De acordo com o Instituto Nacional de Câncer (INCA), nas últimas décadas, houve progresso no tratamento contra o câncer infantil, e hoje em dia é considerado potencialmente curável. Nos países desenvolvidos, a chance de cura está em torno de 85%, contudo, no Brasil este percentual é um pouco menor.
Para a médica Isis Maria Magalhães, de 68 anos, do Hospital da Criança, isso se deve aos avanços no tratamento, entre eles a pesquisadora cita o transplante de medula óssea, a imunoterapia e a terapia alvo.
“O transplante de medula óssea foi um grande avanço, e tem evoluído bastante. Já na última década apareceu a imunoterapia, que tem como objetivo estimular o sistema imunológico do próprio paciente a reconhecer e combater as células cancerígenas. E devido aos avanços na biologia molecular, desenvolveu outro tratamento, a terapia alvo”, afirma a médica, que é mestra em biologia molecular das leucemias pediatricas, e doutora em leucemia em pessoas com síndrome de Down.
Diagnóstico precoce
Além disso, a médica afirma que outro fator importante é o diagnóstico precoce, o qual tem suas diferenças do câncer adulto para o câncer infantojuvenil. Dentre elas, o tempo de latência é um dos principais, pois no câncer pediátrico, o tempo é pequeno, o que torna o diagnóstico precoce essencial.
“No câncer de adulto é possível rastrear o início, porque o câncer de adulto tem um tempo de latência maior, ele começa insito e vai se modificando e crescendo, então você luta para prevenir. Já no câncer pediátrico o tempo de latência é pequeno, e o precoce no câncer infantojuvenil é pegar a criança no estado clínico melhor, para ter melhores condições de começar o tratamento, porque o câncer já existe.” diz.
Tratamentos contra o câncer:
Quimioterapia
Segundo o INCA, a quimioterapia é um tratamento que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam um tumor ou se multiplicam desordenadamente. Estes medicamentos se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo, destruindo as células doentes e impedindo, também, que elas se espalhem pelo corpo.
Consiste em um medicamento que pode ser aplicado pela veia, de forma oral, pode também ser infundido dentra da espinha da coluna, de acordo com a médica, varia do tipo de tumor e do tipo de remédio, cada um possui seu tipo de ação, onde ata e suas toxicidades decorrentes disto.
Outra diferença do câncer adulto para o câncer pediátrico é a biologia de cada um deles, e de acordo com Isis Maria, o câncer infantojuvenil tem melhor resposta à quimioterapia devido a isto.
“O câncer pediátrico tem uma biologia diferente do adulto porque ele é composto por células embrionárias, células que se dividem mais, assim o câncer aparece e rapidamente se dissemina no organismo. Contudo, mesmo com um desenvolvimento tão rápido ele é mais sensível à quimioterapia, que são medicamentos que entram exatamente em várias etapas da divisão celular” afirma.
De acordo com a especialista, a quimioterapia é o principal tratamento contra o câncer, contudo, ela também diz que a quimioterapia acaba surtindo certos efeitos colaterais, por também atuar na divisão celular de células normais.
“As drogas da quimioterapia mexem na divisão celular, então ela também acaba alterando as células normais que estão em divisão. Células do nosso organismo que mais se dividem, por exemplo o cabelo, por isso que quando é feito o tratamento de quimioterapia se perde os cabelos, ela também infere na mucosa e no trato gastrointestinal por exemplo”, diz a médica do hospital da criança.
É possível notar que a quimioterapia possui diferentes ações em diferentes tipos de tumores, que podem causar efeitos colaterais decorrentes disto, principalmente tumores que se dividem rapidamente.
“Existem tumores que se dividem muito rápido, como o linfoma de burkitt, quando você começa a quimioterapia as células se rompem. Muitas de uma vez porque eles são muito sensíveis assim se tem uma síndrome que se chama de Lise, que significa a quebra né destruição da célula lise tumoral e aquilo dá um distúrbio eletrolítico, insuficiência renal na criança então é preciso colocar a criança em diálise ao mesmo tempo do tratamento”, afirma.
Apesar de ser o principal tratamento contra o câncer, não é tão raro que a criança não responda bem à quimioterapia, é notado que varia do tipo de tumor que ela possui.
