Hospital Fantasma de Águas Lindas (GO) está em obras há 16 anos

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A estrutura abandonada do tamanho de um ginásio se destaca no perímetro urbano de Águas Lindas (GO). A cidade tem poucas construções de grande porte e essa seria uma delas, não fosse o fato de a obra estar paralisada há mais de uma década. Nos corredores, é possível ver uma pilha de cadeiras, que ficam expostas devido aos vazamentos da estrutura, que tampouco foram preenchidos. Esses vazamentos esperam por janelas, assim como os moradores de Águas Lindas esperam por uma resposta. Por que a obra segue paralisada, mesmo após tantas promessas, inauguração e repasses de verba?

Fachada do Hospital Regional de Águas Lindas. Crédito: Mateus Souza, 2021

Essa estrutura seria o hospital completo do município, que chegou a ser inaugurado, mas nunca prestou serviço à população. Com licitação datada de 2005, a obra do primeiro hospital de Águas Lindas de Goiás foi custeada por um convênio realizado entre o estado de Goiás e o município de Águas Lindas.

Na época, mesmo após a assinatura do primeiro contrato, o projeto só teve início dois anos depois, com a contratação da empresa Infracon-Construtora e Incorporadora Ltda. Segundo o relatório do Ministério Público do Goiás (MP-GO), divulgado em 2013, a obra foi iniciada sem a aprovação da Vigilância Sanitária.

Na época, o Ministério da Saúde repassou ao município o valor de R$ 15.615.818,00, conforme a licitação, e o Estado de Goiás era gerido pelo então governador Marconi Perillo (PSDB). Atualmente, com R$ 15 milhões seria possível manter 140 leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), em pleno funcionamento, por 53 dias.

Arte: equipe de reportagem, 2021

As obras do hospital fantasma seguem um padrão de paralisações e continuidades, mas jamais concluídas. O quadro permite ver essa história no decorrer do tempo. E essa reportagem vai contar como é essa evolução de obras que só acontecem em épocas de eleição na cidade.

 

Primeira paralisação

A construção foi paralisada em 2008 pelo governo federal, um ano após começarem as obras. Foi justificado no ato que o projeto e a planilha contratados eram diferentes dos que foram pactuados. Mesmo longe do fim, as despesas restantes da obra se aproximavam da totalidade dos recursos repassados ao município. Até aquela vistoria do Ministério da Saúde, tinha-se concluído 55% do projeto.


Na ocasião das medições, foram constatadas as seguintes irregularidades:

  • Serviços que constavam da planilha contratada, mas não faziam parte da planilha pactuada (os contratos não condiziam com o acordo firmado);
  • Modificação do método construtivo das fundações, acréscimos de serviços;
  • Modificação de item da planilha;
  • Recomposição de preços, e
  • Pagamento de serviço incompatível com o valor contratado e reajustamento contratual em serviços com preços recompostos (mudanças contratuais com aumento de custo).

Também foi constatado que o prazo de execução da obra não estava de acordo com o cronograma estabelecido no edital e no contrato de prestação de serviço da construtora.

Questionada em 2008 pelo Ministério Público do Goiás (MP-GO), sobre os valores, a Prefeitura de Águas Lindas informou que o orçamento inicial aprovado pelo Ministério da Saúde estava errado. Ainda segundo o executivo local, o valor estimado era baseado no Projeto Básico de Arquitetura, no entanto, o valor real da obra só poderia ser levantado quando todos os Projetos Executivos estivessem concluídos.

A prefeitura fez um levantamento, em 2009, para dar continuidade e finalizar o projeto. O valor estimado foi de R$ 34.491.404,33, quase o dobro da estimativa inicial do projeto. Diante de recursos insuficientes para execução completa, a obra continuou paralisada.

Foi registrado em auditoria realizada pelo Departamento Nacional de Auditoria do SUS (DENASUS) que, no período de 2010 a 2011, dos 15 milhões aprovados na primeira licitação para a construção do Hospital Regional de Águas Lindas, apenas o valor de R$ 7.860.238,71 fora, efetivamente, aplicado na obra. A importância de R$ 6.695.909,13, paga à Construtora, não foi aplicada na construção.

Investimentos e tempo perdidos

Para avançar, diante da insuficiência de fundos, foi solicitada ao Governo Federal nova licitação para a conclusão do projeto, a qual foi assinada pelo então governador José Roberto Arruda (que na época integrava o DEM) e pelo prefeito de Águas Lindas, Geraldo Messias (que fazia parte do PP), em abril de 2009. O convênio tinha como objetivo a compra de equipamentos, contratação de pessoal e conclusão da obra. Foram investidos pelo Governo Federal R$ 12 milhões, e o município de Águas Lindas custearia R$ 360 mil, totalizando R$ 12,3 milhões.

Cláusula Terceira do convênio

“Fortalecimento e melhoria dos serviços prestados pela Secretaria Municipal de Saúde de Águas Lindas, no sentido de propiciar o atendimento assistencial de saúde à população desse município em seu domicílio, o que resultará na diminuição de demanda de pacientes encaminhados aos hospitais do Distrito Federal”.

A promessa já dura 12 anos. Enquanto isso, a população de Águas Lindas continua obrigada a se deslocar até o Distrito Federal, distante 50 quilômetros, em busca de atendimento médico. Os dados da Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan), divulgados em 2019, mostram que 32% da população do município procura por saúde pública na capital do país.

