Imagine que um resfriado te atingiu de última hora. Ou que ao tentar arrumar uma lâmpada em casa, foi descer a escada e torceu o pé. Mas que por traumas de atendimentos passados, você prefere não ir à um hospital. Essa é a realidade de pessoas trans no Brasil.
Um ambiente que se propõe livre de preconceitos, que vai atender a especialidades voltadas para a transição de gênero e a reinserção no sistema de saúde pública é uma das promessas do novo Ambulatório Trans, inaugurado na última segunda-feira, 14, na 508 sul. Atendimentos passam a ser realizados a partir da próxima segunda (21/8). É necessário comparecer ao local para tentar uma consulta já que o telefone do Hospital Dia (onde fica o ambulatório) está cortado, como em toda rede pública de saúde. A reportagem não conseguiu explicações oficiais sobre o problema.
A hipótese apresentada acima foi inspirada na história do estudante Saulo Oliveira, 22 anos, que aponta a falta de preparo de hospitais como uma das causas da marginalização da saúde de pessoas trans, “você chega em um hospital e as pessoas não sabem lidar com você, não sabem nem como te chamar. Te tratam mal e acham que por estarmos dentro de um grupo de risco, fomos lá tratar de DST”.
Para Saulo, que é um homem trans, a inauguração do ambulatório é uma vitória para a comunidade. “O ambulatório vai ser a porta de entrada para pessoas trans voltarem o SUS, em tese todo mundo já tem, mas por conta do preconceito as pessoas não utilizam”, afirma o estudante.
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Apesar da felicidade, Lua Stabile, 25, vê a criação do ambulatório como um desafio. Para ela, a vitória da conquista só vai se completa quando o local entrar em funcionamento. “Quando as pessoas fizerem seus exames e receberem auxílio para medicamentos e hormônios poderemos falar que vencemos”.
Lua é travesti, participa da União Libertária de Travestis (ULTRA), e caracteriza a inauguração do local como uma consolidação de uma antiga luta travada entre o movimento trans e travesti com o governo de Brasília. “Uma pessoa trans já sofre preconceito na portaria, e se não é na portaria, é com os funcionários do local que não aceitam o nome social ou seu gênero”, afirma Lua.
Hoje, a comunidade trans consegue suporte psicossocial no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). O diferencial do ambulatório trans é o suporte médico que será oferecido a partir da próxima segunda-feira, 21, onde pessoas trans e travestis poderão agendar consultas com médicos especializados, principalmente para questões relacionadas à transição de gênero.
Sereia na porta
A entrada do Ambulatório Trans foi estampada pelo TransCrew Graffiti, um grupo de arte formado principalmente por pessoas trans. A estética do fundo do mar não foi escolhida por acaso. O ponto de partida para o rascunho foi a subliminaridade dos “seres” representados nele. A sereia representa a transformação da mulher trans; o cavalo marinho, a fertilidade do homem trans; e a ostra mostra a importância do Sistema Único de Saúde no apoio à pessoas trans.
Confira mais sobre o mural com dois participantes do TransCrew: Wanda Marques, 26, e Christopher Souza, 22:
O coletivo surgiu a partir de um encontro feito em uma oficina de grafite, liderada pelo grafiteiro Ozi, em janeiro deste ano.O mural é o terceiro trabalho do grupo, e consiste em um espaço de em média seis metros de altura por 37 metros de comprimento. O grupo tem apoio da grafiteira Brixx Furtado, 30, que auxilia nas técnicas de pintura.
Por Beatriz Castilho
Com colaboração de Gabriel Lima