Qual é a hora certa de ir embora da casa dos pais? Essa pergunta ganhou novos contornos em função da pandemia de covid-19. A necessidade de evitar exposição dos mais velhos diante de uma vida profissional fora de casa dos mais novos impôs que, ou fossem redobrados os cuidados, ou que fosse agilizada esse até logo, ainda que temporário.
A geração canguru é o nome dado ao grupo de jovens entre 25 e 34 anos que ainda moram na casa dos pais. Estudos feitos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2016, apontam que um a cada 4 indivíduos dessa faixa etária ainda residem com seus progenitores, 60,2% do grupo é composto por homens e grande parte vive no Sudeste do país, onde o custo de vida é o mais alto do Brasil.
Solidão
O psicólogo Alexandre Domanico da Cunha, 47, psicólogo mestre em psicologia clínica, afirma que não existe idade correta para sair de casa e deve ser considerada a maturidade e a capacidade de se manterem, para que assim não existam conflitos e frustrações. “As pessoas acharam que, saindo de casa, seria mais tranquilo. Só que eles podem encontrar a solidão”, disse o especialista. Além disso, ele alerta que o sentimento de solidão pode se agravar e chegar a um processo depressivo, intenso e constante na vida da pessoa, em função de ter que viver sozinho em um momento de isolamento, exemplificando a situação da pandemia.
Os cidadãos da “Geração Canguru” tendem a ser mais escolarizados do que aqueles que possuem a mesma idade e moram sozinhos, uma vez que sentem-se acomodados na residência dos seus responsáveis. “Os indicadores sugerem que a opção de permanecer na casa dos pais pode estar associada com o prolongamento dos estudos. Outros motivos levantados, e não passíveis de análise em pesquisas da PNAD, são de cunho psicológico como, por exemplo, a dependência emocional e a acomodação ao padrão de vida dos pais”, apontou a pesquisa do Instituto.
A analogia com os mamíferos marsupiais é o que dá nome aos jovens da Geração Canguru (Arte: Nathália Guimarães)
Pandemia
Com o surgimento da Covid-19 e do isolamento, a proteção contra o vírus tornou-se um ponto de mudança dos hábitos nos lares brasileiros. A fisioterapeita Patrícia Rodrigues, de 32 anos, afirma que aumentou os cuidados com higienização e passou a evitar locais de aglomeração para cuidar de si mesma e de seus pais, já que compartilhavam os mesmos ambientes diariamente.
“A principal mudança foi evitar ficar próximo a eles, e quando eu apresentava algum sintoma suspeito, me isolava. A pandemia modificou na questão de encontros familiares, não pude realizar comemorações”, relatou. A jovem diz que não tinha planos de sair de casa antes da pandemia e agora não vê motivos para sair, já que tem uma boa relação com os pais e mantém a amizade.
Já o biólogo Caio Silva, 30, afirma que voltou a morar com a mãe após o término de um período de estudos fora do Brasil. “O motivo da volta para casa dos pais não foi relacionado com a pandemia. A volta é temporária, enquanto não começo um novo emprego em outro país”, afirmou o rapaz. Contribuindo, assim, para a observação de mais um fator da geração canguru na fase pandêmica, a dificuldade de empregos com estabilidade para manter uma vida autônoma. A mãe, Maria Emília, servidora pública, diz que adora a presença do filho, mesmo entendendo a necessidade de uma vida separada dos pais.
Arte: Gabriella Tomaz
Ainda sobre o contato familiar durante o período de isolamento, o psicólogo afirma que muitas pessoas tiveram que conviver intensamente. “Conviver umas com as outras o tempo todo mostra que o relacionamento não é fácil. Entenderam que toda família tem os seus problemas e dificuldades, mas mesmo assim são uma família. A existência de problemas não significa falta de amor”, destaca.
Síndrome do “Ninho vazio”
Compreende-se como ninho vazio, segundo os especialistas, o período em que os filhos saem do lar para trilharem seus próprios caminhos. Quando a saída dos filhos é marcada por sofrimento, há o desenvolvimento da síndrome do ninho vazio. É uma sensação de vazio emocional e físico, normalmente sentido pela mãe, com a saída dos filhos de casa. O que pode ser considerado um fator para que, cada vez mais, o número de pessoas que continuam morando com os pais na fase adulta da vida para não decepcionar ou causar frustrações em suas mães e pais.
Por Fernanda Bittar, Isabela Amaral, Lorena Rodrigues e Maria Eduarda Cardoso
Artes: Gabriella Tomaz e Nathália Guimarães
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira