Depois que o filho, Walter, de 4 anos de idade foi diagnosticado com leucemia, Alessandra Rodrigues, de 41 anos, passou a fazer da vida uma estrada. Ela e a família moram em Boa Vista (RR). Passou a viver em atendimento em Brasília, onde conseguiu o serviço gratuito. Como ela, outras família, incluindo mães solo sem rede de apoio, precisam percorrer o Brasil para tentar o tratamento.
De acordo com projeções do Instituto Nacional de Câncer (INCA), foram estimados 7.930 casos novos de câncer em cada ano do triênio 2023 a 2025 em crianças e adolescentes até 19 anos no Brasil. Contudo, muitas dessas crianças tiveram que deixar seus lares, devido suas cidades não possuírem o tratamento necessário para o seu caso, e começaram a busca por uma vaga em um hospital que o tivesse.
Segundo o próprio ministério da Saúde, o governo é obrigado a atuar no auxílio e apoio ao paciente caso o Serviço de Saúde público da cidade não tenha o tratamento.
“A partir do momento em que uma pessoa não consegue tratamento no estado de origem, o governo do estado é obrigado a disponibilizar apoio ao paciente, seja uma ambulância para transporte para outra cidade ou qualquer tipo de apoio”, afirmou a assessoria do órgão Federal.
Essas mães fazem parte de um projeto de produção de artesanato na Abrace, o que dá a elas renda para ajudar nas despesas de viagem.
Do Norte ao Centro-Oeste
O drama no caso de Alessandra começou depois que foi necessário chamar um especialista, que demorou cinco dias para apresentar diagnóstico. O menino tinha leucemia e não poderia ser tratado naquele hospital.
“O chão se abriu na minha frente, me desesperei ao receber a notícia. Uma psicóloga veio falar comigo, uma assistente social, todo mundo. No mesmo momento corri para dar entrada nos documentos para ir para outro hospital, não sabemos para onde eles vão nos mandar. E é lá no hospital mesmo que eles encaminham, para a onde tiver vaga, a gente iria, não sabemos se iriamos para São Paulo ou para Brasília”, disse Alessandra.
Foi encontrada uma vaga no Hospital da Criança em Brasília. Alessandra não deixou apenas sua cidade para trás, teve que deixar seus outros filhos em Roraima, com seu marido.
“Deixei meus outros filhos lá, eu tenho mais três filhas pequenas e tenho um mais velho, que tem 22 anos, ficaram com o pai. Quando eu cheguei aqui, ficava preocupada com eles que tinham ficado pra lá, com as minhas filhas. E além disso, ficava preocupada a todo tempo com o Walter que estava em tratamento”.
Walter ficou 15 dias internado no Hospital da Criança, realizando sessões de quimioterapia, e recebeu alta.
De acordo com o INCA, o câncer infanto-juvenil tem particularidades que o diferenciam do câncer do adulto. Tende a apresentar menor período de latência, costuma crescer rapidamente e torna-se bastante invasivo, porém responde melhor à quimioterapia, como o caso de Walter, que recebeu alta, contudo, segue em Brasília com sua mãe até hoje, realizando acompanhamento.
Eles moraram durante um ano e meio na casa de apoio da Associação Brasileira de Assistência às Famílias de Crianças Portadoras de Câncer e Hemopatias (Abrace), ONG de Brasília com parceria ao Hospital da Criança.

