Destinos redesenhados: Impactos, luta e o caminho de mulheres que venceram o câncer

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“Pensei na morte”… “Por que eu?”… “Abriu meu chão”… “Foi um choque”… Estes foram alguns dos pensamentos de pacientes oncológicos assim que receberam o diagnóstico. Câncer…palavra que machuca, que carrega com ela tanta dor.  

Bárbara Alencar durante a quimioterapia, junto da sua mãe, Rosa Carvalho – Foto: Arquivo pessoal

Como Chico Buarque escreveu na música “Roda Viva”: “A gente quer ter voz ativa/ No nosso destino mandar/ Mas eis que chega a roda-viva/ E carrega o destino pra lá”. O câncer, em seu primeiro momento, é como essa Roda Viva, ele carrega o destino, carrega sonhos para lá. Você se vê perdido. Abatido. Sem saber o que pensar ou o que fazer. 

Receber o diagnóstico de câncer é um dos momentos mais difíceis que uma pessoa pode passar na sua vida. Um momento cheio de dúvidas e incertezas. “Abriu um abismo na minha frente, não elaborei nada”. Foi assim que Camila Oliveira reagiu ao ser diagnosticada com câncer colorretal com metástase no fígado, em 2020. 

“O diagnóstico abriu o meu chão. Inicialmente pensei: por que eu? Foi um choque. Mas depois que conversei com o meu médico fiquei melhor”, relatou Ana Karine Nogueira, diagnosticada com câncer de intestino – reto, em março de 2023. 

 Ana Karine na sua terceira internação. Ela estava tratando de uma infecção depois da retirada da colostomia – Foto: Arquivo pessoal

“Foi tudo tão rápido que eu não conseguia assimilar o que estava acontecendo. Mas o que me veio à cabeça a princípio é que eu não ia ter mais vida, que não ia conseguir superar, porque meu câncer já estava bem avançado”, disse Alciane Maria da Silva, diagnosticada com câncer de intestino, em 2000, e leucemia, em 2022. 

“A primeira coisa foi susto e eu senti revolta. Revolta assim de: porque isso tá acontecendo comigo?”, disse Bárbara Alencar, diagnosticada com câncer de mama triplo negativo, em 3 dezembro de 2022, no aniversário de seu pai, “que é o homem mais importante da minha vida”, descreve. 

Bárbara estava sozinha quando apareceu a palavra câncer pela primeira vez. “Eu lembro que eu entrei no carro e eu chorei muito… muito… muito… muito…”, relata. 

“Eu tive um susto muito grande. Não tinha nada que justificasse eu estar com câncer. Eu era uma pessoa ativa, tinha uma alimentação saudável, não fumava. Eu bebia socialmente, de vez em quando. Eu não tinha histórico familiar”, relata Bárbara Alencar. A mãe de Bárbara tem 10 irmãs, todas mulheres. 

Bárbara recorda que quando informou a mãe do câncer, sua resposta foi: “São 22 peitos, nunca isso aconteceu. Como que isso foi aparecer na minha filha?”. Apesar do susto, ela também acrescentou que os sentimentos mudaram muito rápido e logo veio a aceitação.

A médica oncologista Taiana Coelho Pedreira diz que os pacientes geralmente reagem com uma mistura de sentimento ao receber o diagnóstico de câncer. “Durante nossas visitas ou consultas, observamos que o diagnóstico de câncer muitas vezes é acompanhado por medo, incerteza e dor”. 

Ela ainda pontuou que algumas reações mais comuns são choque, negação, medo, tristeza e ansiedade. “Muitos pacientes inicialmente têm dificuldade em aceitar o diagnóstico, o que é uma resposta natural diante de uma notícia tão impactante”, afirma. “Alguns podem também experimentar raiva ou questionar ‘por que eu?’”, exemplifica.

Segundo a médica Taiana Pedreira, existe um estigma muito grande por parte da população diante da doença oncológica. Desta forma, é essencial o oncologista criar um ambiente de confiança e empatia, onde o paciente se sinta ouvido, compreendido e amparado. 