“Depende do tumor, e depende do subtítulo da leucemia,o paciente pode recair, mesmo que possua todo o prognóstico, ele pode recair porque alguma célula daquelas se modificou ainda mais e criou a resistência à quimioterapia.” afirma Isis.
O INCA afirma que o paciente que está no tratamento de quimioterapia pode manter as atividades normais, se resguardando de lugares abafados, fechados, aglomerações e contato com pessoas que estejam com algum tipo de infecção contagiosa.
Contudo, a médica diz às famílias que, em caso de febre, mesmo que pequena, a criança deve ir imediatamente ao hospital, e em menos de uma hora tem que estar com antibiótico na veia.
Transplante de medula óssea
De acordo com o Instituto Nacional de Câncer, o transplante de medula óssea é um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como as leucemias e os linfomas e consiste na substituição de uma medula óssea doente ou deficitária por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma medula saudável.
O INCA também afirma que o transplante de medula pode ser autogênico, quando a medula vem do próprio paciente ou alogênico, quando a medula vem de um doador.
A profissional do Hospital da Criança afirma que o tratamento com o transplante de medula se faz necessário em crianças que possuem alguma célula cancerosa resistente contra a quimioterapia.
“Você vai ter que fazer uma quimioterapia super intensiva para poder destruir essa célula cancerosa resistente mas se eu fizesse isso sem dar o transplante, destruiria a célula matriz da medula óssea , a semente de fazer sangue, e aí o paciente iria a óbito porque não se recuperaria nunca daquilo”, afirma.
O INCA retrata que o processo do transplante tem início com testes específicos de compatibilidade, onde são analisadas amostras do sangue do receptor e do doador, buscando a melhor compatibilidade possível a fim de evitar processos de rejeição da medula pelo receptor, bem como outras complicações como a agressão de células do doador contra órgãos do receptor.
Feito isso, o doador é submetido a um procedimento feito em centro cirúrgico, sob anestesia, e tem duração de aproximadamente duas horas. São realizadas múltiplas punções, com agulhas, nos ossos posteriores da bacia e é aspirada a medula. Esta retirada não causa qualquer comprometimento à saúde.
Enfim chega o momento do paciente receber o transplante, ele é submetido a um tratamento que ataca as células doentes e destrói a própria medula. Então, ele recebe a medula sadia como se fosse uma transfusão de sangue. Uma vez na corrente sanguínea, as células da nova medula circulam e vão se alojar na medula óssea, onde se desenvolvem.
Imunoterapia
De acordo com a pesquisadora, a imunoterapia é uma novidade que apareceu na última década, e consiste em estimular o sistema imunológico do próprio paciente a reconhecer e combater as células cancerígenas.
“A imunoterapia pega a célula linfócito de defesa normal do paciente, e se junta à célula do paciente e também possui um outro receptor que se junta na célula cancerosa e faz que essa célula ache a célula cancerosa, e a próprio célula imune do paciente boa, vai e destrói a célula cancerosa”. afirma.
A médica do Hospital da Criança, retrata que a possibilidade do uso da imunoterapia deu chances reais para pacientes que recaem com os outros tratamentos.
Terapia alvo
A cientista do hospital afirma que devido aos avanços na biologia molecular, hoje se entende os tipos de variações dos tumores, e está se descobrindo um medicamento que haja no alvo molecular com o defeito específico de cada um.
“A terapia alvo é uma coisa fantástica, porque ela vai atacar aquela célula com aquele defeito e não destruirá as saudáveis como a quimioterapia, é a grande evolução que nós estamos vivendo neste momento é essa transição. Então alguns protocolos agora usam pouco de terapia alvo e ainda a quimioterapia,mas o futuro é realmente a genética e a imunologia e a biologia molecular”, afirma.
Radioterapia
Segundo o INCA, a radioterapia é um tratamento no qual se utilizam radiações ionizantes (raios-x, por exemplo), que são um tipo de energia para destruir as células do tumor ou impedir que elas se multipliquem. Essas radiações não são vistas durante a aplicação e o paciente não sente nada durante a aplicação.
Contudo, de acordo com Isis Maria, no tratamento do câncer infantil se utiliza o menos possível a radioterapia, pois pode afetar o crescimento da criança .
