Conic: do crack ao trabalho voluntário

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Francisco lembra de quando o crack chegou a Brasília, em 2004, e confirma que o Conic é o ponto de maior concentração da droga no Plano Piloto. “O crack apareceu pela primeira vez na Vila Planalto, era novidade e ninguém tinha. Ele tem alto poder destrutivo e viciante em um espaço pequeno de tempo, e ele entrou na minha vida”, disse. O homem ressaltou que antes de 2004 a droga prevalecia nas periferias de Brasília, e no Plano Piloto não se encontrava fácil pessoas usando drogas pesadas, e no julgamento de Francisco o crack quebrou isso. “Hoje existem bocas de fumo e ponto de vendas de drogas embaixo dos blocos residenciais de Brasília, no Conic, na W3, nos setores comerciais e bancário, os traficantes estão em dezenas de pontos da capital federal”. Ele explica que o comércio de drogas funciona 24h e sempre tem clientes procurando. “Tem gente querendo drogas todos os dias do mês, de janeiro a janeiro. As mercadorias não têm prazo de validade. Acaba sendo uma forma fácil de ganhar dinheiro”.

Se endividar com traficantes e ser ameaçado de morte. Entre outras, essas foram as principais razões que o fizeram fugir de Brasília e morar alguns anos em Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. “Eu estava como um andarilho, perdido e sem rumo, só pensava em consumir drogas e sobreviver. A situação era muito sofrida, pra mim não fazia diferença estar vivo ou morto. Foi quando eu decidi voltar pra Brasília, com o pensamento de que se um traficante me matasse, não faria diferença alguma”. De volta à cidade natal, o homem reencontrou a mãe e os irmãos, o que o fez se sensibilizar e querer sair das drogas. Francisco se recuperou de vez quando foi acolhido pela casa de recuperação que trabalha hoje, chamada CERV – Centro Espírita de Recuperação de Vidas, localizada em Águas Lindas, a aproximadamente 30 km do centro de Brasília.

Após recuperado, o homem se sentiu na obrigação de retribuir a Deus e ao CERV sua renovação. Hoje, Francisco volta ao Conic e suas redondezas em outro contexto, cumprindo uma missão. “Eu sou coordenador no CERV atualmente, uso a minha história de vida para mostrar para outras pessoas que elas podem se recuperar. Um dia alguém me abordou e me apresentou essa casa de recuperação, e hoje eu faço isso com outras pessoas. Vou até eles e apresento uma solução para esse mundo de destruição que é viver nas drogas”.  O rapaz explica que as clínicas de reabilitação e casas de recuperação são as melhores saídas para a diminuição de usuários de drogas em Brasília. “A polícia muitas vezes fecha os olhos porque vai gastar tempo e gasolina levando usuários para a delegacia e ele ser solto em seguida, infelizmente ela não consegue resolver esse problema, desanima abordar um drogado sabendo que vai ser em vão. Eu sei que a polícia não consegue resolver isso”, lamenta.

Noites frias vagando pelas ruas, tráfico, crimes, solidão, consumo de todos os tipos de drogas, e coração vazio. Isso resume o que Francisco Oliveira viveu entre os 10 e os 17 anos de idade. Hoje, com 34, é casado e tem dois filhos. O homem sorridente esbanja orgulho da vida que leva atualmente, tão contrastante com a época que ele viveu nas ruas. O Conic e suas redondezas foi local de moradia do rapaz por anos, e atualmente ele visita a área como parte de seu trabalho voluntário, convidando drogados e moradores de rua a se recuperarem na instituição filantrópica que acolheu Francisco na pior fase de sua vida.

Nascido e criado em Brasília, o rapaz passou a infância vendo seu pai desestruturar a família por consequência do alcoolismo. Ele e os cinco irmãos presenciavam a mãe apanhar com frequência e ser traída descaradamente. “Minha mãe não aguentou nos ver crescendo naquele ambiente e resolveu se separar. Ela precisava trabalhar e acabou deixando os filhos muito soltos, sem conseguir protegê-los dos males que existiam em Taguatinga, onde morávamos na época”. Ele diz que lembra do primeiro cigarro que fumou aos 9 anos por curiosidade, e assume que foi a porta de entrada para várias outras drogas, como o loló e a maconha. Aos 14, ele já usava cocaína e merla. “Nessa época, os traficantes já me usavam para vender drogas, porque crianças não chamam atenção da polícia”.

Francisco entrou em uma vida de destruição e declínio, foi preso três vezes por roubo e não media esforços pra consumir droga. “Eu roubava o que conseguia, às vezes eu via um sapato da minha irmã e pensava: a esposa do traficante vai gostar desse tamanco, e trocava por drogas. Essa é a natureza do viciado”. Foi expulso de casa e começou a morar nas ruas, quando frequentou a área central de Brasília como usuário e traficante de drogas. “Eu dormi embaixo do viaduto vizinho ao Conic muitas vezes, e circulei por essa área em muitos dias e noites vazios. Era sofrido, às vezes eu me via sozinho deitado numa calçada, com frio, e me perguntava: será que eu vou morrer assim, sem mudar de vida? Eu desejava um dia ser feliz de fato”. Francisco explicou que a área é um prato cheio para os usuários que roubam para trocar bens por drogas. “Essa área tem muitas pessoas circulando com objetos de valor durante o dia inteiro, o que torna a vida de quem rouba mais fácil. Apesar disso, grandes traficantes não ficam por aqui, é um lugar cheio de câmeras e policiais, enquanto nas cidades satélites a PM passa uma vez a cada três dias”. Segundo o rapaz, o lugar é foco apenas de usuários, que podem até ser presos pela polícia mas logo são libertados e voltam para o mesmo local, só traficantes precisam cumprir pena. E ele acrescentou: “cadeia não tira ninguém das drogas, lá dentro eles consomem da mesma forma, e saem muito piores e revoltados”.

O CERV é uma instituição filantrópica, todos que trabalham na casa são voluntários e eles se mantém de doações. De acordo com Francisco, eles não contam com a ajuda de profissionais como psicólogos, psiquiatras e médicos. “Se alguém chegar doente lá, precisamos levar para o posto de saúde, não contamos com a ajuda de um enfermeiro sequer”, disse. Além disso a comida muitas vezes não é farta e diversificada, e a estrutura não é luxuosa. “Já vi muita gente ir embora da casa porque só tinha arroz, angu, chuchu e feijão para comer, e na rua os moradores pedem sobras em restaurantes depois da hora do almoço e comem super bem, aí chegam em casas de recuperação e vêem que não tem tanto conforto e desistem da recuperação”, ele diz que quando isso acontece é uma grande decepção para os voluntários. “Os que se recuperam, fazem isso na raça. Eles renascem porque querem de verdade. Por isso sempre ressalto: Para as pessoas que acham que não tem saída, sempre tem. Nunca é o fim, sempre tem solução, basta acreditar”

Por Beatriz Gurgel

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