Luto

A psicóloga Gláucia Flores, especialista em psicologia oncológica pelo Instituto Nacional de Câncer (INCA/RJ) e especialista em cancerologia, explica que o diagnóstico oncológico também desencadeia um processo de luto, tanto no paciente como em seus familiares. “Luto não é só quando perdemos alguém. Luto também é compreendido quando, ao longo da vida, nos deparamos por inúmeras situações de perdas”, relata. 

Ela compreende como perda, a perda da saúde ou a perda do controle da vida, pois o tratamento impõe mudanças, perdas físicas como o cabelo ou perda de algum órgão, conforme o tipo de tratamento proposto, ou seja, perdas simbólicas que são também dolorosas e sofridas para quem passa.

No começo, quando Bárbara Alencar descobriu que estava com câncer, ela se sentiu como se tudo estivesse perdido. “Eu senti como se os meus sonhos e tudo aquilo que eu me dediquei a vida toda para conquistar, no trabalho e na vida pessoal, tudo tivesse sumido. De uma hora para outra, não tivesse mais tanta importância. De uma hora, para outra eu era apenas um corpo que precisava se manter vivo”, relata.

O diagnóstico do câncer gera, na maioria das vezes, mudanças e possibilidades de ressignificação da vida, momentos que se quer lutar e momentos que se quer desistir. “Os sentimentos são complexos, pois estamos tratando de uma doença complexa e carregada de estigmas. O importante é que o paciente encontre meios de ter suas emoções cuidadas e acolhidas, por profissionais e por familiares e amigos”, completa.

Fernanda Alves descobriu um câncer de tireoide em 2014, câncer intestino sigmoide em 2015 e em 2021, o câncer de tireoide voltou. “No começo eu não queria muito ajuda da psicologia e nem da psiquiatria. Eu tinha um ódio tão grande de psicólogo e de psiquiatra que eu preferia enfrentar tudo sozinha”, declara. 

Fernanda Alves no dia em que terminou os ciclos de quimioterapia, junto da sua fisioterapeuta Luiza Barros – Foto: Arquivo pessoal

Porém, Fernanda disse que, durante o tratamento, conheceu a psicóloga Thaís Torres. “Hoje dou graças a Deus que me deu a oportunidade e a honra de conhecer ela. Ela tem me ajudado muito, eu não consigo explicar em palavras o quão grata sou pela vida dela e pela ajuda que tem me dado durante esses mais de 3 anos de caminhada. Ela tem feito a diferença na minha vida”, afirma.

Quimioterapia

Durante o tratamento oncológico, seja ele quimioterapia, imunoterapia ou radioterapia, é comum o paciente ter alguns efeitos colaterais, como  fadiga, náuseas, prostração, mialgia, diarreia, vômitos, além de desafios emocionais, como depressão e ansiedade. “Os sintomas apareciam como prostração, náuseas, porém fui entendendo como meu corpo funcionava e adaptando atividade física, yoga, meditação, coisas que me ajudaram no processo”, relata Camila Oliveira.

Camila Oliveira durante uma tomografia de tórax, abdômen e exame de sangue (exames de seguimento) – Foto: Arquivo pessoal

A quimioterapia é um tratamento que utiliza medicamentos para destruir as células doentes que formam um tumor ou que estão no corpo do paciente de forma desordenada. Por ser um medicamento forte, as células saudáveis também são danificadas, provocando os efeitos colaterais. 

A radioterapia é uma aplicação local de radiação terapêutica para matar as células cancerosas ou impedir o seu aumento. Por fim, a imunoterapia usa anticorpos para estimular um melhor funcionamento do sistema imunológico. 

“Sou uma pessoa que tem muita energia e a quimio me debilitava, isso foi muito ruim, mas respeitei esse tempo, era a hora de olhar para dentro”, exemplifica Camila Oliveira. 

“Minha primeira sessão eu fiquei muito apreensiva com muito medo, é tanto que eu quase desmaiei”, diz Alciane Maria da Silva. Ela lembra que os médicos foram falar com ela e explicaram que a quimioterapia iria ajudar muito no tratamento. Depois disso, ela ficou mais calma. “Então me lancei mesmo nessa quimioterapia. A primeira foi muito forte. Eu vomitei muito, fiquei três dias de cama e sem me alimentar. Cheguei a pesar 32 kg. Perdi muito peso com a quimioterapia e a rádio, mas depois recuperei”, recorda.

