Eles já foram chamados de loucos, de estranhos, de diferentes… Já sentiram os altos e os baixos e as vulnerabilidades que significam sofrer de transtornos mentais. No Centro de Atenção Psicossocial II, do Paranoá, pacientes descobriram que podem ser agentes de suas próprias vidas. E mais: têm um programa de rádio só para eles. Agora, eles não são chamados. Eles chamam o mundo do que bem entenderem… em CAPS LOCK (expressão para letra maiúscula). Bastam alguns minutos ali dentro para perceber que o lugar não é um centro como outro qualquer. À medida que os pacientes lotam a recepção, o clima muda. Eles riem, contam histórias e interagem até que o espaço deixa de ser uma clínica, e passa a ser verdadeiramente um centro de atenção, lugar em que aquelas pessoas podem ser elas mesmas. É ali que conectam-se com o mundo, por rádio, jornal e seus gritos diários. Divulgam ideias e ideais. Quem era louco mesmo?
“O meu sonho é que todo mundo aqui seja feliz em tempo recorde”. A frase dita em tom teatral, por Darlly Priscila, resume o sentimento de esperança que o Caps Lock provoca nos pacientes do CAPS II. Darlly é uma das pacientes que busca tratamento psicológico e participa do Caps Lock desde sua criação.
Ao associar a sigla do Centro de Atenção, “CAPS”, com a tecla do computador, “Caps Lock”, pacientes e psicólogos deram nome a um projeto de comunicação. O Caps Lock usa o rádio, a produção de vídeos e as redes sociais, para integrar os pacientes com a comunidade e tornar o tratamento mais humano.
Os próprios integrantes do projeto, com a ajuda dos psicólogos Antônio Carvalho e Juliana Pacheco, lançaram a ideia que vai muito além da produção dos conteúdos. Antônio explica que, mais do que proporcionar uma forma de expressão aos pacientes “nossa proposta é a de reabilitação social e resgate de cidadania”.
O que chama atenção no CAPS II é a maneira como os pacientes se tratam e são tratados. Rodas de conversas, abraços apertados e muita risada são características do ambiente. Os integrantes se adoram. Os encontros ruidosos e a descontração do grupo passam a impressão de que todos fazem parte de uma mesma família.
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Cleuza de Lima, uma das pacientes, adora cozinhar e levar seus quitutes para compartilhar com os colegas do CAPS. Além do bolo –que ela demonstra um enorme prazer em fazer – Cleuza presenteia seus colegas com muitos abraços, enquanto vai contando histórias de seu dia-a-dia. Antes da saída para o passeio, Cleuza avisa:“o bolo estáno forno!”. Ela faz questão que, no final do dia de atividade, todos saboreiem o resultado de sua receita especial.
Sucesso
A convivência entre os pacientes e o incentivo à solidariedade são a chave para a fórmula de sucesso do Caps Lock. “O nosso trabalho visa a substituir a internação dos pacientes”, explica o psicólogo Antônio Carvalho. Isso porque, nas atividades executadas nas oficinas, os psicólogos incentivam que os pacientes se expressem e lidem com suas emoções.
“Nós internamos pouquíssimas pessoas”conta a psicóloga Juliana Pacheco. “A internação sóénecessária em último caso, quando uma crise étão grave que a família não tenha condições de cuidar desse doente. Os resultados das oficinas são indiscutivelmente melhores que os de qualquer internação.”

As vozes de Dona Antônia
Quem teve a ideia de usar o rádio como meio de divulgação foi Antônia Andrade. Conhecida carinhosamente por todos como “Dona”Antônia, ela escuta vozes que lhe transmitem mensagens divinas. Por isso, queria compartilhar seus pensamentos de paz com a população. Daípara a criação de um programa de rádio foi um pulo. O Caps Lock era o nome perfeito para o programa onde não sóela, mas todos os pacientes poderiam falar sobre aquilo que guardavam dentro deles.
Antônio e Juliana formataram o projeto e foram atrás da rádio comunitária do Paranoá, que aceitou a parceria.

“Eu sou muito cheia de ideias”, conta Dona Antônia, “e eu tenho alguns probleminhas de memória também”. Por isso, falar no rádio para divulgar as lições das mensagens que diz receber, foi a solução perfeita para a angustiada e comunicativa Antônia. “Eu também tenho um livro escrito e meu livro ébom, viu?”.
Ser participante do Caps Lock garante a ela a oportunidade de ser conhecida em outros lugares, já que aparece em vídeos e na rede social do projeto. No final das contas, as vozes de Dona Antônia foram responsáveis por abrir um espaço em que muitas outras vozes podem se expressar.
As vantagens de se comunicar
“Na rádio, a gente divulga tudo o que a gente faz”, explica Darlly Priscila, que há oito anos faz tratamento no CAPS II, do Paranoá. “A gente fala geralmente o que a gente faz de terapia pra poder ficar mais calmos, ou mais leves, ou extravasar”.
São os próprios pacientes que apresentam o programa. Cada um dos participantes pode falar o que quiser, e isso garante, por exemplo, a Dona Antônia, que ela possa transmitir suas mensagens de paz. “Este ano nós também vamos fazer um filme, pra projetar no final do ano”, Darlly conta animada. “E no final do ano a gente sempre faz uma festa!”.
Paulo Moreira é outro paciente que integra o projeto. Ele conta que o Caps Lock éuma forma de tratamento diferente da internação tradicional. “Se o paciente precisa de atenção, o CAPS pode dar essa atenção”. Ele faz essa afirmação, ao contar que certa vez, quando teve uma crise mais forte por causa da bipolaridade, teve que ficar internado, e a experiência não foi boa.
O Caps Lock também se preocupa com a integração social do paciente, inserindo-o no convívio com a família e a comunidade.“A depressão é muito ruim”, explica Paulo, “a gente sente angústia, falta de atenção e isolamento”. A participação nas oficinas do Caps Lock evita que o paciente passe por esse tipo de sofrimento.
Detalhes do projeto
O Caps Lock foi criado em janeiro de 2013 como um programa de rádio em que o Centro de Atenção Psicossocial fez uma parceria com a Rádio Comunitária do Paranoá. O projeto conta também com a produção de vídeos e a edição de um jornal do CAPS. Em média, quinze pacientes participam da oficina, que acontece todas às quartas-feiras, durante a tarde.
Os usuários dos serviços de saúde mental ainda precisam lidar com um estigma imposto pela sociedade. Exatamente por isso o Caps Lock busca ser um projeto interdisciplinar que–por meio da informação e do resgate cultural – ajude a população a entender que esses pacientes não precisam ser tratados de modo diferente, só porque estão dentro do serviço de saúde mental.
A maior meta do Caps Lock é informar a sociedade sobre o que é a Saúde Mental e ajudar na luta contra o preconceito e a discriminação, que só servem para aumentar dor das pessoas que são acometidas por intenso sofrimento psíquico.
Confiram o Documentário produzido pela jornalista Thaïs Martins que conta um pouco da história e da vida dos pacientes do CAPS.
Por Bruna Goularte