Doação de sangue por gays é impedida hoje na triagem; STF julga tema nesta semana

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Segundo o Hemocentro de Brasília, homossexuais que tiveram relações sexuais no intervalo de um ano não podem doar sangue, mesmo sem apresentar doenças

O Supremo Tribunal Federal deve julgar na quarta (25/10) uma prática que tem provocado polêmica em hemocentros de todo o país. O relator da matéria, ministro Luiz Edson Fachin, votou contra a prática considerada preconceituosa por grupos ativistas ligadas aos direitos humanos. A unidade de saúde no Distrito Federal também não aceita doações de sangue feitas por pessoas que se declarem homossexuais. A proibição ocorre efetivamente durante o processo de triagem, segundo informam pessoas que passaram pelo processo e também conforme admitem profissionais de saúde que trabalham no lugar.

O estudante Matheus Pereira conta que quando foi ao Hemocentro para realizar uma doação que ajudaria especificamente a mãe de uma amiga, além de outras pessoas, foi impedido devido à orientação sexual. “O que posso dizer é que me senti humilhado, me senti um lixo porque estava ali por vontade própria para ajudar a mãe de uma amiga e outras pessoas.”, afirma.

Assista abaixo vídeo sobre o tema

Recomendação da Anvisa não trata exclusivamente de proibição de doações por homossexuais

O estudante Guilherme Borges conta que já doou sangue duas vezes. Ele só conseguiu porque não revelou a orientação sexual. “Acho frescura a proibição, héteros também podem ter DST’s, alguns héteros não se previnem, fora que quem recebe a doação não sabe se aquele sangue veio de homem, mulher, gay ou lésbica, apenas quer se salvar”.

A enfermeira Celma Alves Cavalcante Nogueira concorda com a restrição, mesmo os gays não fazendo parte de um grupo de risco. “Os homossexuais não fazem parte de um grupo de risco, mas apresentam comportamentos de risco, o que os fazem ser vulneráveis à doença, por isso concordo com a proibição. ”

O médico Rodolfo Duarte, da Fundação Hemocentro, afirma que o órgão só pode fazer o que a lei determina. “Nada além disso”. Não há discriminação nesses atos, pois o local segue o que é determinado pela Anvisa (confira quadro ao lado). A regra trata sobre “experiências sexuais de risco” e não exatamente sobre homossexuais.

No site do Hemocentro ou no próprio local, não é possível identificar em quadros de restrições ou avisos informando a proibição da doação de gays. O órgão afirma que isso ocorre porque homossexuais não são citados diretamente nas notas técnicas da Anvisa. A menção é a restrição a relações de risco “incluindo a prática sexual de indivíduos do sexo masculino com outros indivíduos do mesmo sexo e/ou as parceiras sexuais destes”.

“Não sou homofóbico, mas…”

A reportagem consultou pelo menos 40 pessoas a partir de 18 anos e sem limite de idade. O levantamento aleatório mostrou que 70% destas não conheciam essa restrição e acreditavam que homossexuais pudessem doar a partir de testes como a de héteros. De todas as pessoas questionadas sobre o tema e sobre a aceitação em realizar uma transfusão de sangue com gays, caso fosse necessário um dia, 39 pessoas disseram não ter relevância a opção sexual do doador e a única real importância nesse caso seria conseguir o tipo sanguíneo necessário. Apenas uma dessas pessoas, cujo nome será preservado, foi contrária. “Não sou homofóbico, mas pensaria duas vezes antes de fazer uma transfusão com sangue de homossexual. ”, afirma. Quem recebe a doação não fica sabendo o nome do doador, o gênero ou opção sexual.

O estudante Euclides Ferreira de Carvalho Júnior afirma que tem muita vontade de doar, mas nunca chegou a tentar devido ao desconforto de receber o “não”. Para ele, homossexuais não deveriam precisar fingir ser algo que não são para fazer o bem.

Ouça entrevista do estudante

HIV

O temor do HIV (vírus, causador da Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids) maior do que de outras doenças sexualmente transmissíveis surgiu a partir dos primeiros casos da doença, que foram descobertos nos Estados Unidos, no início da década de 1980, em pacientes homossexuais masculinos provenientes de grandes cidades norte-americanas. Sem o risco da gravidez, o número de relações desprotegidas, assim como o número de parceiros sexuais, era maior nesse grupo.

Por outro lado, pouco tempo após os casos em gays, héteros também apresentaram a doença, o que torna a generalização algo errado em qualquer período, segundo admitem os profissionais de saúde.

Atualmente no Brasil, existem exames laboratoriais como o Elisa anti-HIV e os testes rápidos que detectam os anticorpos contra o HIV em um tempo inferior a 30 minutos. Os exames para detectar o vírus são realizados pelo Sistema Único de Saúde (SUS) sigilosa e gratuitamente, nos Centros de Testagem e Aconselhamento (CTA), que são unidades da rede pública. Laboratórios da rede particular também realizam esses testes. Para o ginecologista e oncologista William Cesar Bento, a não aceitação de doações por homossexuais não faz sentido. “Não há um fator biológico que faça os homossexuais serem mais propensos a pegar doenças, apenas existe o fator comportamental. Existe teste de sorologia para HIV 1 e 2, dessa forma não tem sentido a proibição, é só realizar os testes antes da coleta”. Mesmo com a realização desses testes, após a coleta do sangue pelo Hemocentro, a doação passaria por novos testes.

Campanhas

Segundo uma campanha lançada em abril desse ano pela ONG internacional All Out, em que homens homossexuais que gostariam de doar sangue e não podem aguardam em uma “fila virtual”, são mais de 215 mil doadores descartados, entre 25 e 50 anos. Eles poderiam ajudar 863.604 pessoas com um estoque de 97.155 litros de sangue.

A campanha intitulada “Wasted Blood” (Sangue desperdiçado em inglês) não acontece apenas por meio da internet. Para chamar a atenção da população para a quantidade de sangue descartado, um caminhão é enchido com bolsas cheias de líquido vermelho, que representam a quantidade exata de sangue desperdiçado todos os dias pelo Brasil. O veículo percorre a cidade de São Paulo e atrai a atenção de todos que por ele passam.

Acompanhe o vídeo:

Por Natália Pires

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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