Melodias entre gerações 

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A força do vínculo entre avós e netos inspira gerações a construir um legado de afeto e aprendizado mútuo.

Sob a inspiração da música “Dueto”.

Uma ideia difundida sobre os avós é que são eles os responsáveis por “mimar” os netos, enquanto cabe aos pais terem uma influência mais rígida. No entanto, esse mimar, às vezes, pode vir em forma de melodia.

Andressa e seu avô Josezito, no estúdio. Foto: Ana Paula Paiva.

A inspiração do avô se reflete também na história da musicista brasiliense  Andressa Sarkis, ou Dre Sarkis, seu nome artístico, de 23 anos. Na infância, ela teve a sorte de ser acolhida por seus avós maternos, Josezito e Ana Maria. Por conta de problemas de saúde de seus pais, seus avós se tornaram os maiores companheiros e fontes de inspiração dela. “Meus avós são meus melhores amigos. Eles sempre estiveram ao meu lado, especialmente nos momentos mais difíceis”, compartilha Andressa. Ela destaca a influência profunda que eles tiveram em sua vida e em sua carreira musical.

Andressa e seus avós, no set de filmagem de seu single “Confusão mental”. Foto: Marinete Galvão.

A música é de “extrema importância” na vida de Andressa, principalmente por conta da ligação que tem com a sua avó. “Um dos primeiros programas que eu fiz com minha avó foi ir a um show da Maria Bethânia. Eu sempre gostei de música, mas depois desse show eu fiquei ainda mais apaixonada,” diz. “Ela me alfabetizou e sempre me incentivou a escrever e compor. Para mim, cada música que faço é um pedaço da nossa história”. 

Inspiração

Os sentimentos de amor e gratidão que Andressa tem pelos avós reverbera através de músicas como  “Eu Sei Que Vou Te Amar” de Tom Jobim. “Essas músicas encapsulam tudo que sinto por eles. Meus avós estão sempre presentes nas minhas composições, e isso é uma forma de manter viva a memória deles.  Cada letra é uma forma de homenagear minha família e as experiências que vivemos juntos. Quero que minhas músicas transmitam as lições que aprendi com meus avós e tudo o que eles representam para mim”. 

Durante a conversa, Andressa relatou como a música a ajudou a processar as suas emoções. “A música é uma terapia para mim. Quando estou triste ou ansiosa, escrever e tocar me acalma. É como se eu  pudesse colocar tudo o que sinto em uma canção. E, às vezes, ao tocar para meus avós, sinto que eles estão comigo em cada acorde.”

Andressa no estúdio. Foto: Ana Paula Paiva.

Ela se sente profundamente conectada à tradição musical brasileira. “Artistas como Chico Buarque e Maria Bethânia não são apenas referências; eles são parte do meu legado familiar. A música brasileira é rica em histórias, e eu quero contribuir com a minha”. 

Andressa se  emociona: “A música é a minha forma de expressar tudo o que eles representam na minha vida. Cada acorde, cada letra é um agradecimento por todo o amor e apoio que recebi.” Celebrar os avós é celebrar a sabedoria, o amor incondicional e a generosidade que moldam nossas vidas. Eles são as raízes profundas de uma árvore, sustentando as gerações que vêm depois. “A música é um elo que nos une. Para mim, é uma forma de manter viva a memória das pessoas que amo. Espero que, através das minhas canções, eu possa transmitir um pouco desse amor e gratidão.”

Herança musical

Henrique com seu violão. Foto: Olivier Lob.

O músico Henrique Neto, diretor da Escola Brasileira de Choro, também recorda como a avó, Lúcia Yolanda de Almeida Santos, que morreu em 2015, desempenhou um papel fundamental para a formação musical dele. 

Nascido em um lar com tradição musical, Henrique entende que a herança familiar pode moldar a trajetória artística de uma pessoa. Desde pequeno, ele foi influenciado pelo ambiente em que cresceu, cercado por canções que a avó, conhecida como Vó Lucinha, costumava tocar e cantar. Sempre com o rádio ligado em casa. “Minha avó passava o dia inteiro, e dormia ouvindo rádio. Eu chegava na casa dela, e o rádio estava ligado sempre”.

Henrique cresceu envolto a melodias que moldaram sua paixão pela música. Desde as canções ouvidas ao lado da avó até o incentivo incondicional dos avós em suas apresentações, Henrique descobriu na música uma maneira de manter viva a memória familiar. 

A paixão pela música está presente na rotina de Henrique. Ele relembra com carinho momentos marcantes ao lado dela, como as longas conversas sobre música, onde ela compartilhava as inspirações, incluindo grandes nomes como o guitarrista espanhol Paco de Lucia. 

Essa conexão com a música espanhola, especialmente com a guitarra flamenca, deixou uma marca indelével em seu estilo. “Surrupiei alguns discos da minha avó e estudei as músicas que eu gostava”, confessa, ao lembrar sobre como essa troca influenciou no aprendizado e nas preferências musicais. 