Mesmo que tenha sido aportado mais dinheiro e realizada uma renovação de contratos, a obra continuou parada, ainda após investimentos do Governo Federal. Em maio de 2013, a perícia realizada na construção do Hospital Regional de Águas Lindas de Goiás pelo engenheiro Erson de Sousa Bastos, nomeado perito oficial pela Juíza de Águas Lindas (não foi divulgado o nome), destacou que a obra “encontra-se paralisada e com proliferação de aedes Aegypt”. O que seria a casa da saúde, se tornou casa de proliferação de doenças.

Sob nova direção

Ainda no ano de 2013, a obra, que estava sob responsabilidade do município de Águas Lindas, entrou para a pasta de saúde do Estado de Goiás, por decisão do Ministério da Saúde. Para a retomada imediata do projeto, foi firmado entre a União e o Estado de Goiás um novo convênio, no qual o Governo Federal investiu mais R$ 13,5 milhões e o Governo de Goiás, R$ 1,5 milhão. No mesmo ano, a obra foi retomada.

A construção seguiu a passos lentos, e os fatores apontados pelo MP-GO, em 2017, foram a pouca capacidade de trabalho da construtora contratada e a baixa quantidade de funcionários. Somados a isso e à falta de recurso do governo do estado, a obra foi se estendendo até o ano de 2018.

Vale lembrar que em maio de 2018, ano de eleição estadual, o então governador, Marconi Perillo, inaugurou a primeira etapa do hospital. Essa parcela da unidade hospitalar, segundo o secretário de Saúde, Leonardo Vilela, deveria ter entrado em atividade em 30 de junho de 2018, um mês após a presença do governador no local. No entanto, o hospital nunca chegou a fornecer serviços.

Segundo a nota divulgada pela prefeitura de Águas Lindas, nessa época, 85% do projeto havia sido concluído. Em entrevista, Gasparina Pereira, moradora da cidade há 28 anos e professora da rede pública há 26 anos, comenta o fato da inauguração:

“Todo ano de eleição eles usam do hospital para se promover… Eles vêm, eles fiscalizam, e a conclusão do hospital nunca acontece. Só tem jogo político. Inaugurar é fácil demais, o difícil é entregar um hospital que funcione para a população.”

Ainda no ano de 2018, a obra foi novamente paralisada, e desta vez por acúmulo de dívidas.

Hospital de Campanha

Mesmo com a obra inacabada do Hospital Regional de Águas Lindas, a cidade recebeu, em junho de 2020, o primeiro Hospital de Campanha (HCAMP) do Brasil, com 200 leitos disponíveis para tratar pacientes confirmados ou em suspeita de covid-19. A unidade foi inaugurada pelo presidente Jair Bolsonaro (Sem Partido) e teve o investimento de R$ 10 milhões de reais. As obras do HCAMP foram concluídas em 17 dias.

Na planta do Hospital Regional de Águas Lindas, que está em construção há 16 anos, consta uma unidade de alta complexidade, com 137 leitos, sendo 30 de Unidade de Terapia Intensiva (UTI), em uma área construída de 11 mil metros quadrados.

Outra unidade de saúde da cidade, o Hospital Municipal Bom Jesus, passou por reformas em julho de 2020, mas atende apenas casos urgentes. Em 10 de junho deste ano (2021), o Governo Federal autorizou a instalação de 15 leitos para covid-19 na unidade Bom Jesus, que vão atender, de forma excepcional e temporária, casos que não evoluam para um quadro clínico agravado. Os leitos temporários terão investimento mensal de R$ 215,4 mil.

Espaço para espera na área de fora do Hospital Municipal Bom Jesus. Crédito: Mateus Souza, 2020

Novos recursos

A Secretaria de Saúde do estado de Goiás divulgou, em 2019, que o Governo de Goiás quitou dívidas deixadas por gestões passadas. Em 2020, o deputado federal Vitor Hugo (PSL-GO) anunciou, em suas redes sociais, que R$ 20,6 milhões serão destinados à compra de equipamentos para o Hospital Regional de Águas Lindas.

“Depois de mais de um ano de conversas, explicações e argumentações em que conversei diretamente com o presidente Bolsonaro, com todos os ministros da Saúde que nós tivemos, com o General Ramos, que é ministro da secretaria de Governo, com o governador Ronaldo Caiado, com o secretário de Saúde de Goiás, Ismael Alexandrino, com vários secretários do Ministério da Saúde, conseguimos o empenho de mais de R$ 20 milhões para aquisição de equipamentos para o Hospital Hugo 9, lá em Águas Lindas de Goiás”, escreveu o deputado em suas redes.

Em 2021, por determinação do atual Governador do Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), a obra foi repassada à Agência Goiana de Infraestrutura e Transportes (GOINFRA), para retomada imediata da frente de serviço. A Agência vistoriou a estrutura em março deste ano, mas até o fechamento desta reportagem as obras não haviam sido iniciadas.

A reportagem entrou em contato com a prefeitura de Águas Lindas, o GOINFRA, e o Ministério Público de Goiás e até a quinta-feira, dia 1 de julho de 2021, não obteve respostas às suas perguntas.

Por Ana Paula Marques e Mateus Souza

Supervisão de Mônica Prado

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