Quilombolas se consideram “libertos” com o acesso ao ensino superior

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Roseline Francisco dos Santos, de 26 anos, turismóloga e mestre em turismo, vive um sonho. De origem de família que vive em comunidade quilombola no município de Cavalcante, ela conseguiu algo inédito para a família dela: chegar ao ensino superior. O principal sentimento não é exatamente de vitória pessoal, mas de gratidão por ter sido estimulada a estudar. Roseline destaca que conseguiu adentrar em espaços que antes eram negados aos seus avós.

“É gratificante ver o meu povo escolher o que eles querem ser, e não serem o que lhes é imposto”. A educação do Engenho II, na comunidade Kalunga, é emancipadora e ensina o aluno a ser crítico. A busca é cada vez mais valorizar a autonomia dos quilombolas, dentro ou fora do território.

Sítio histórico

A comunidade quilombola Kalunga, que é originalmente povoada por descendentes de escravos, é uma comunidade que foi prejudicada pelo processo histórico dos africanos e afrodescendentes. O Quilombo Kalunga fica localizado no município de Cavalcante, mesma região da Chapada dos Veadeiros, e é reconhecida oficialmente pelo governo do Estado de Goiás, como Sítio Histórico que abriga o espaço Cultural Kalunga, parte essencial do patrimônio histórico e cultural brasileiro. Os Kalungas construíram sua identidade e sua cultura.

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Os mais velhos, explica a pesquisadora, não tiveram oportunidade de estudo, e tão pouco, tinham noção dos seus direitos.  Ela testemunha que os ancestrais eram colocados em empregos análogos à escravidão “ou com pouquíssima perspectiva de melhoria ou evolução, mal sabiam escrever seus nomes”. O cenário foi mudando com os jovens erguendo seu diploma e incentivando os outros a escreverem sua própria história e ajudarem seu povoado.

“A educação representa evolução. Para nossa comunidade, significa independência”, afirma João Francisco, 37 anos, que se identifica como professor e lavrador. Ele relembra a sua difícil luta para ter acesso ao ensino.

“Meu período de escola foi dividido em roça, escola e campo. Três dias na escola e dois no campo”.

João equilibrava a rotina dos estudos com a sacrificada vida de plantar os alimentos que sua família consumia e trazer toda a colheita da roça, na maioria das vezes, a pé em uma distância de 17 km de estrada de chão em um solo árduo.

Goiás

A comunidade do Engenho II só possuía turma até o Ensino Fundamental, para poder concluir os estudos. Por isso, João se mudou para o centro de Cavalcante e procurou emprego em uma casa de família. Lá trabalhava como gente grande em troca de comida, moradia e material didático. Em meio as dificuldade e barreiras do preconceito, João se licenciou em Letras na FUP (Faculdade Universitária de Planaltina).

Para ele, a maior dificuldade foi a falta de acesso. Algo que se repetia para todo seu povoado. Hoje, é professor mediador do Goiás TEC (um projeto do Governo Estadual e que tem como objetivo dar educação igualitária e acesso à tecnologia para as escolas mais isoladas e distantes do quilombo.

Evolução do povo

João nota a evolução no seu povo por todos os jovens terem acesso à educação sem precisarem percorrer 27km até uma escola e terem acesso a uma universidade. A conquista de um diploma nesse povoado representa a autônima dos povos que antes eram isolados e viviam do campo e dos subempregos que lhes eram oferecidos.

As melhorias vieram também para a comunidade, com o turismo predominante, foram destacadas pautas de preservação e empreendedorismo. A condição financeira deu passos largos graças ao turismo e ao comércio consciente de produtos naturais .

Os moradores compraram o tão sonhado carro para irem ao centro da cidade, e passaram a investir dentro e fora do povoado.

“Com estudo, aprendemos por que preservar, entendemos nosso solo e assim protegemos nossas riquezas”, afirmou, João.

O povo que antes era submetido a seguir as normas que lhes eram impostas, agora foram grupos da sua comunidade com membros próprios. Formam opinião e defendem seus direitos e deveres, decidem por melhorias na sua comunidade. Os analfabetos que antes eram “passados para trás”, agora são representados por seus netos e bisnetos em assembleias e associações Tudo em prol da comunidade.  “Nós nos representamos”.

Por Beatriz Souza
Fotos: Arquivo pessoais dos entrevistados
Edição de Luiz Claudio Ferreira

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