Honestino Guimarães: 51 anos de memória e resistência

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O universitário goiano Honestino Guimarães, preso e morto pela ditadura aos 25 anos de idade, nunca teve a chance de erguer seu diploma de geologia, mas o vigor de sua história, apagada à força pela ditadura militar, permanece presente no cotidiano dos estudantes. No Brasil, uma geração inteira se viu silenciada pela repressão nos Anos de Chumbo, e Honestino foi um dos que tiveram a voz calada. No entanto, quase 50 anos depois de seu desaparecimento, a família do  militante estudantil recebeu seu diploma póstumo da Universidade de Brasília (UnB) em um gesto simbólico que ecoa em tempos de renovada resistência. A cerimônia ocorreu em julho em um auditório lotado na Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB), no Campus Darcy Ribeiro. 

Rosto de Honestino Guimarães, que mais tarde, viraria símbolo da luta estudantil.
Crédito: Arquivo pessoal.

 O Conselho Universitário (Consuni) anulou a decisão que o expulsou da instituição, destacando o simbolismo de sua história como um marco na luta pelos direitos democráticos. “O simbolismo desse ato transcende aspectos diretamente relacionados ao próprio Honestino”, afirmou o decano de Ensino de Graduação, Diêgo Madureira, durante a solenidade, em um discurso aplaudido de pé.

Sebastião Neto, primo de Honestino, representou a família na cerimônia e ressaltou o impacto histórico do gesto. “Ele veio de uma família humilde, passou em primeiro lugar no vestibular de geologia e mostrou que a educação é uma ferramenta de transformação social, mesmo diante da opressão”, destacou.

50 anos de espera

Juliana Guimarães, filha de Honestino, falou sobre a importância do ato, mas ressaltou que a busca por respostas se perpetua até os dias atuais. “Já se passaram mais de 50 anos, e eu ainda não sabemos o que aconteceu no dia 10 de outubro, quando ele desapareceu. O ato é um pedacinho; temos muita coisa para buscar, para ir atrás da memória do que aconteceu. É uma questão de respeito com ele e com todo mundo que desapareceu”, afirmou.

Para Juliana, a cerimônia representa um esforço importante para resgatar a memória de uma geração silenciada, mas não substitui a necessidade de justiça e verdade. “Esse diploma não é apenas um reconhecimento; ele simboliza o que meu pai e tantos outros defenderam: democracia e liberdade. Mas também é um lembrete de que ainda temos muito a fazer”, completou.

Além dos familiares, especialistas e militantes da área de direitos humanos destacam a relevância de atos como esse em tempos de crescentes ameaças à democracia. “O Brasil ainda enfrenta o desafio de lidar com os fantasmas do seu passado. Reconhecer figuras como Honestino é essencial para garantir que essas histórias não sejam esquecidas”, afirmou Ana Paula Almeida, historiadora e autora de uma biografia do estudante.

A cerimônia também emocionou antigos colegas de Honestino, como João Sérgio, hoje professor aposentado da UnB. “Honestino não lutava apenas por ele. Ele representava todos nós que sonhávamos com um país livre. Estar aqui hoje é honrar essa luta, mesmo que tardia.”

Ao longo dos anos, Honestino se tornou símbolo de resistência para as novas gerações. A presidente do Diretório Central dos Estudantes (DCE) da UnB, Manuella Mirella, reforça que a história dele ainda ressoa nos corredores da universidade. “Ele nos inspira a continuar lutando, seja contra cortes na educação ou qualquer forma de repressão. Honestino não é apenas um nome na história; ele é um exemplo vivo de resistência”, declarou.

Luta contra o silêncio

A entrega do diploma póstumo foi um marco para relembrar o impacto da repressão e os desafios atuais. Para a família Guimarães, no entanto, a busca por justiça ainda está longe de acabar. A luta por respostas sobre o desaparecimento de Honestino continua, assim como o esforço para manter viva a memória daqueles que foram calados pelo regime militar.

Sebastião Neto, primo do militante, recebeu o diploma em nome da família, e o público aplaudiu com fervor. Ele aproveitou o momento para relembrar a trajetória de Honestino, que veio de uma família pobre e conquistou o primeiro lugar no vestibular de geologia da UnB. Sebastião destacou que a cerimônia representava uma pequena reparação histórica, especialmente diante do desaparecimento de tantas vidas, como a do próprio primo morto durante a ditadura.

Na véspera de Natal, Maria Rosa foi informada que poderia visitar seu filho Honestino, detido no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), em Brasília. No dia 25 de dezembro, ela chegou com roupas e alimentos, aguardando por seis horas. “Eles a levaram para uma cela ensanguentada e disseram que ele não estava mais ali”, relata Mateus Guimarães, sobrinho de Honestino, que, apesar de não tê-lo conhecido, mantém viva a história de sua família.

A reitora da UnB, Márcia Abrahão Moura, também se emocionou ao entregar o diploma, reforçando a importância desse ato como uma forma de reparação. “Este diploma é um diploma de geólogo mesmo, ‘quebrador de pedra’, e marca o retorno simbólico de Honestino à UnB, de onde ele jamais deveria ter saído”, afirmou. O ex-reitor José Geraldo completou: “Honestino voltou para a UnB. Depois de preso e morto, ele ainda volta e é milhões”, citando uma faixa que expressava a força do movimento.