Entre Brasília e São Paulo
De acordo com o INCA, os tumores mais frequentes em crianças são as leucemias, tumores do sistema nervoso central e linfomas. E outros tumores que ocorrem em crianças são sarcomas (tumores de partes moles), nefroblastoma (tumores renais), neuroblastoma (tumores de gânglios simpáticos), retinoblastoma (tumor da retina do olho), entre outros.
Esse foi o caso de Cristiana Alves, que recebeu diagnóstico de retinoblastoma quando tinha apenas 11 meses. Ela é filha de Francisca Alves, de 33 anos, e assim como Alessandra, também teve que ser encaminhada para outro hospital.
Natural do Ceará, Francisca já morava em Brasília há um ano antes de receber o diagnóstico de sua filha, e foi no Hospital da Criança que ocorreu.
Contudo, o hospital não possuía o tratamento para retinoblastoma, e de acordo com o Ministério da Saúde, em caso de incapacidade no atendimento, a instituição, em parceria com o gestor local, deve garantir a transferência do paciente para unidade que ofereça o serviço necessário, e dessa forma, Francisca e Cristina foram encaminhadas para um hospital em São Paulo.
O Ministério da Saúde também relata que a “alta busca” por tratamento no estado de São Paulo se deve, entre muitos fatores, à alta oferta de centros especializados na unidade federada, que conta com 13 deles.
Entretanto, ao contrário de Alessandra, Francisca e Cristina não se mudaram para São Paulo, continuaram morando em Brasília, ela diz que receberam todo apoio tanto do Hospital da Criança, quanto da Abrace.
“A assistente social do Hospital da Criança me encaminhou para a Abrace, onde eu tive todo o suporte, fui bem atendida, porque é um dos momentos mais difíceis quando você recebe aquele diagnóstico, que sua filha está com câncer, e na Abrace tive o suporte de passagens para São Paulo” , afirma Francisca.
E apesar do Hospital da Criança não possuir o tratamento para retinoblastoma, Francisca afirma que recebeu apoio na questão do acompanhamento do tratamento de sua filha.
“No Hospital da Criança, eu tive todo o apoio em questão do acompanhamento, porque eu ia lá em São Paulo, voltava aqui, e fazia o acompanhamento com a oncologia do hospital”, diz Francisca.
A cada viagem para São Paulo, a mãe carregava também esperança. Hoje, Cristiana tem sete anos, e assim como Walter, respondeu bem às sessões de quimioterapia, sendo realizadas apenas três.

1223 km depois…
1223 km é a distância que separa a cidade de Barra do Bugres, no Mato Grosso, e Brasília. Vanusa de Jesus e sua filha, Oswaldina, formam mais um caso de uma família que teve que deixar seu lar devido sua cidade não possuir tratamento para sua filha.
Assim como Francisca, Vanusa e sua filha Oswaldina não moram na cidade onde é realizado o tratamento, e se deslocam com frequência entre a cidade que moram e a cidade onde é realizado o tratamento, Brasília, no Hospital da Criança.
Da mesma forma que as outras, ela recebem o auxílio das passagens e o deslocamento para o hospital, pois de acordo com o Ministério da Saúde a partir do momento em que uma pessoa não consegue tratamento no estado de origem, o governo do estado é obrigado a disponibilizar apoio ao paciente, seja uma ambulância para transporte para outra cidade ou qualquer tipo de apoio.
Oswaldina foi diagnosticada com câncer aos três anos, hoje ela tem 13 anos e está curada, apenas realiza o acompanhamento, desde o início do tratamento ela recebeu auxílio do Hospital da Criança e da Abrace no deslocamento de sua cidade para Brasília.
“Nós vamos de avião, aí o carro da saúde, nos busca, e leva para o Hospital ou para a Casa de Apoio, na nossa volta para Barra do Bugres, somos levadas até o aeroporto”, afirma Vanusa.
Avanço no tratamento
No caso dessas crianças, todas responderam bem ao tratamento e hoje em dia apenas realizam o acompanhamento no Hospital.
De acordo com o INCA, nas últimas décadas, houve muito progresso no tratamento contra o câncer, sendo que, hoje em dia, é considerado potencialmente curável.
Um importante fator para melhorar as chances de cura no Brasil é o diagnóstico precoce: contudo, muitas crianças ainda chegam ao centro de tratamento com a doença muito avançada.

