Receber um diagnóstico de câncer representa, por si só, um impacto devastador. Quando essa informação vem acompanhada da possibilidade de infertilidade, o impacto psicológico se multiplica, criando o que especialistas chamam de “choque duplo”.
Para entender melhor como o tratamento pode levar a infertilidade, leia a primeira reportagem dessa série: https://agenciadenoticias.uniceub.br/saude/especialista-explica-como-salvar-a-fertilidade-durante-tratamento-para-cancer/
A psicóloga Gláucia Flores, especialista em psicologia oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA/RJ), explica que essa informação intensifica-se nas emoções de paciência
“Quando essa notícia de câncer vem junto com a possibilidade de ficar infértil, esse sofrimento se intensifica, principalmente naquelas mulheres ou casais que pretendiam ter filhos.”
Segundo ela, o momento é frequentemente vivido como um luto. Não apenas pela saúde perdida, mas também pela interrupção de sonhos e projetos de vida.
“Muitos pacientes relatam que esse momento são momentos de luto: o luto pela doença, pela perda da saúde, pela possibilidade de ter filhos. A doença e suas repercussões trazem muitos lutos que precisam ser trabalhados, elaborados.”
Entre os sentimentos mais comuns, Gláucia lista medo, tristeza, ansiedade, frustração e até culpa. “A frustração por projetos interrompidos, a culpa especialmente em relação ao parceiro, a busca por um culpado para a situação, o que eu fiz de errado?. São muitas as emoções e sentimentos nesse momento.”, esclarece Flores.
O impacto atinge diretamente a autoestima e a identidade pessoal. Questões ligadas à feminilidade e masculinidade emergem, somadas à frustração por planos interrompidos.
A psicóloga observa que até mesmo pacientes que não tinham planos imediatos de maternidade ou paternidade sentem o peso da perda:
“Alguns dizem: tudo bem, eu não queria ter filhos, mas agora eu não tenho mais nem a possibilidade de escolha. Às vezes, quando se é jovem, não se quer ter filhos, depois mudasse de ideia. Mas a possibilidade de escolha é retirada, e isso também gera sofrimento”, afirma a psicóloga.
Rede de apoio
A forma como a notícia é comunicada pelos profissionais de saúde também pode ampliar ou suavizar esse trauma.
“Profissionais sensíveis e empáticos são inesquecíveis, mesmo no momento de dor. Validar os sentimentos, usar uma linguagem clara e respeitosa, explicar alternativas possíveis e estar disponível para dúvidas é fundamental”, diz Flores.
A rede de apoio também cumpre papel central. Amigos, familiares e parceiros funcionam como sustentação emocional, prática e simbólica.
“É fundamental ter familiares, amigos. O acolhimento, a escuta sem julgamentos, o suporte emocional e o suporte prático para ajudar as pessoas fazem toda a diferença para os pacientes enfrentarem essa caminhada, essa jornada do tratamento”, acrescenta.
A psicóloga também alerta sobre a importância da ajuda psicológica também para os familiares do paciente: “A família também se sente perdida. O importante é que busquem também ajuda, da equipe que vai prestar assistência, um apoio psicológico também é muito importante. Parceiros compreensivos diminuem sentimentos de inadequação e fortalecem os vínculos. Enfim, é fundamental a rede de apoio.”
Diferenças
O impacto dessa notícia pode ser diferente para homens e mulheres.
“Mulheres elas podem sentir maior cobrança social. Impacto em sua identidade ligada à maternidade, à feminilidade. Até porque a mulher tem essa coisa associada ao cuidar, a ser mãe, ainda muito forte na nossa sociedade”, explica Gláucia.
“Os homens, na maioria das vezes, eles são mais calados, eles vivenciam a dor em silêncio, têm mais dificuldade de expressão de emoções e sentimentos. Eles têm os sentimentos também associados à perda da virilidade. Então, em ambos os casos, cultura, idade, desejo de filhos e suporte social influenciam a forma de vivenciar essa questão”, acrescenta.
Após a cura
Mesmo após a cura, a questão não desaparece. A infertilidade pode permanecer como uma marca emocional duradoura.
“São sequelas emocionais e físicas. É importante lembrar que identidade e valor pessoal não se resumem à capacidade de gerar filhos. O acompanhamento psicológico ajuda a reconstruir a autoestima e a descobrir novos projetos de vida.”
Porém, caso esse seja um sonho que é dolorido demais abrir mão. Há a possibilidade de ter filhos apesar da infertilidade causada pelo tratamento. Para saber mais leia a primeira reportagem, desta série: https://agenciadenoticias.uniceub.br/saude/especialista-explica-como-salvar-a-fertilidade-durante-tratamento-para-cancer/
Para quem está prestes a iniciar o tratamento, a recomendação de Gláucia é clara: buscar informação e apoio.
“Informações de qualidade aliviam a ansiedade. Compartilhar sentimentos com a família, com o parceiro, buscar acompanhamento psicológico. A gente sabe que lidar com a infertilidade no contexto do câncer é difícil, mas não precisa ser solitário. A informação, o acolhimento e o apoio são fundamentais para atravessar esse momento. Mesmo diante de perdas, ainda é possível reconstruir a vida, ressignificar sonhos e encontrar novos caminhos de realização.”
Por Maria Clara Britto
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira