Técnicas de musicoterapia no Hospital da Criança de Brasília revelam poder do som para a cura

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Gargalhadas tomam conta dos corredores do Hospital da Criança de Brasília (HCB). Músicas com tempos quebrados e notas nem sempre dentro do campo harmônico alegram o ambiente gélido hospitalar. Sabe a plaquinha de silêncio? Esqueça! Quem está acostumado com a sobriedade que hospitais geralmente oferecem pode se desapegar do estereótipo. É o caso de Luanna, 9 anos, uma criança nascida com Síndrome de Angelman, distúrbio genético-neurológico caracterizado por dificuldades na fala, convulsões, movimentos desconexos e sorriso frequente.

A sessão de musicoterapia ocorre em um ambiente completamente descontraído: pinturas na parede, instrumentos à disposição espalhados por toda parte e uma janela, que de fora trazia uma luz penetrante em cada gota da recém-chuva que havia caído. Sem muitas introduções, o musicoterapeuta Cláudio Vinícius, junto com a paciente e sua mãe dirigem-se ao piano da sala e lá a magia acontece. Ao entoar cantigas infantis, o musicoterapeuta conduz a criança por meio da música e estabelece variantes entre melodias, tempos musicais e até mesmo cria improvisos para gerar diversos efeitos na paciente. A criança também toca o piano e o processo ajuda a menina a conter impulsos involuntários ao se acalmar diante do chamado “vínculo sonoro-musical” estabelecido entre o paciente e o musicoterapeuta.

 

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Em 2017, a musicoterapia é a nova prática reconhecida e inclusa no Programa Nacional de Práticas Integrativas e Complementares (PNPIC) do Ministério da Saúde (MS). E não é à toa: estudos recentes realizados por um Programa de Oncobiologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) revelam que células tumorais de câncer de mama expostas à ‘Quinta Sinfonia’, de Beethoven e à composição ‘Atmosphères’, de Gyorgy Ligeti apresentaram redução de tamanho e causaram a morte de pelo menos 20% delas. O fato é curioso, já que ‘Sonata para Dois Pianos em Ré Maior’, de Mozart também foi usada no experimento e, por mais que seja amplamente usada na musicoterapia para criar o chamado “efeito-Mozart”, aumento temporário do raciocínio espaço-temporal de um indivíduo, os efeitos das ondas sonoras audíveis não provocaram nenhuma alteração nas células tumorais em cultura. No caso da musicoterapia, há relatos literários de que ‘Sonata para Dois Pianos em Ré Maior’ diminui o número de ataques epiléticos e aumenta a capacidade de memória em pacientes com Alzheimer.

Para a presidente da Associação de Musicoterapeutas do Distrito Federal (AMT-DF), Erci Kimiko, a inclusão da prática no MS reflete em maior reconhecimento por parte da sociedade diante de uma terapia até então pouco conhecida, porém ela adverte sobre a importância de se obter o diploma em nível superior de musicoterapia: “a maior divulgação que nós queremos é a de que existem cursos de formação profissional de musicoterapia reconhecidos pelo Ministério da Educação (MEC) e pela União Brasileira das Associações de Musicoterapia (Ubam) e as pessoas e os planos de saúdes ainda mal sabem que disso”.

 

O fisioterapeuta Paulo Roberto, membro da Coordenação Geral de Gestão da Atenção Básica (CGGAB) do PNPIC esclarece que, para ser musicoterapeuta, exige-se formação profissional em curso reconhecido pelo MEC e pelo Ministério do Trabalho (MTE), além de seguir as diretrizes de formação do MS. Não é citada a Ubam, como gostaria a presidente da AMT-DF. A implantação e implementação da musicoterapia no território é de autonomia do gestor local e deve atender a política de recursos humanos do estado/município.

De acordo com dados do segundo ciclo do Programa de Melhoria do Acesso e da Qualidade na Atenção Básica (PMAQ-AB), mais de 423 equipes de Saúde da Família do Sistema Único de Saúde (SUS) e 52 Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASFs) realizam musicoterapia. O MS oferece cursos que já integram o PNPIC e estão avaliando a oferta de novos cursos, entre eles está o curso introdutório em musicoterapia.

Divergência

Diferentemente do pensamento de Erci Kimiko, o musicoterapeuta Cláudio Vinícius acredita que a vocação é tão importante quanto a formação. Ele considera o talento e a aptidão que algumas pessoas têm com a música e quanto o dom pode ser desenvolvido para a cura dos outros. “Muitas pessoas são musicoterapeutas até sem fazerem curso. Já tem uma habilidade natural de usar a música em favor de um processo de cura, um processo do agregar social”, assegura.Contudo, o musicoterapeuta ressalta a importância de se estudar a especialidade para aprimorar e ampliar as técnicas e ferramentas que qualquer profissional precisa dispor para exercer com primazia a profissão. Segundo ele, “existem profissionais com vocação e existem profissionais que a desenvolvem a partir do estudo e da prática, e isso é muito favorável. Então eu considero muito bom a formação e muito bom aqueles que têm a vocação e que é um prático. Eu acho que quem estuda avança mais. Essa é uma regra! Então se une talento com formação, a gente tem a condição ideal”. Apesar da opinião de Cláudio, quem não tem formação profissional não pode integrar o SUS.

Cláudio Vinícius ainda destaca a diferença entre um músico e um musicoterapeuta: “Basicamente, o músico se preocupa com a performance. Já o musicoterapeuta está preocupado com a utilização da música como ferramenta de comunicação e integração social”, explica.

“Para as pessoas que buscam seguir uma carreira, eu posso dizer que o musicoterapeuta hoje é uma carreira de futuro”, garante Cláudio. Para ele, o reconhecimento do MS caracteriza-se como um procedimento de humanização da prática de saúde. “Há crianças que no dia do aniversário querem vir para a musicoterapia. Elas sabem que o hospital vai oferecer algo não está disponível no dia a dia dela”, lembra o musicoterapeuta.

Superação

Eduardo Rikelme (foto abaixo), 10 anos, foi atropelado e sofreu traumatismo craniano no lado direito do cérebro aos 6 anos de idade. O acidente causou a perda parcial dos movimentos do lado esquerdo do corpo. A criança vence as limitações por meio da musicoterapia no HCB. Ao tocar bateria, Rikelme trabalha a coordenação motora dos movimentos que foram afetados pelo acidente e simultaneamente cria letras e improvisações para desenvolver o intelecto.

Eduardo Rikelme faz sessões de musicoterapia quinzenalmente no HCB com Cláudio Vinícius

Já a estudante de música da Universidade de Brasília (UnB) Bianca Nascimento, de 17 anos, começou a cantar na sala de musicoterapia do hospital e depois foi cantar com a orquestra sinfônica de Brasília. Em 2015, a estudante recebeu alta da dermatite atópica que tinha, uma alergia de pele de fundo emocional provocadora de secura e coceira. Como triunfo, após cinco anos de tratamento com musicoterapia, a menina cantou diante de todo o HCB a música ‘Maria, Maria’, de Milton Nascimento com a orquestra. Muito emocionada, ela relembra como ficou comovida. “Quando a música começou, eu comecei a chorar” – ela sorri – “Tive que pedir pra parar e começar de novo”. Ao final, todos aplaudiram de pé.

Parcerias

Há muito ainda a se esperar sobre avanços que a musicoterapia tem a oferecer e o quanto ela se alia a outras práticas medicinais. A música faz parcerias, por exemplo, com áreas como a psiquiatria ao obter níveis de comunicação que muitas vezes num recurso verbal não seria possível. Já com a psicologia, a música dá capacidade de empoderamento para as pessoas quando elas descobrem que têm voz e podem se expressar.

Porém, além de tratar problemas no sistema nervoso central, a musicoterapia também facilita a fisioterapia. Quando Cláudio Vinícius toca nas sessões, ele relata: “ao passo que a criança fica entretida com o som, o fisioterapeuta faz os exercícios”.

Existem outros casos de pacientes, conforme também conta Erci Kimiko, que aliados à fisioterapia, obtiveram curas imediatas ao tratar com musicoterapia. Ela recorda o caso de uma senhora que sofria de fibromialgia, síndrome provocadora de dores nos tecidos fibroso e muscular em diferentes partes do corpo. Depois de duas semanas de tratamento, a paciente foi completamente curada. Kimiko conta que a paciente não queria deixar de fazer musicoterapia porque sentia o “vínculo sonoro-musical”. “Eles sentem isso, alguém que realmente está se importando com eles e não está fazendo algo mecanicamente”, afirma a musicoterapeuta.

O vínculo sonoro-musical, como descreve Erci Kimiko, é o vínculo de condução musical do musicoterapeuta perante o paciente por meio da sensibilidade. É uma forma de se estabelecer contato e demonstrar que o terapeuta está junto com o paciente no desenvolvimento da terapia ao dar apoio e companhia. Para Erci, sem o vínculo sonoro-musical, não há musicoterapia. “A sensibilidade conta muito para um musicoterapeuta, porque sem isso fica muito mecânico o procedimento”, destaca ela.

Da música à cura

O som é uma forma de energia vibratória; a música se manifesta a partir da combinação da harmonia, conjunto de sons que se relacionam; à melodia, sucessão de notas tocadas em sequência; e o ritmo, a noção métrica-temporal. Marcada por frequências, unidade de tempo do número de ciclos vibracionais mensuradas em Hertz, os efeitos sonoros da música são infinitos e usados para diversos fins, como o tratamento de enfermos.

A musicoterapia se baseia em princípios ancestrais, que já previam a eficácia das vibrações sonoras para a cura. Desde o período paleolítico, o shaman, guia espiritual nas primeiras tribos humanas, utilizava o som como meio de cura a partir de cantos com a maracá, instrumento formado por cabaça seca desprovida de miolo, na qual se metem pedras, caroços ou coquinhos.

O filósofo grego, Platão, acreditava que a música eleva todas as almas para o que é bom, justo e belo e deve ser para a alma o que para o corpo é a ginástica. Os mantras indianos, que em sânscrito significa “controle da mente”, são qualquer som, sílaba, palavra, frase ou texto, que detenha um poder específico. Costumam ter fundamentos religiosos e são usualmente destinados à cura dos corpos físico, mental e emocional que o ser humano detém.

De acordo com a medicina ayurveda, qualquer doença inicia-se muito antes de chegar à fase em que ela finalmente pode ser percebida. Nossas emoções provocam vibrações e reverberam pelo corpo o que foi emanado. Problemas emocionais, stress e ansiedade são algumas das causas de diversas doenças que assolam a humanidade.

Como cita Cláudio Vinícius: “Vão se passando os anos e o ser humano vai percebendo cada vez mais a capacidade que o meio ambiente tem de transformar o ser. A música faz parte do ambiente com o som, então a medicina começa a entrar em uma fase onde o invisível começa a ser estudado”, conta.

Portanto, práticas milenares que compõem a origem da musicoterapia são aliadas às práticas atuais e provam que, quando tecnologias de ponta se unem às tecnologias ancestrais, a visão para a cura de doenças torna-se apenas uma questão de vibração.

Por Gustavo Lima

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