Obras revisitam Cora Coralina após 30 anos de morte

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Obras artísticas e estudos entraram na agenda cultural com a passagem dos 30 anos da morte de uma das maiores poetisas brasileiras, Ana Lins dos Guimarães Peixoto Brêtas, conhecida como Cora Coralina. Ela, que foi vítima de preconceito por defender minorias e lutar contra machismo na cidade onde nasceu, deixou legado que é revisitado também em Brasília e em Goiás.

Como explica a poeta e professora de literatura Graça Graúna, Cora continua viva pela trajetória que escreveu e, principalmente, pelo espírito poético. Nos versos de Sempre-viva, ao descrever o retrato da arte de Cora, Graça Graúna homenageia a escritora a quem tanto admira, “meiga, mansa/Cora Coralina/carregou dentro de si/ amarga e doce poesia/ tecida no esconderijo/ de todas as vidas/ nos becos/ sempre-viva”.

Assim como Graça, outros artistas e escritores eternizam os versos da menina Cora em trabalhos autorais. O diretor Renato Barbieri, por exemplo, lançou neste ano, na Cidade de Goiás, o primeiro longa sobre a poeta doceira da cidade. Cora Coralina – Todas as vidas é um documentário poético, que trabalha com a mistura de realidade e ficção.

Assista a material especial produzido pela Casa de Cora Coralina

Entre depoimentos de conhecidos e pessoas que estudaram o legado da escritora, as atrizes Maju de Souza e Camila Mádila constroem uma narrativa baseada nas diferentes fases da vida de Cora, descritas na biografia Cora Coralina – Raízes de Aninha. Em imagens de arquivos videográficos, a poeta também aparece no filme, que teve apoio dos familiares para realização.

Teatro

Ainda no mundo da encenação, a diretora e atriz Lilia Diniz inspira um dos principais trabalhos no legado de Cora. Com o roteiro de Cora dentro de mim – plantando roseiras e fazendo doces, a artista percorre, há 15 anos, diferentes estados do Brasil contando histórias da doceira. No palco, enquanto prepara um doce de banana para a plateia, Lília, que estará com peça em cartaz na Funarte nos dias 13, 14 e 15 de novembro, vive a essência de Cora.

“Cora tem o caráter de falar de um jeito simples e profundo, é uma figura feminina que vai a frente do seu tempo”, afirma a atriz. Para ela, a escritora traz “muitos” ensinamentos em seus escritos, já que mostra a fé do ser humano e como encarar os dias com doçura e leveza, como uma grande lição de amor.

Lília Diniz lembra que muitos discordam desse ponto de vista. Para ela, na Cidade de Goiás, onde está a conhecida ‘Casa velha da ponte’, muitos não dão valor a obra da poeta. “Ela enfrentou uma sociedade machista e optou por falar em becos, prostitutas e bêbados… deixando  uma marca na cidade, muitas vezes de negação”, acrescenta Lília baseada em estudos que realizou sobre a vida e obra da escritora.  “Muitas vezes, o moradores da cidade de Goiás, pelo posicionamento machista, rejeitam a influência dela na poesia, negam essa coisa bonita que a gente vê”, completa.

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Inspiração

Depois de uma vida em meios aos encantos das palavras, só aos 90 anos que Cora pode aproveitar o gosto de uma fama meteórica. Sem saber que alcançaria mais de 217 mil admiradores, entre eles Carlos Drummond de Andrade, ela morreu aos 95 anos, deixando lições de amor  em forma de verso. As marcas de uma moça que fugiu grávida e enfrentou o mundo para conseguir o amor, ficaram registradas nas palavras da eterna doceira.

Legado

Além das influências em diversas áreas da arte, a história de Cora Coralina pode ser encontrada, numa forma física, não apenas em livros e versos. Desde 1985, a Cidade de Goiás abriga o Museu Casa de Cora Coralina, mostrando algumas das principais obras mas, principalmente, tentando recriar o ambiente de vida da artista dando um banho cultural nos visitantes.

O município da Cidade de Goiás foi reconhecido em 2001 pela UNESCO como sendo Patrimônio Histórico e Cultural Mundial por sua arquitetura barroca peculiar, por suas tradições culturais seculares e carrega nas ruas traços e visões de Cora Coralina, inclusive no poema “Becos de Goiás”, onde a autora fala sobre a arquitetura da cidade.

 

“Beco da minha terra…

Amo tua paisagem triste, ausente e suja.

Teu ar sombrio. Tua velha umidade andrajosa.

Teu lodo negro, esverdeado, escorregadio.

E a réstia de sol que ao meio-dia desce, fugidia,

e semeia polmes dourados no teu lixo pobre,

calçando de ouro a sandália velha,

jogada no teu monturo”.

 

Cora Coralina nasceu em 20 de agosto de 1989, viveu a infância e juventude na Cidade de Goiás. Em 1911 mudou-se para São Paulo com Cantídio Tolentino, homem o qual viria a casar e ter seis filhos. Saiu da região paulista em 1956, retornando a cidade natal. A autora começou a escrever desde os 14 anos de idade com os primeiros escritos nos jornais da cidade mas só conseguiu publicar o primeiro livro, com 76 anos de idade.

 

 

Para Marlene Velascos, diretora e fundadora do Museu Casa Cora Coralina, as obras da autora refletem o perfil dos moradores locais e trouxeram mais beleza sobre a história da cidade. “A obra dela é memorialística, ela retrata as memorias, hábitos e costumes da nossa cidade. Ela traz também, muitas informações das coisas que ouvia de sua avó e outros membros da família. Tudo isso ela conseguiu repassar para a poesia”.

Velascos ressalta a importância social que as obras de Cora trouxeram, principalmente tratando da questão dos excluídos da sociedade, estes que, para autora, tem grande função para construção de qualquer identidade cultural. “Ela falava bastante daqueles que não tinham voz. Ela não fala dos grandes nomes da cidade. Ela falava da lavadeira, do menor abandonado, da prostituta, do lenhador, tudo isso para dar a voz para estes que as vezes não acreditavam em si mesmos”.

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Apesar de passar 45 anos fora da cidade natal, Cora Coralina não largou as raízes e disseminava a cultura da cidade pelo resto do país. Velascos acredita que a conexão entre a autora e as origens, tinha forças diferentes do normal. “Ela dizia que voltava mentalmente todos os dias pra cá. Era como se tivesse um porãozinho na cabeça dela que a trazia pra cá”.

A diretora acredita que o projeto do museu foi importante para continuar mantendo a cultura e memorias da autora vivas. Além disso, o local tem como  objetivo projetar, executar, colaborar e incentivar atividades culturais, artísticas, educacionais e filantrópicas visando, sobretudo, à valorização da identidade sociocultural do povo goiano, além de preservar a memória e divulgar a sua obra. “Hoje, Cora Coralina é a maior referência da literatura goiana. Ela é reconhecida não só na cidade e no estado, mas no Brasil e no mundo. Recebemos turistas do mundo inteiro que vem até aqui para conhecer onde a poetiza nasceu”.

Por Iris Cruz e Felipe Oliveira

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