Acompanhamento
Hoje em dia, se tem muitas crianças já curadas contra o câncer e realizam apenas o acompanhamento, mas o que é realizado neste acompanhamento?
A médica diz que após o término do tratamento proposto, ainda é possível que apareçam células do tumor, que podem fazer a criança recair.
“Existe a chance de aparecer essas celulazinhas ainda do tumor que ficam ali escondidas, então elas tão quiescente não tão dividindo, mas elas podem se transformar e elas começam a se dividir aí ocorre uma recaída às vezes a recaída é igualzinho o tumor que existia, mas elas ficaram resistentes. Às vezes ela pode se transformar, e aí vem um tumor com outras características”..
Ela também diz que outro cuidado importante no acompanhamento é para se analisar os efeitos tóxicos da quimioterapia após o fim do tratamento.
“Um exemplo destes efeitos tóxicos é a cardiotoxicidade, tem um dos medicamentos que eles causam às vezes uma toxicidade no coração que fica por muitos anos, então a gente tem que monitorar isso também. Além disso, temos que monitorar o crescimento, pois pode afetar o crescimento da criança, temos que monitorar a parte endócrina” afirma.
O acompanhamento se mostra necessário, pois a criança pode sofrer recaídas entre um período de cinco anos após o tratamento.
“Em geral no câncer infantojuvenil, as recaídas acontecem nos primeiros cinco anos depois de cinco é muito raro, não tô dizendo que não acontece, pode acontecer em alguns tipos, mas em geral é nesses primeiros cinco anos que as coisas podem acontecer.”
Além disso, a médica diz que é incentivado as crianças terem práticas de vida saudáveis, longe do fumo, longe de drogas para também não ficar predisposto a outros cânceres. Ela diz que mesmo que a criança tenha câncer na infância, ela não fica predisposta a contrair quando for adulta, fica como qualquer outra pessoa.
Evolução do tratamento contra o câncer
De acordo com ela, foi com a leucemia linfoide aguda , que é o câncer mais frequente em crianças, que surgiram os primeiros tratamentos contra o câncer, na década de 50 e 60. Ela diz que médicos que eram também pesquisadores começaram a testar alguns medicamentos e começaram a usar medicamentos antimetabólicos, medicamentos que atrapalhavam o metabolismo da célula. E uma delas é usada até hoje que é o metotrexato, e eles começaram a interferir no metabolismo da célula e a célula maligna morria.
“Assim começaram as primeiras possibilidades de algum controle dessa doença porque ela era considerada uma doença irremediavelmente fatal, de sobrevida de um mês ou dois e somente”.
A partir daí a doutora retrata o início da era dos milagres na qual começou-se a usar esses antimetabólicos, o metotrexato, e assim foram saindo algumas drogas e eles começaram a pensar em unir vários tipos de medicamentos em tempos diferentes cada um agindo de um jeito e aí começou a possibilidade de cura.
Nos dias atuais, com toda a evolução do tratamento, a leucemia linfoide aguda, que hoje é o câncer mais frequente, pode se obter até 80% de cura.
“Na leucemia linfoide aguda, dependendo do subtipo consegue 80 % de cura mesmo, inacreditável a gente pensar que aquilo que algumas décadas atrás era nada hoje em dia chega a 80% de cura”, afirma.
Dificuldades no tratamento contra o câncer pediátrico
Segundo a médica, receber o diagnóstico do câncer um diagnóstico de câncer é a parte mais complicada para as famílias.
“Não é a história natural, você imaginar que seu filho, que é a sua continuidade está em risco de vida, para a família é um grande impacto, a gente aceita que um dia eu vamos perder o pai ou perder a mãe mas aí se vê a história natural da vida. É terrível essa parte é terrível e as família sofrem muito, que saem da sua região e vem pra cá”, diz.
Além disso, outro momento delicado para os pacientes e sua família, é quando acontece a recaída.
“Outra fase difícil é quando acontece recaída é muito sofrido pra nós e pra família, quando você passa aquela etapa toda você, já conseguiu demissão e acontece uma recaída e tem que começar de novo com o prognóstico ainda mais sombrio então é essa parte é bastante difícil”, afirma.
Por Lucas Alarcão
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira