita da ministra da Saúde, Nísia Trindade, à universidade, o aporte de R$ 10 milhões na pesquisa da Calixcoca, valor este que ainda não foi destinado à pesquisa devido a questões burocráticas.
Em agosto, em uma visita a Brasília, a reitora da UFMG, Sandra Goulart, e o professor Frederico Garcia se reuniram com o ministro da Educação, Camilo Santana, em busca de apoio do governo para avançar nos estudos da vacina Calixcoca. No encontro, o ministro recomendou que o Ministério da Saúde também fosse envolvido nos acordos que podem destinar até R$ 20 milhões para o projeto de pesquisa da UFMG. “Ter uma instituição federal com esses recursos seria um centro de inovações bastante importante”, disse o professor Frederico Garcia.
Em nota, quando questionado sobre a possível aproximação com o Ministério da Educação sugerida pelo ministro Camilo Santana, o Ministério da Saúde relatou que a pesquisa poderá ser contemplada tanto em chamadas em nível nacional, como em chamada realizada em nível local, que está sendo planejada no contexto do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS), em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa de Minas Gerais e a Secretaria de Saúde do estado. Para o professor Frederico Garcia, “O PPSUS é um edital importante nesta construção que a gente tem feito para tentar manter a pesquisa em uma universidade pública”.
Deputado anuncia R$ 5 milhões em emendas para pesquisa da Calixcoca, mas UFMG esclarece que não recebeu recurso
Recentemente, o deputado federal e pré-candidato a prefeito de São Paulo, Kim Kataguiri (UNIÃO-SP), publicou, em sua conta do X (antigo Twitter), que havia disponibilizado R$ 5 milhões em emendas à UFMG para o projeto de pesquisa da Calixcoca. Contudo, através da mesma rede social, a UFMG, em resposta ao post de Kataguiri, afirmou que, até o momento, a vacina Calixcoca é financiada pelos governos federal e de Minas Gerais e por verbas de emendas liberadas por parlamentares mineiros. A instituição também anunciou a busca por apoio do governo federal para dar continuidade às pesquisas.
Imagem: recorte da publicação no X do perfil do deputado federal Kim Kataguiri
Ação da Calixcoca no organismo
O funcionamento da vacina ocorre a partir da ação da UFMG-V4N2, molécula sintetizada em laboratório. No organismo, o imunizante induz o sistema imunológico a produzir anticorpos anticocaína que se ligam à droga na corrente sanguínea. Essa ligação torna a droga uma molécula grande, o que a impede de passar pela barreira encefálica e acionar o sistema de recompensa da cocaína. Nos testes em ratas grávidas, o medicamento também apresentou resultados satisfatórios para a prevenção dos efeitos da droga nos fetos.
O professor coordenador da pesquisa, Frederico Garcia, ressaltou que a Calixcoca não pode ser vista como solução única e definitiva para a dependência química em cocaína e crack. “As pessoas não devem deixar de se tratar, a vacina é um projeto de pesquisa. Não é uma panaceia, nem varinha mágica”, alertou.
Imagem: Faculdade de Medicina da UFMG
Expectativas
A professora da Universidade de Brasília (UnB) e representante titular da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no Conselho Nacional de Política sobre Drogas (CONAD-MJ), Andrea Donatti Gallassi, relatou que o projeto de pesquisa da Calixcoca é uma proposta interessante, no entanto, “tem bastante coisa a ser pesquisada e respondida”. Segundo a professora, há questões que ainda devem ser esclarecidas na próxima fase da pesquisa, como a quem a medicação seria indicada e a duração dela no organismo.
Por Ana Clara Tominaga
Supervisão de Katrine Boaventura