Trânsito pesado, passageiros rudes e estresse constante. Esse é o dia-a-dia de quem exerce a rotina de motoristas de ônibus. Mas o que acontece em 60 micro-ônibus circulares (zebrinhas), é que os condutores também precisam exercer o papel de cobradores. Além de dirigir, eles ficam responsáveis pelo pagamento da passagem.
Muitas vezes o motorista-cobrador, com o ônibus em movimento, precisa se desdobrar em dois para conseguir realizar seu trabalho. “Tem catraca?” pergunta a passageira. O motorista ri, como se seu esforço fosse uma piada. Ele responde: “Pode pagar para mim. Aqui é trabalho por dois e salário pra um”.
O motorista libera a passageira para entrar. Se ela não entra, começa a soar um apito estridente, sinalizando que a passagem foi paga, mas que ela não passou a catraca. “Não posso ficar aqui na frente?”, pergunta a passageira. “Melhor não. Se não esse apito vai ficar tocando”, responde o motorista.
Esse é apenas um minuto na vida de um motorista de ônibus. Nesse pequeno espaço tempo, ele não só precisa lidar com dinheiro, como também com o trânsito, com as pessoas e ainda ter muita disposição para continuar conduzindo o ônibus. O sol está escaldante do lado de fora e as pessoas entram ofegantes no veículo. O motorista lida rapidamente com suas tarefas, mas admite que gostaria da ajuda de um cobrador para realizar sua tarefa.
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Ele, que preferiu não dizer seu nome, contou que exercer as duas funções atrapalha o profissional. O condutor reclamou da dupla função, pois disse que essa prática tira a atenção do condutor. “Assim complica mais, tem que dirigir e cobrar ao mesmo tempo. Isso complica muito, tem que passar troco às vezes dirigindo”.
A cada trezentos passageiros que transporta, o cobrador-motorista recebe o adicional de R$ 18. Ele, que é pai de gêmeas de dez meses e precisa sustentar sua família, disse que preferia não receber a gratificação no final do mês, se tivesse alguém no cargo de cobrador para ajudá-lo.
A babá Laura dos Santos está acostumada a pegar ônibus. Ela pega dois transportes diariamente para sair do trabalho e chegar a casa, na Fercal. A babá disse que é comum motoristas exercerem a função de cobrador em ônibus circular (zebrinhas). Para ela, a atividade a mais atrapalha o trânsito para os passageiros. “Quando ele não tem troco? A gente espera. É o jeito, é o jeito, né? Esperar até ter troco”.
A empregada doméstica Rose dos Santos, de 47 anos, afirma que a dupla função gera um transtorno ao passageiro. Ela também reclamou da demora em relação ao troco e disse que dificulta o serviço. Rose dos Santos considerou ruim o trabalho extra para o condutor. “Tá dirigindo e no mesmo tempo vai ficar de olho no troco e no passageiro”.
Outro motorista entrevistado, que preferiu se identificar apenas como “Fernando”, contou que trabalhou três anos como motorista de “zebrinha”, e exerceu as duas funções. Ele disse que, na época, o adicional que ganhava era de seis centavos por passageiro, sendo que o valor da passagem era de dois reais. Ele contou que é muito melhor trabalhar como motorista de ônibus e ter a ajuda de um cobrador.

O condutor acrescentou que falta respeito no modo de tratar os motoristas. “Às vezes, você se estressa, fala: ‘nossa! Vocês são muitos mal educados’, mas não é, é porque na maioria das vezes você entra aqui, e você não dá bem bom-dia pra gente.”
Ele atualmente trabalha apenas como motorista e afirmou que a presença da cobradora facilita o trabalho. “Aqui eu tenho uma cobradora. Ela me ajuda, né? O cobrador ajuda, tem um auxiliar na verdade”. O condutor começou a trabalhar em empresa de ônibus, quando a filha nasceu. Segundo o motorista, com o nascimento da primogênita, a decisão foi se sacrificar para que os filhos pudessem estudar.
O profissional se orgulha de ter matriculado a filha em escola particular. Para ele, o esforço valeu a pena. Hoje, a filha cursa administração e deve se formar em pouco tempo. “Quando minha filha nasceu, eu disse à minha esposa: vou tirar a minha camisa, pra dar para os meus filhos”.
Outro motorista também confirmou que é difícil e cansativa a profissão. Ele disse que dirige por duas horas e meia sem parada. O condutor, contudo, não reclama da dupla função. Ele avalia positivamente o adicional no salário e diz já estar habituado com o serviço. “Eu já me acostumei, no caso”.
Providências
O Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal informou que não investiga os casos da dupla função dos condutores. O MPT do Rio de Janeiro, contudo, tenta combater o acúmulo de serviço dos motoristas de ônibus.
Segundo a procuradora Débora Félix, esse tipo de prática ameaça a saúde dos motoristas, por causa do estresse gerado, e gera risco a terceiros por desviar o foco de atenção dos condutores. “(A dupla função) pode fazer com que eles desenvolvam algum tipo de patologia emocional, psíquica e também coloquem em risco a população usuária”.
A procuradora acrescentou que há funcionários que preferem exercer a dupla função por causa do adicional do mês. Ela reforçou que o excesso de trabalho pode causar problemas de saúde. Débora Félix também disse que algumas empresas preferem empregar o motorista com função de cobrador, para assim economizar um salário.
Nilson Aparecido, do Sindicato dos Rodoviários, disse que não há problema em o motorista exercer a dupla função. Para o funcionário, o acordo financeiro, entre o sindicato, o condutor e a empresa, é suficiente para garantir a condição de trabalho.
A Agência de Notícias UniCEUB tentou contato com as empresas de ônibus de Brasília, mas não teve resposta até a publicação deste texto.
Por Jade Abreu e Bruna Goularte