O apoio incondicional de seus avós foi crucial em sua carreira, especialmente em seus primeiros passos como músico. Henrique recorda com carinho as lembranças de seus avós assistindo suas apresentações, sempre cheios de orgulho. “Meu avô, que também se chamava Henrique, era meu maior incentivador”, destaca. Ele ressalta como o amor e o suporte familiar foram pilares em sua jornada musical. Henrique enfatiza como a filosofia da Escola Brasileira de Choro valoriza o compartilhamento e a convivência. Por aulas coletivas, jovens músicos interagem com pessoas mais experientes, criando um ambiente rico para a troca de experiências.

Henrique pequeno, com o bandolim de seu pai. Foto: Arquivo Pessoal.

Entre as canções, Henrique recorda que a canção “Santa Morena”, de Jacob do Bandolim, faz com que ele recorde os momentos com ela. “Minha avó gostava muito dessa música, ela pedia para tocar toda vez que a gente estava reunido”.

Henrique ressalta a importância de suas composições como forma de homenagear suas influências e experiências familiares. Ele destaca que, ao tocar para seus avós, sente que eles estão sempre presentes em sua música, uma conexão emocional que transcende o tempo e o espaço. “A música é um rio abastecido por várias influências, e meus avós com certeza são um dos principais combustíveis da minha vida”, afirma. Para ele, a herança musical que recebeu não é apenas uma questão de estilo, mas uma maneira de compreender e respeitar a arte em um nível mais profundo.

A trajetória de Henrique é um exemplo de como os laços familiares moldam nossas vidas e carreiras, mostrando que a música é um elo poderoso entre gerações. “Celebrar os avós é uma homenagem à sabedoria, o amor incondicional e a generosidade que moldam nossas vidas”, conclui. Essa visão reflete não apenas a reverência que ele tem por suas raízes, mas também a esperança de transmitir esses valores às próximas gerações por meio de sua música.

A psicologia do envelhecimento 

Em tempos em que a convivência entre gerações enfrenta desafios com a vida moderna, a relação entre avós e netos segue desempenhando um papel fundamental no desenvolvimento emocional dos jovens. Para a psicóloga Polliana Teixeira, especialista em terceira idade, essa troca de experiências oferece não só suporte emocional, mas também contribui para a formação de uma base ética sólida.

Polliana destaca que o convívio com os avós vai além de momentos compartilhados; é uma fonte de aprendizado contínuo. “Aprendemos muito pela observação ao conviver com pessoas seguras de seus valores”, ressalta.

Uma das questões mais tocantes levantadas pela psicóloga é a influência das histórias e dos valores dos avós na vida dos netos. Ela acredita que essa admiração e carinho criam um ambiente propício para a transmissão de ensinamentos, inclusive da música, que vão muito além de palavras. 

Ela ressalta que os avós, com sua experiência de vida, acabam sendo um modelo emocional para os mais jovens, influenciando positivamente suas decisões e comportamentos. “É um processo de aprendizagem afetuoso, que afeta diretamente a forma como os netos defendem o que é certo e errado para eles”, completa.

Apesar da influência, os netos enfrentam o desafio de lidar com as expectativas dos avós em relação ao seu sucesso e realização. Sobre isso, Polliana comenta que essa é uma questão natural e que, com um diálogo aberto, é possível equilibrar essas expectativas com os próprios sonhos e desejos.

 “O primeiro passo é o neto ter a certeza absoluta do que é importante para ele. Quando você sabe o que você quer, te afeta menos do que os outros planejam para você”, explica. Ela destaca que, ao saber o que é importante para si, o jovem consegue se posicionar de maneira tranquila e afetuosa, estabelecendo limites sem gerar conflitos desnecessários. “O que não dá é querer resolver as coisas na briga. A gente precisa ser assertivo, mas para isso, primeiro tem que saber o que nos faz bem”, orienta.

Quando há famílias geograficamente dispersas, a separação física entre avós e netos nem sempre significa um rompimento de laços. Polliana observa que a tecnologia hoje facilita a manutenção desse relacionamento, e que a presença emocional pode ser cultivada de várias formas. “A separação física só será um grande rompimento emocional quando vier acompanhada de uma separação psicológica”, afirma. Ela sugere maneiras simples de manter o vínculo: “Ligue, pergunte como foi o dia, organize visitas, mande presentes. A melhor maneira de manter esse laço é se fazer presente de outras formas.”

Neri, Anita Liberalesso. “Psicologia do envelhecimento: uma área emergente.” Psicologia do envelhecimento: temas selecionados na perspectiva de curso de vida. 1995. 13-40.

Dedico esta matéria para todos meus avós por serem a base e a fonte da sabedoria de nossa família, Dona Mariza, minha colega de quarto, e fiel confidente. Seu Ruy, por compartilhar o amor pelo nosso time do coração, e pelas suas histórias. E para meus falecidos avós que serão sempre eternos em meu coração, Dona Eneida, a mais detalhista contadora de histórias, obrigada por suas risadas e sabedoria, e ao Seu Caio, pelo lindo sobrenome que carrego em minhas matérias. 

Dueto – Chico e Clara Buarque

Por Manuela Bonorino

Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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