Em Planaltina (DF), região administrativa de Brasília, mora o casal Mackenzo, de 26 anos, e Felipe Manzoli, de 28. Os fundadores da marca Sacramound demonstraram uma abordagem audaciosa ao introduzir uma proposta do mundo da moda na capital com o apoio do Fundo de Apoio à Cultura (Fac).
O ponto que eles destacam é que “muitos não têm acesso à moda aqui em Brasília.” Entretanto, ainda persiste uma visão reducionista do verdadeiro significado e das dimensões que esse nicho engloba. É preciso compreender que o termo transcende o consumo de roupas caras e o luxo internacional.
Foto: Divulgação Sacramound. Mackenzo e Felipe Manzoli.
Exposições
Como os próprios estilistas destacam, pensar na capital não é o mesmo que pensar em cultura. Se esta ainda não ocupa o centro do debate, a moda, sendo um nicho ainda mais específico, raramente é sequer mencionada. Aos poucos, ações e projetos governamentais vêm, também por questões geracionais, tentando suprir a carência fashion brasiliense.
O Metrópoles Fashion & Design, em sua terceira edição, se instalou no primeiro andar do Museu Nacional da República. Idealizado por Ilca Estevão, a proposta foi ao encontro da ideia de expor, como em um museu, literalmente, tudo aquilo que estava sendo apresentado.
Foto: Giulia Moura. Exposição MFDF 2025.
Foi nesse mesmo evento que o público pôde ver ao vivo, pela primeira vez, as peças desenvolvidas por Felipe e Mackenzo.
No INTERFASHION Brasília de 2025, “movimento que nasceu para resgatar a autoestima do setor fashion e varejista da capital”, ocorreu, no dia 23 de agosto, às 18h, o primeiro desfile completo da marca Sacramound com os três atos apresentados em sequência.
Foto: Divulgação. Ato 1, ato 2 e ato 3 do desfile.
Os designers contam que o evento “colocou a moda brasiliense em visibilidade”. O tema deste ano foi “simbiose entre a arte e a moda.”
O Senac, Fecomércio e Sesc ofereceram diversas oficinas, na carreta de beleza e moda, de branding, costura criativa e técnicas de upcycling, que incentivaram o fomento da moda durante os dias 21 a 24 de agosto.
Foto: Giulia Moura. Carreta de oficina.
Quando sistemas como o Sistema S e projetos governamentais como o FAC se preocupam em dar voz especificamente à moda, revelam que há grande valor cultural e criativo agregado a esse setor. Um valor com potencial tangível de transformação. Afinal, a cultura também é parte do bem-estar social. E a moda é uma das culturas mais emblemáticas.
Coleção
Em meio a vidrilhos, artesanato, pérolas e metros de tecido branco, Mackenzo e Felipe materializaram, do croqui à peça finalizada, a coleção Portais da Eternidade – Ato 1. Composta por cinco produções – Ponte JK, Asa Sul e Asa Norte, Museu Nacional da República, Catedral e Igrejinha – reúnem a arquitetura de Oscar Niemeyer e Lúcio Costa na construção dos monumentos emblemáticos da capital com a tridimensionalidade do corpo humano.
O questionamento a ser aprofundado e entendido é o motivo pelo qual, dentre todos os lugares do Brasil, os estilistas escolheram a capital.
Ponte JK (Lua Carvalho), Igrejinha (Malu Melgaço), Asa Sul e Asa Norte (Juliana Oliveira), Catedral (Joquebede Beatriz) e Museu Nacional (Luana Melo). Fotos: Divulgação.
Por ser conhecida como a cidade da política e dos concursados, sua cultura acaba ficando em segundo plano. É um contraste que não faz jus à grandiosidade de sua construção, idealizada por Juscelino Kubitschek, desenhada por Oscar Niemeyer, urbanizada por Lúcio Costa e erguida pelos candangos.
“Arquitetura e moda, ambas são engenharias. Somos filhos, netos e bisnetos das pessoas que morreram à margem da construção de Brasília. É uma forma de homenageá-los.”
Legado Niemeyer
“Essa coleção mostra como o legado de Niemeyer segue vivo. Como bisneto de Niemeyer, me sinto orgulhoso de ver sua obra sendo perpetuada de forma tão sensível e inovadora.” – Paul Niemeyer
O comentário feito por Paul Niemeyer, bisneto de Oscar Niemeyer, concretiza o sentimento que os estilistas brasilienses buscaram passar: “orgulho”, como assim eles disseram.
Oscar Niemeyer é mundialmente conhecido por sua arquitetura de “curvas livres e sensuais.” Lúcio Costa, urbanista responsável por planejar o Plano Piloto, focou em uma abordagem organizada e funcional. Ambos deixaram um legado eterno, principalmente em Brasília. Na costura de tecido, a Sacramound atingiu tanto as curvas à la Niemeyer quanto a organização de Costa.
Dos monumentos retratados nas roupas da coleção Portais da Eternidade – Ato 1, Niemeyer e Lúcio Costa ficaram responsáveis pelo desenvolvimento de quatro deles ao todo: Asa Sul e Asa Norte, Catedral, Igreja Nossa Senhora de Fátima, conhecida como Igrejinha, e o Museu Nacional da República.
O quinto modelo, a Ponte JK, pensada pelo arquiteto Alexandre Chan, no entanto, não deixa de representar Brasília em sua estética.
“Costura é ato político”
FOTO ALZIRA
Esse é o legado que Alzira Andrade, 68 anos, carrega consigo. “Costumo dizer que tenho a profissão mais antiga do mundo, sou costureira”, diz em um tom descontraído.
Ao analisar a coleção, destaca que “Felipe e Mackenzo trouxeram uma visão crítica sobre o que é a moda (…) É sobre toda nossa herança que representa Niemeyer.” Pelo olhar dela, as roupas por si só são um projeto arquitetônico, devido ao encontro do relevo das curvas e do movimento do corpo.
Alzira é a responsável pela implementação do projeto do polo de moda na Instituição Niemeyer. Atualmente, busca uma vertente que evidencie que o Brasil possui todos os materiais e talentos necessários para um trabalho de alta moda. A costureira apresentou uma perspectiva de que a costura e o artesanato são heranças do povo brasileiro. Além disso, cita que Niemeyer quebra as linhas retas e entrega movimento à arquitetura. “O homem era o protagonismo”. Em sua opinião, “a coleção traz a essência do humano. O costureiro e o designer que homenageiam o arquiteto da arquitetura humana (…) nosso arquiteto maior era um ativista em suas obras”.
“A moda exerce um papel de resgatar a nossa mão de obra. Temos um talento nato graças à miscigenação”, enfatizou.
FAC
O FAC, criado em 1991, é o principal meio de fomento às atividades artísticas e culturais da Secretaria de Cultura do DF. O ponto principal é fornecer apoio financeiro aos projetos que são selecionados através de editais públicos. A democratização do acesso aos recursos culturais para artistas e agentes de diversas regiões administrativas é o objetivo final.
“Só estamos tendo acesso a esse tipo de material e a produzir esse conteúdo graças ao FAC. Senão, não teríamos a oportunidade de fazer isso agora”, contam os estilistas de Planaltina.