Um amor “especial”
“É um amor especial”. É assim que Josefina, da Bahia, fala de seu filho, Caíque, de 15 anos, que foi diagnosticado com leucemia e problemas nas plaquetas.
De origem Baiana, Josefina descobriu a doença do seu filho quando ele tinha apenas um ano de idade. No ano seguinte, a vida de Josefina mudou mais uma vez. Seu marido faleceu.
Um levantamento do Ministério da saúde, indica, na Bahia, uma taxa de 38 mil casos de câncer por ano, entre 2023 e 2025. No entanto, apenas em Salvador e Feira de Santana o serviço público de saúde é habilitado para receber tratamentos e casos como o de Caíque.
Apesar das dificuldades, eles começaram o tratamento em Salvador. No entanto, as coisas não estavam certas. Segundo a mãe, o filho não sobreviveria em Salvador.
“Meu marido morreu quando Caíque tinha 2 anos. Começamos o tratamento em Salvador. Mas a cada dia ele vomitava mais sangue, tossia, esparrama sangue. Se eu ainda estivesse na Bahia, meu filho teria morrido.”
Josefina também conta que a UTI já recebeu Caíque diversas vezes, em situações desesperadoras.
“Ele já esteve na UTI três vezes, em estado muito grave. Não podíamos ficar mais tempo por lá, cada dia estava pior.”
Após a mudança para Brasília, Josefina diz ter melhorado muito a sua vida e a de seu filho. Ela encontrou tratamento no Hospital da Criança e um auxílio na casa de apoio Abrace.
“Desde os problemas da Bahia e a vinda aqui para Brasília, agradeço muito ao Hospital da Criança que sempre esteve disposto ao tratamento e a Abrace, que me acolheu, acolheu o Caíque e ajuda muito com tudo.”

Ida e Volta
Nascida em Tocantins e moradora de Ceilândia, no Distrito Federal, Dinamaria é mãe do Tiago, que foi diagnosticado, aos 6 anos, com Leucemia.
“Manchas roxas”… “Pernas fracas”… “Estava emagrecendo”. Isso é o que Dinamaria descreve quando começou a suspeitar de algum problema em seu filho. No entanto, o mesmo dizia não ser nada.
“Estava em casa um dia e reparei uns roxos na perna dele. Ele também já estava com as perninhas fracas e emagrecendo rapidamente. Quando perguntei, ele apenas disse que estava brincando na escola e caiu.”
Porém, tudo desabou de uma vez. Tiago, enquanto estava em casa, caiu e bateu a cabeça no chão. Dinamaria o levou ao hospital, mas inicialmente passaram apenas um remédio para verme.
Após menos de um mês, em uma viagem do menino com o pai para Tocantins, ele parou de andar.
“O pai levou ele para passar as férias no Tocantins. Quando estava lá, ele parou de andar, se aleijou, a coluna entortou. Só depois que levaram ele para Palmas que descobriram a Leucemia. Era Leucemia Linfóide aguda tipo B.”

Dinamaria tentou trazer ele para fazer tratamento no DF, mas o hospital não tinha vaga. Ele foi parar em Goiânia, mas o tratamento não foi o esperado.
“Em Goiânia o quarto era muito pequeno. Era para duas famílias. O que eu vi lá foi diferente de tudo. Me assustava. O meu problema era pequeno comparado ao que eu via.”
De volta ao DF, a família teve muitos problemas. Cama de pallet, paredes mofadas e móveis improvisados. No entanto, o principal objetivo foi concluído: tratar Tiago.
“O Hospital da Criança salvou meu filho. A estrutura é ótima, o atendimento é ótimo. Eu agradeço muito a Abrace. Acolheu meu filho e me deu todo apoio. Graças a ele o Hospital da Criança existe. E hoje meu filho está bem.”
Por Lucas Alarcão e Mateus Péres
Supervisão de Luiz Cláudio Ferreira