Durante a cerimônia, um vídeo que gerou comoção com a mãe de Honestino, Maria Rosa, foi exibido, contando como ela se sentiu ao ver o filho se classificar em primeiro lugar no vestibular da UnB. O primo, Sebastião, relembrou uma promessa feita pelo pai de Honestino: abrir um vinho português no dia da formatura do filho, algo que nunca aconteceu devido ao desaparecimento. No entanto, o primo fez questão de abrir uma garrafa similar na cerimônia, como forma de honrar essa memória.

Um legado que ultrapassa gerações

No dia da entrega, participantes do Diretório Central dos Estudantes (DCE) Honestino Guimarães subiram ao palco vestindo camisetas com o rosto do militante e a palavra “Justiça”, destacando o impacto que a figura de Honestino continua a ter no movimento estudantil. A presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE), Manuella Mirella, reforçou essa importância, mencionando o legado deixado pelo jovem estudante, que, além de ter sido presidente da UNE, sempre lutou por um Brasil mais forte e soberano.

Entretanto, figuras como André Doz, de 23 anos, estudante de história da UnB, representante estudantil e membro do DCE, enfatizam que, embora a memória de Honestino seja crucial, os desafios de hoje exigem novas formas de ação. Para o estudante, a resistência estudantil moderna não está apenas ligada ao passado, mas enfrenta batalhas contemporâneas como o combate ao autoritarismo, a luta por direitos sociais e a preservação de um ambiente democrático. “As batalhas mudaram, mas o sentimento de opressão e resistência ainda é o mesmo”, afirmou ele, destacando que, enquanto a ditadura silenciava de forma violenta, hoje os estudantes precisam enfrentar tentativas de desmonte da educação e ataques às liberdades. 

“É importante que se entenda que o Honestino Guimarães era um militante que articulava as necessidades estudantis, assim como eu e meus companheiros articulamos. Então o Honestino também é uma arte da nossa luta, é uma pessoa que deve nos inspirar por ter levado a sua luta até às últimas consequências e nunca ter desistido frente às adversidades”, afirmou o estudante.

A música “Cálice”, de Chico Buarque e Gilberto Gil, também foi lembrada durante a cerimônia, sendo utilizada como um símbolo da repressão que muitos estudantes ainda sentem. Segundo André, “a música fala sobre o silenciamento imposto pela repressão, algo que continua a ecoar na forma de censura e restrições”. Para ele, assim como Honestino enfrentou a opressão do regime militar, a juventude de hoje enfrenta a censura de novas maneiras, principalmente nas redes sociais, onde tentativas de sufocar a liberdade de expressão são frequentes.

A luta continua

A atuação dos coletivos estudantis da UnB, como os antifascistas e os ecossocialistas, é fundamental para manter essa luta viva. Esses grupos organizam protestos, assembleias e discussões políticas, utilizando as redes sociais para mobilizar a comunidade estudantil. “O que estamos vivendo hoje exige ação imediata”, disse o representante estudantil, referindo-se às tentativas de desmonte de direitos que afetam não só a educação, mas também o acesso a serviços públicos e a preservação de direitos fundamentais. Ele acredita que os estudantes têm um papel central em garantir que a resistência continue ativa.

Apesar da brutalidade que marcou a história de Honestino Guimarães, sua memória ainda inspira jovens como André a lutar contra as injustiças do presente. A entrega do diploma póstumo, para o líder estudantil, é mais do que uma reparação histórica; é um lembrete de que a luta por justiça e democracia é constante. “Estamos aqui para garantir que essa luta jamais seja esquecida. Não queremos que a defesa da educação e a busca por um sistema capaz de acabar com a exploração e opressão chegue ao extremo de custar nossas vidas, com assassinatos e torturas.”, finalizou.

André e seus colegas seguem em frente com a missão de manter vivo o legado da resistência, utilizando a universidade como um espaço não só de aprendizado acadêmico, mas de formação política e social. O eco das lutas de Honestino, amplificado pela música de Vandré e Buarque, ressoa nos atos estudantis de hoje, provando que, apesar do tempo, a chama da resistência continua acesa.


Resistência contra o autoritarismo

José Geraldo de Sousa Júnior, ex-reitor da UnB, destacou que o pensamento crítico foi um dos principais alvos da ditadura militar. E é nesse contexto que a história de Honestino se torna ainda mais relevante, pois ele foi um dos muitos que pagaram com a própria vida por resistir à opressão. Mesmo décadas depois, o Brasil ainda luta contra o negacionismo que tenta minimizar os horrores do regime, assim como tenta combater aqueles que ainda acreditam que o silêncio pode ser imposto pela força.

Nesse sentido, a concessão do diploma post mortem a Honestino é uma reafirmação do compromisso da UnB com a verdade e a história. É uma resposta direta a quem tenta reescrever o passado. Assim como “Cálice”, a história de Honestino Guimarães nos ensina que o silêncio forçado não é sinônimo de esquecimento; é, na verdade, um catalisador para que a luta continue. E a UnB, com esse ato simbólico, reforça sua missão de manter viva a memória de quem ousou enfrentar o autoritarismo. A memória de Honestino Guimarães está cravada em cada canto da Universidade de Brasília, e essa diplomação post mortem é mais um marco em sua história. Para o diretor do Instituto de Geociências, Welitom Borges, o reconhecimento do estudante é um lembrete constante de que a luta pela igualdade social e pela justiça nunca deve ser esquecida.

Por Caio Figueiredo
Sob supervisão dos professores Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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