Pela sexta vez consecutiva no topo da lista de reclamações levantada pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor , os planos de saúde acumularam 23,4% das queixas no último ano, na frente de comércio (17,8%), dos serviços financeiros de bancos (16,7%) e serviços de telefonia e comunicações em geral (15,8%). Segundo o promotor de Direitos do Consumidor Trajano Melo, um dos principais problemas identificados nas investigações do Ministério Público é a falha na comunicação entre empresa e consumidor a respeito da abrangência dos serviços. Diferenças de preço e falta de cobertura de tratamentos representam a maior parte das reclamações.
Confira abaixo entrevista do promotor Trajano Melo
A professora Marta Oliveira, 46 anos, teve que entrar na justiça contra seu plano de saúde para que fosse reembolsada de um procedimento cirúrgico que realizou. Desde criança, ela foi diagnosticada com alta miopia, que causou degeneração macular e perda da visão. O único tratamento encontrado foi em um centro cirúrgico com a aplicação de uma substância chamada Lucentis. Cada aplicação custou em torno de R$ 4,5 mil. Para tratar do problema, Marta precisava de três aplicações em cada olho, que totalizavam R$ 24 mil.
“O plano se negou a pagar, pois no rol de obrigatoriedade da ANS, meu problema não vinha incluso. Mas no rol também vem descrito como obrigatoriedade tratamentos para as pessoas que têm diabetes e as idosas”. No final, com a ajuda do sobrinho advogado, entraram na justiça e o juiz deu liminar favorável. O plano foi obrigado a pagar o tratamento com o risco de multa se descumprissem.
Já Kátia de Lima Pires, 32 anos, não precisou entrar na justiça com um processo, mas teve que reclamar à ANS sobre o plano de saúde para alcançar resultados. Sua filha nasceu com um problema cardíaco e precisava realizar uma cirurgia no coração.“O plano de saúde não tinha hospital para realizar a cirurgia aqui. Então, reclamei na ANS. Em uma semana, meu plano de saúde conseguiu uma cirurgia para minha filha em São Paulo e pagaram a passagem, hotel e tudo”.
Mas essa não foi a única vez. A filha foi contaminada com uma bactéria, que prejudicou seu coração já frágil, e precisou ser internada em um hospital para realizar outra cirurgia. Mais uma vez, o plano não autorizou e Kátia entrou em contato com a ANS. Em dois dias, conseguiu a autorização.
“Toda vez que eu tenho problema com plano de saúde, eu preciso ligar para a ANS e denunciar para eles resolverem. Porque eles [os planos de saúde] não resolvem os meus casos”.
As reclamações
“Na hora de firmar um contrato, o consumidor tem que estar atento sobre qual a área de cobertura, qual tipo de internação, que tipo de plano de saúde está sendo tratado e que tipo de plano”, explica o promotor Trajano Melo, que alerta para a falta de detalhes na hora em que a empresa vende um serviço. “O fato de você ter um plano ambulatorial não vai lhe dar direito a ter internações em hospitais, e essa é uma questão importante saber que tipo de plano”.
Um caminho que pode ser tomado pela população para reivindicar direitos é encaminhar as reclamações à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), responsável por regular os planos de saúde no Brasil. Pelo seu caráter moderador, a agência pode impor sanções administrativas às empresas. As operadoras devem resolver os problemas solicitados pelos clientes, para não serem multadas pelo órgão. O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) ajuda nesse processo ao solicitar esclarecimento das empresas envolvidas. “[A ANS] tem procedimentos próprios para tentar resolver essas demandas. É um mecanismo muito efetivo de solução. Tem muita coisa que o consumidor reclama diretamente à ANS e vê a demanda ser atendida com eficácia”.
Diferenças entre os planos
Pela legislação, os plano de saúde podem oferecer dois tipos de serviços: o individual e o coletivo. “Os planos coletivos têm um pressuposto de que as pessoas ou estão em uma associação ou são empregados de alguma determinada empresa”. No caso dos planos coletivos, quando a operadora decidir não oferecer mais o serviço para alguma associação/empresa, o cliente pode perder o direito ao atendimento (saiba mais).
“Esse é um grande problema que o sistema tem. Não há oferta dos dois tipos de planos. Hoje não são oferecidos planos individuais no Distrito Federal por serem de alto custo para as empresas, já que eles não podem ser cancelados, a não ser em caso de falta de pagamento, desistência do cliente ou morte”.
Sistemas de saúde pelo mundo
Segundo pesquisa de Eunice Nunes, “Os principais sistemas de saúde do mundo”, cada país possui uma gestão da saúde, o que interfere na oferta e adesão dos planos de saúde. Nos Estados Unidos, não há um sistema de saúde uniforme e universal. Só em 2010, foi promulgada uma lei que obriga a maioria a ter algum plano de saúde (ObamaCare). Ainda assim, 75% da população têm planos de saúde privado.
Já na Argentina, há três sistemas que coexistem: o público, o de serviços sociais e o privado. O público cobre 30% da população, a maioria de baixa renda. O de Serviços Sociais é formado por instituições que auxiliam aos trabalhadores em relação de dependência e aposentados da previdência social. O privado opera com 196 empresas.
No Brasil, o Sistema Único de Saúde (SUS) existe desde 1988. Ele oferece acesso integral, universal e gratuito a todo cidadão. Segundo o Ministério da Saúde, o SUS realiza 75% dos procedimentos de saúde. O privado atende 38 milhões de pessoas.
Na Austrália, o plano de saúde funciona por meio de uma parceria público-privada. O plano cobre o valor do hospital, restando ao paciente arcar com os custos do médico e outros procedimentos, se necessários. Residentes permanentes pagam uma taxa de de 1% a 1.5% do seu salário para cobrir o serviço de saúde público.
Na França, todos os cidadãos franceses têm direito ao Sécurite Sociále, que oferece acesso a hospitais, médicos e medicamentos com o financiamento de uma parte do salário dos trabalhadores. Cerca de 77% do sistema de saúde é financiado pelo governo.
Já na Eslováquia, toda pessoa com residência paga uma taxa obrigatória para adquirir seguro de saúde. A taxa dos desempregados, estrangeiros e os que não tem residência é paga pelo governo. Há três empresas de seguro de saúde na Eslováquia: duas privadas e uma pública. Clique abaixo na imagens para saber mais:
Ao redor do mundo

Brasileiros que moram ou já moraram fora do país percebem claramente a diferença entre as ofertas e os atendimentos dos planos de saúde. O engenheiro elétrico, Pedro Rabelo, 29 anos, viveu por dois anos no Estados Unidos e por seis meses na Alemanha. Nos dois países, os planos de saúde eram parecidos, mas ele ainda prefere o sistema brasileiro. “Plano de saúde não quer dizer bom atendimento médico. Em questão de planos de saúde básica, Brasil é melhor por conta de valor”.

Já para a estudante Thais Badini, 20, que vive há quatro anos na Eslováquia, o sistema de saúde do país compensa mais que o do Brasil, apesar de os planos para estrangeiros serem mais caros. “A maior diferença é que aqui com o plano de saúde a gente tem descontos ótimos na compra de medicamentos, tem remédios que saem por 50 centavos com o desconto”, comenta.
Moradora dos Estados Unidos há 26 anos, Jaqueline Conde, 59, utiliza um serviço de plano de saúde similar aos planos coletivos brasileiros. “Os planos são fornecidos pelas empresas e os empregados escolhem de acordo com o preço da mensalidade, de quantos dependentes têm e o que cobre. Existem planos separados para clínica, dentário, visão, etc, mas a empresa também pode oferecer esses planos juntos”, explica.
Por Larissa Lustoza, Vitor Mendonça e Gabriela Gallo
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira
Artes: Letícia Gonçalves / Agência de Criação UniCEUB
Supervisão de Aline Parada