A rotina de limpar a cidade em um momento de crise sanitária como o atual é desafiador e gera temor. Mulheres garis estão na linha de frente, estão em um trabalho essencial e o que mais desejam é chegar o dia de tomar a vacina. “Tomar a vacina é o nosso principal pedido, mas não podemos esquecer que sentimos falta de banheiros coletivos nas ruas, durante o plantão, por exemplo”, lamenta Terezinha Imaculada Gomes, que há mais de 10 anos se dedica na limpeza das ruas do Distrito Federal.
A empresa em que ela trabalha é a Valor Ambiental, vinculada ao Serviço de Limpeza Urbana (SLU) do Distrito Federal. Pelas ruas, ela passa oito horas em pé, varrendo o chão e recolhendo o lixo.
Aos 50 anos, a gari começa seu expediente às 14h40 – horário que sai de casa na Samambaia Sul – , e segue para a Rodoviária do Plano Piloto. Chegando lá, bate o ponto e se prepara para o seu plantão que iniciará no Setor Comercial Sul.

A limpeza das ruas também engloba capinar e pintar, caso necessário. Esses são os principais encargos das mulheres garis do DF, que por mais que gostem do seu trabalho, como diz Terezinha, possuem uma carga horária “exaustiva, perigosa, além da dupla jornada de trabalho – em casa e nas ruas – e ainda tem o coronavírus”.
Terezinha e sua parceira de trabalho, Jéssica, arriscam-se para manter a cidade limpa, organizada e saudável aos moradores e visitantes. Mas, não se sentem seguras para exercer o trabalho. Com uma casa e filhos para cuidar, o serviço se resume em “necessidade”. Mesmo com medo, elas encaram o dia a dia ao lado do medo da covid-19, que pode estar em qualquer lixo contaminado.
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“A gente sente uma insegurança por conta da irresponsabilidade das outras pessoas. Nosso maior risco é com o lixo contaminado, então, é evitar ao máximo pegar com a luva, e sim com a pá ou com a vassoura”, lamenta Jéssica Lopes, 28 anos.
A pá e a vassoura são os principais equipamentos das garis, oferecidos pelo SLU, como também os carrinhos de limpeza e as luvas. Estas últimas, ficam a responsabilidade delas higienizar, e conforme Jéssica, o seu ritual de higiene se mantém firme na semana, enquanto ela trabalha com um par de luva os outros pares ficam de molho, se preparando para serem usados nos outros dias.
No atual momento da pandemia, sem o trabalho dos garis a contaminação seria ainda maior, tendo em vista o alto descarte de materiais de proteção individual e médico. A colaboração dos agentes de limpeza frente a crise sanitária tem sido uma das formas de salvar vidas.

A varrição da dupla de garis começa às 16h da tarde e só acaba por volta de 0h. Os riscos são muitos que começam desde a ida ao trabalho no transporte coletivo, quanto a circulação de pessoas e os lixos descartados em sua volta enquanto trabalham.
“Grupos de risco estão afastados”, diz empresa
Em resposta a Agência de Notícias, a SLU sugere que a população faça o descarte com mais cuidado, com sacos duplos e borrifadas de álcool 70% no seu exterior e que eventuais descartes de seringas e agulhas sejam descartadas dentro de garrafas pet para não machucar os garis e assim proliferar qualquer tipo de contaminação. E garantiu que todos os servidores e terceirizados do grupo de risco estão afastados.
Em relação a empresa Valor Ambiental, Teresinha e Jéssica só fazem elogios. O cuidado da empresa com os trabalhadores se resume em: distribuição dos equipamentos de segurança, organização ao bater o ponto, distribuição de palestras sobre autocuidado e higiene durante o trabalho, e apoio psicológico.
“É discriminação”
Em contrapartida, elas não se sentem reconhecidas pelas autoridades públicas. “Nosso maior desejo é tomar a vacina o quanto antes”, lamenta Terezinha, que teme a rotina por ter diagnosticado doença cardiovascular que atinge o coração e as artérias. Ela, como passou por muitas dificuldades financeiras, voltou ao trabalho depois de ficar nove meses afastada no ano passado.
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O presidente do Sindicato dos Trabalhadores da Limpeza Urbana do Distrito Federal (SINDLURB), José Cláudio de Oliveira, 43 anos, 21 anos de atuação como gari e há mais de dez anos representando a categoria, enxerga a não inclusão de sua profissão no grupo prioritário como “uma discriminação”.
“Nenhum gari foi retirado um dia sequer das ruas. Todos os dias da pandemia os trabalhadores mantiveram-se nos seus postos. Mas o governo não dá a mínima importância para nós”, desabafa José Cláudio.
O sindicalista comenta que entre os meses de março e abril deste ano, três mulheres garis do DF morreram por complicações da covid-19. Por isso, a urgência da classe em ser vacinada o quanto antes. As vítimas fora Maria Odine, Kamilla Ferreira e Eli Pereira Tertuliano.
“Se todos os trabalhadores de limpeza urbana já tivessem recebido o imunizante, essas três mulheres poderiam estar vivas e com suas famílias”.
Ele ainda acentua que, conforme o seguimento das pessoas vacinadas, em um só dia daria para vacinar os quase seis mil trabalhadores do Serviço de Limpeza Urbana do Distrito Federal.
Sem o trabalho, gari passou necessidade