As sessões, também chamadas de ciclos, variam muito do estágio, do tipo de câncer e da forma de tratamento escolhida. Por isso, a quantidade de sessões é exclusiva de cada paciente.

Para Bárbara Alencar o tratamento foi “muito punk”. Ela fez 11 sessões de quimioterapia branca e 4 sessões de quimioterapia vermelha. A diferença da quimioterapia branca para vermelha são os medicamentos que são usados em cada uma. “Minha médica fala que não conhece nenhum paciente que tenha tido tanto efeito colateral, quanto eu […] eu passava muito mal com a quimio branca”, relembra. Além disso, durante o tratamento ela precisou ser internada duas vezes. A primeira por uma sepse (infecção generalizada) e a segunda por uma pneumonia (resultado de uma baixa imunológica durante a quimioterapia vermelha). 

Fernanda Alves diz que a quimioterapia foi um misto de emoções e pensamentos positivos. “[Pensava] Vai dar certo, vou ficar bem e vou ficar curada”, afirma. Sobre os efeitos colaterais ela acrescenta: “Os primeiros círculos de quimioterapia do primeiro bloco foram bem tranquilos, não senti muito os efeitos colaterais. Eu vim sentir muito os efeitos colaterais no oitavo ciclo do segundo bloco. Foi muito tenso, muito doloroso, cheio de enjoos, sono, calafrios, queda de cabelo…”. 

Ela também guarda na memória que os enfermeiros deram orientações de como lidar com estes efeitos colaterais e isso ajudou. “Graças a Deus e aos anjos do hospital que me orientaram super bem como lidar com tudo isso. Os efeitos da quimioterapia foram bem mais tranquilos seguindo os passos e as orientações que me deram”, lembra.

Desafios

A vida e a luta dos pacientes oncológicos são marcadas por desafios complexos que vão muito além do tratamento da doença em si. “Cada paciente vive uma jornada única, que envolve não só o enfrentamento dos efeitos físicos do câncer e das terapias, mas também o impacto psicológico e emocional que a doença traz para si e para seus entes queridos”, relata Taiana Pedreira, médica oncológica.

Camila Oliveira relata que durante o tratamento o seu lado psicológico ficou “completamente abalado”. “Já fazia terapia antes do diagnóstico, minha terapeuta foi parte fundamental no meu processo de cura, ela me ajudou a elaborar os sentimentos e trabalhá-los a favor da vida”, diz.

Fernanda Alves compartilha que o momento mais difícil do seu tratamento foi o pós-operatório. “A parte mais difícil foi a cirurgia do intestino por causa da dor intensa que tive no pós-operatório, era tão horrível que precisei fazer a anestesia hacker de 3 em 3 horas durante dois dias”, relata. A anestesia raquidiana é um tipo de anestesia local que torna insensível à dor apenas uma parte do corpo, fazendo com que o paciente mantenha a consciência. Muito usada no parto, cirurgias abdominais e de membros inferiores.

Bárbara Alencar relata que a parte mais sofrida do seu tratamento foi ter que ficar isolada. “Eu tive que ficar isolada dos meus filhos por quase 3 meses”. Ela precisou ficar em isolamento por causa da baixa imunidade, um dos efeitos colaterais da fase vermelha da quimioterapia. Durante esta fase, Bárbara pegou um rinovírus, um vírus simples, de resfriado, mas como sua imunidade estava debilitada, foi o suficiente para virar uma pneumonia. 

Na época estava tendo muitos casos de covid e de gripes. A pneumologista disse à Bárbara que o ideal seria se isolar das crianças, pois elas frequentavam a escola. Avisou que caso ela pegasse alguma das doenças citadas ela não se responsabilizaria, pois seria muito grave. “Chorei muito na consulta, mal conseguia falar”, revela. “Já estava muito cansada e desgastada. Falei que meus filhos também já estavam muito fragilizados e não aguentam mais isso. Ela me respondeu que aguentariam sim. Que o que eles não aguentariam seria ficar sem mãe. Voltei pra casa aos prantos, fiz uma malinha e fui pra casa da minha mãe sem nem vê-los. Foram 3 meses”.

 Eles se viam sempre por vídeo chamada. Ela também media a imunidade por exames de sangue. Quando estava um pouco melhor, eles iam à casa da sua mãe e ficavam um pouco juntos, ela sempre de máscara N95. A máscara N95 é uma máscara com alto grau de filtração de partículas.

Um momento marcante foi uma festa junina da escola dos seus filhos, que iria acontecer pouco antes da cirurgia. “Eu falei pra médica que eu iria nem que eu morresse depois”, confessa. 

Bárbara revela que a médica segurou na sua mão, deu a ela uma máscara N95 e relatou que tinha acompanhado o pai internado de Covid-19 por mais de um mês usando aquele tipo de máscara e não tinha pegado, então ela sabia que funcionava. “E me mandou ir na festa e abraçar muito os meus filhos… Foi emocionante”.

Autoestima

Alciane Maria da Silva tem 41 anos e é freira. Conversando com ela, percebi que transmitia tranquilidade, uma dualidade com a história que ela me conta. Tinha apenas 17 anos quando teve seu primeiro câncer. Era vaidosa, tinha cabelos loiros, ”belíssimos”, ela me descreve.

Alciane Maria da Silva tem 41 anos e é freira – Foto: Arquivo pessoal

Naquela época, “nem pensava em ser religiosa”, declara. “Eu tive muita resistência com relação a perder meu cabelo. Era muito jovem […] Eu tinha toda uma beleza, toda uma vida”, fala. “Minha vaidade era meus cabelos, mas depois que meu cabelo caiu, eu também não fiquei com vergonha. Eu não usava lenço, usava nada. Deixava como prova e como testemunho do que eu tinha vencido”, completa.

“A autoestima fica muito abalada, principalmente no câncer de mama, porque o câncer de mama mexe com os dois símbolos femininos, que é o cabelo e o peito”, informa Bárbara Alencar. Ela conta que sua autoestima ficou abalada no período em que o cabelo ficou ralo e pela fraqueza que sentia. “Eu não me senti feia durante o tratamento. Engraçado isso. Mesmo tendo ficado extremamente magra e tendo ficado careca”, relata. “Quando eu raspei a cabeça foi uma libertação”, acrescenta. 

Ela conta que teve a oportunidade de usar perucas. Sua irmã, Gabriela Alencar, chegou a cortar o cabelo curto para fazer uma peruca e dar de presente a ela. “Eu não me senti bem, de forma alguma. Eu me sentia melhor assumindo o que eu estava vivendo”, afirma. Bárbara acrescentou que usou a toquinha e o lenço em algumas situações, mas quando se sentia confortável preferia não usar nada. 

O que mais mexeu com sua autoestima foi o medo de perder a mama. “Eu tive muito medo de ter que tirar a mama toda. Isso eu tive muito medo”, relata. Durante a cirurgia ela tirou um quadrante (um segmento) da mama.

“As pacientes com câncer de mama podem enfrentar a perda da imagem corporal com a alopécia (perda de cabelo) provocada durante a quimioterapia e também após a cirurgia. Entre os homens, os pacientes com câncer de próstata podem perder a virilidade com o tratamento com bloqueio hormonal. Enquanto aqueles com câncer de pulmão podem lidar com dificuldades respiratórias”, afirma Taiana Pedreira.

Rede de apoio

A rede de apoio é um conjunto de pessoas, como amigos e familiares, que podem ajudar em momentos de necessidade, auxiliando no bem estar físico e mental. “O suporte emocional, a gestão de sintomas e a rede familiar são essenciais para ajudar os pacientes a enfrentar esses desafios”, assinala Taiana Pedreira.

“O amor recebido pela rede de apoio foi curador, percebi o quanto sou amada e nesse processo aprendi sobre amor próprio”, relata Camila. “Sem minha família e meus amigos eu não teria conseguido. Me surpreendi positivamente com muitas pessoas. Hoje sei realmente quem tá do meu lado”, conta Ana Karine. 

Fernanda também sinalizou a importância dos amigos no tratamento: “Tem pessoas que são mais chegados do que irmãos. Meus amigos me ajudaram de várias formas, até no simples sentar no sofá e ficar em silêncio. Sorrisos, incentivos, celebração de pequenas conquistas, um copo de água, ligação, mensagens, foram tantas coisas simples que fizeram diferença”, diz.

Bárbara Alencar não contou aos seus pais sobre a doença durante os três primeiros meses do tratamento. Os seus pais são idosos, por isso, ela teve medo de como eles iriam reagir e como isso afetaria a saúde deles. Além disso, nesse período, seu marido, Thales, precisou viajar várias vezes a trabalho. “Então, eu tive muito apoio dos meus amigos. Eles fizeram tipo um revezamento”, relembra.

Bárbara Alencar, 44 anos, atualmente – Foto: Arquivo pessoal

Depois dos três meses, ela contou para os pais. “Quando os meus pais souberam, eles foram muito presentes, muito essenciais. Geralmente ia ou a minha mãe ou o meu pai”. Ela acrescenta que apesar da sua irmã morar no Rio de Janeiro, ela foi até Goiânia (lugar que Bárbara mora e fez o tratamento) para acompanhar ela nas quimioterapias também. “Ela me deu muito apoio, também nos três primeiros meses, mesmo à distância”, comenta.

Durante a fase vermelha da quimioterapia, há uma queda na imunidade e o paciente precisa ficar isolado. “Eu fiquei isolada na casa dos meus pais e eles me deram muito apoio. Isso foi muito importante, foi como voltar a ser filha e deixar ser cuidada. Isso foi essencial”, expõe Bárbara Alencar.

Equipamento

Um dos equipamentos utilizados para o tratamento da quimioterapia é o Port-A-Cath, um cateter venoso central, muito utilizado para administrar medicamentos por longos períodos, como na quimioterapia. Ele é implantado, por um cirurgião vascular, por meio de uma mini-cirurgia, em uma veia profunda, normalmente, a jugular ou subclávia., O dispositivo fica debaixo da pele, por isso, é possível notar uma protuberância, onde a enfermagem punciona e faz a medicação. O aparelho não gera dor e pode ficar com o paciente durante 5 anos.

O Port-A-Cath foi criado, pois algumas medicações vesicantes machucam a veia periférica. Assim, para evitar machucados, o cateter é implantado. “O Port-A-Cath é um cateter que vem para ajudar muito a vida do paciente oncológico”, comenta o médico oncologista Carlos Tadeu Garrote. 

Imagem explicando a localização e funcionamento do cateter Port-A-Cath
Crédito: Terese Winslow LLC

Outro motivo é que o equipamento pode evitar que o paciente tenha de ficar internado, já que a infusão das medicações costuma demorar horas, como é o caso de algumas quimioterapias para cânceres de intestino que levam cerca de 46 horas. “Os pacientes vão para casa junto com o dispositivo e voltam (para o hospital apenas para devolver), ou seja, evita que a pessoa precise internar. Então, nesse contexto, é muito gratificante ver que o paciente tem uma qualidade de vida muito melhor”, explica o médico.

Camila Oliveira iniciou o protocolo quimioterápico Folfox (12 ciclos de infusão da medicação de 15 em 15 dias). Este é um protocolo de longa duração, por isso ela ia até a clínica oncológica e seguia para casa com uma bomba infusora por 42 horas, depois voltava na clínica para retirada do equipamento. “Tive muita expectativa, medo, mas tentei colocar leveza naquele processo, levei música, um livrinho”, relata.

A Secretaria de Saúde do Distrito Federal informa que o cateter de longa permanência disponibilizado é o cateter central, a aplicação é totalmente implantável. O produto possui ata de registro vigente e tem preço unitário de R$ 519. A pasta esclarece que a implantação do cateter não é regulado, ou seja, ainda não está inserida no sistema de regulação de pacientes, onde é possível contabilizar o número de pacientes que aguardam por esse tipo de procedimento.

Saúde pública

Fernanda Alves tratou ambos os cânceres pelo Serviço Único de Saúde (SUS), no Distrito Federal, no Hospital de Base e Hospital de Apoio. Ela relata que o tratamento começou muito rápido.  “A tireoide foi no mesmo dia e do intestino foi no prazo de uma semana no máximo”, relembra. Ela acrescenta que a equipe médica foi muito atenciosa durante o diagnóstico e tratamento. “Graças a Deus e aos médicos que me atenderam e diagnosticaram rapidamente, e com muito amor, atenção, dedicação, respeito, transparência”

Alciane Maria da Silva também fez o tratamento pelo SUS, no Hospital das Clínicas de Recife. Ela afirma que antes não confiava muito no sistema público. “Antes eu via o SUS como susto, porque às vezes eu precisava de um exame de alguma coisa mais urgente e eu ficava sempre reclamando”, relata. Mas, depois de começar o tratamento, viu o Serviço com outros olhos. “Foi o SUS que fez com que hoje eu estivesse aqui contando essa história.  Eu não tinha condições, minha família é uma família simples. Então, nós não tínhamos condições para poder arcar com toda a despesa”, afirma. 

Desde 2013, a Lei dos 60 dias (Lei Federal nº 12.732/2012) garante que o Sistema Único de Saúde (SUS) inicie o tratamento de pacientes com câncer em até 60 dias após o diagnóstico. O início do tratamento é considerado a realização de cirurgia, radioterapia ou quimioterapia, além do acesso a medicamentos para a dor. 

De acordo com o site Mapa Social da Saúde, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, há 135 solicitações de consulta oncológica – cuidado paliativo, 131 solicitações de consulta oncológica – quimioterapia e 914 de consulta em radioterapia, totalizando 1.180 solicitações em fila de espera para tratamento oncológico na rede pública de saúde do DF. O tempo médio de espera é de 350,83 dias. (Dados do dia 10/10/2024, momento que está sendo feita esta reportagem). A SES-DF não oferece a imunoterapia para pacientes com câncer.

O depois

“No fim do tratamento parecia que eu estava ganhando a Copa do Mundo”, diz Bárbara Alencar.

O que vem depois do câncer? Essa é uma pergunta que muitos pacientes podem se perguntar durante o tratamento. “Engraçado que parece que as pessoas acham que quem passou por um câncer depois vai virar assim, quase um monge budista”, sorri Bárbara Alencar. 

“Não foi assim comigo não”, relata. “Você percebe mudanças de postura, mudança de visão, aos poucos”, afirma. Ela acrescenta que viu muitas pessoas que venceram o câncer falando que, depois do tratamento, ficaram mais tranquilas e começaram a se cuidar mais, além de não priorizar dinheiro ou trabalho. “Comigo não foi assim. Parece que eu voltei no 220 (volts). Com muita vontade de trabalhar, com muita vontade de produzir, de fazer coisas que me fazem bem”, completa.

Ana Karina Nogueira diz que sua vida mudou totalmente depois do câncer. “Minha relação com Deus é muito mais íntima, meus momentos de gratidão são muitos. Hoje mesmo, ao colocar o pé na areia, agradeci tanto”, afirma. Ela acrescenta que também se tornou uma pessoa mais empática. “A dor do outro significa muito pra mim. Hoje também não me importo com coisas pequenas, é muito difícil algo me tirar do sério”, relata. 


“Não dá pra sair incólume de um processo desse”, afirma Ana Karina Nogueira

Ana Karine na véspera da cirurgia. Ela operou no dia 13 de maio de 2023 – Foto: Arquivo pessoal

Camila Oliveira disse que se sentiu insegura no início, mas que com o tempo foi se fortalecendo. “Nada é tão ruim que dure para sempre”, esclarece.

Roda Viva

A jornada das mulheres que enfrentam o câncer é marcada por altos e baixos, dor e superação. Como se a Roda Viva girasse a cada instante, redirecionando sonhos e expectativas. Embora o diagnóstico traga consigo o peso de uma montanha, uma avalanche de sentimentos, também abre espaço para um processo profundo de ressignificação da existência. É nas pequenas vitórias do dia a dia, no apoio de amigos e familiares, e na descoberta da força interior que a vida reencontra seu curso.

O amor, o autocuidado e a conexão com os outros são as verdadeiras âncoras que sustentam essas mulheres enquanto desenham novos destinos. Cada fio de cabelo perdido e cada cicatriz se tornam símbolos de uma batalha vivida com coragem.

Como na Roda Viva, o destino, mesmo abalado por ventos imprevisíveis, encontra formas de se recriar. E o que resta é a certeza de que, em cada transformação, há também uma oportunidade de renascer.

Por Maria Clara Britto
Sob supervisão dos professores Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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