Por conta da cardiopatia, a médica de Terezinha solicitou seu afastamento do trabalho em março de 2020 até novembro do mesmo ano. “Passei nesses nove meses muita necessidade e vivendo às custas de doação da família”.
“Fiquei sem trabalhar e foi muito difícil, minha filha de 13 anos precisava de mim e nós chegamos a passar fome. Algumas vezes fiz faxina para ajudar na renda, mas em novembro não aguentei, pedi para voltar ao trabalho”, explica.
Ponto de apoio e solidariedade

No dia a dia, Terezinha e Jéssica sentem falta de pontos para lavar as mãos e se higienizar. As duas só conseguem se limpar na Rodoviária, antes ou no final do seu plantão, no Hospital de Base ou em um Posto Policial do SCS – seu principal ponto de apoio – , onde fizeram amizade com os policiais.
Os policiais deixam elas guardarem as vassouras, pás, carrinhos de limpeza, produtos de higiene pessoal, mochilas ou bolsas. Eles também permitem que as garis utilizem o banheiro, microondas – para esquentar as marmitas – e geladeira – para guardar os mantimentos.
Dupla jornada e a falta dos filhos

Enquanto isso para Jéssica, a profissão que carrega é sinônimo de felicidade e realização. Mas seu maior desafio é conciliar o trabalho e a rotina familiar. Ela que já está há nove anos como gari, consegue por meio desse trabalho sustentar seus quatro filhos: Miriam, 12 anos, Davi, 10, Daniel, 6, Assael, 3.
A trabalhadora sai de sua casa em Santo Antônio do Descoberto (a 40 km de Brasília) às 14h da tarde e só chega à 1h30 da manhã em casa. Por conta da sua jornada ocupar quase metade do seu dia, ao chegar em casa, ela se garante no que pode fazer mais pela família, pelos filhos.
“É cansativo essa rotina dupla de trabalho. Sinto culpa por ter que deixar eles para ir trabalhar, mas a vida não está fácil. Eles sentem falta de mim e eu deles, mas explico que tudo isso é por um bem maior”, comenta a jovem gari, que precisa deixar os filhos com a babá para conseguir trabalhar sem preocupação.
Ofícios e possível paralisação
Fonte: Sindlurb DF Facebook
O que José Cláudio juntamente com o SINDLURB tem feito é o envio constante de ofícios para a Secretaria de Saúde do DF, solicitando a inclusão dos garis como parte do grupo prioritário. Em contrapartida, a resposta da Secretária é que não existem vacinas o suficiente. .
“Se não tivermos nenhuma resposta benéfica, a solução é a paralisação do serviço. Para que só assim possamos ser notados. Se o trabalho de limpeza parar a cidade inteira para. Isso mostra a importância da nossa profissão”, anuncia.
Sobre o posicionamento da SLU em relação ao plano de vacinação, a empresa disse que apoia a inclusão dos garis na pasta. O órgão entende que já reforçou essa solicitação, mas ainda aguarda a tramitação do Projeto de Lei 1011/20 com a alteração do texto para incluir os garis como parte do grupo prioritário para a vacina.
Por Paloma Castro (texto e fotos)
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira