Tatuadora no DF cria projeto para ajudar mulheres após o câncer de mama

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“Hoje quem vai tatuar é você”. Foi isso que ela ouviu do tatuador ao chegar no estúdio em 2015.  A frase pode ter servido de  impulso que a jovem brasiliense precisava para se aventurar no mundo dos traços, tintas e agulhas.  Landa Lee é uma tatuadora que ajuda outras pessoas no processo de busca e recuperação da autoestima.

Landa Lee criou em 2018 o projeto “As flores nascem na primavera”

Imagem: Acervo pessoal.

As primeiras lembranças de vida já se misturam com a arte. Até nas atividades escolares de matemática, Landa já mostrava personalidade e enchia as folhas com desenhos e pinturas. Ali ela sabia que era por esse caminho que gostaria de seguir. Cursos de especialização, técnicas novas em desenho, pintura, escultura e uma graduação em artes plásticas. O currículo aumentava e a experiência como instrutora de arte para os mais diversos públicos também. 

Landa passou a ser conhecida e assinar suas obras como Landa Lee, por sugestão de uma amiga. Hoje, mais que um nome artístico, é assim que a tatuadora se apresenta e se identifica. Ao longo do tempo, ministrou aulas de artes plásticas de crianças a idosos e batalhava para conciliar a paixão pela arte com o trabalho como professora. A sala de aula era mantida pela certeza de uma renda fixa. Queria se sentir livre e procurava por novos rumos. “Eu sou inquieta, não ia conseguir ficar todos os dias em uma sala de aula. Foi quando surgiu a oportunidade que decidi deixar tudo pra lá para poder produzir arte e ter minha profissão ao mesmo tempo”.

O dia em que faria a segunda tatuagem, foi na verdade o primeiro passo do sonho. Na companhia da irmã chegaram ao estúdio, em Brasília, e lá estava o mesmo tatuador que há cerca de sete anos semeou nela a ideia da nova profissão ao ver seu desenho autoral para a tatuagem. Foi ele quem a levou até uma loja de materiais necessários para o trabalho. E se até ali, ela pensou que seria apenas uma pesquisa, ou um orçamento de um sonho, a irmã foi quem lhe ajudou a dar o próximo passo. Com o dinheiro de uma rescisão trabalhista, o primeiro kit para tatuar estava em suas mãos e com a ajuda do amigo tatuador marcou a pele da irmã com uma frase em escritos mexicanos nas costas (uma homenagem à sobrinha), uma tatuagem “ousada” para quem acabava de começar. 

De coração aberto, Landa conta a história com orgulho e inspira quem escuta. Ao se tornar tatuadora, de fato, Landa foi aos poucos encontrando estilo e seu lugar. Apesar dos inúmeros desafios e contratempos, descreve a profissão como um presente de Deus. Foi pela gratidão que a tatuadora decidiu que era hora de fazer mais, sempre envolvida em projetos sociais, pensava em algo além, como ela mesma conta. “Comecei a refletir, eu sempre quis trabalhar na minha área. Deus me presenteou com essa profissão, aí me veio uma consciência de que não posso ficar só nisso. Tenho que fazer algo a mais”. 

Em 2018, veio o “algo a mais”. Depois de pesquisar e encontrar ações parecidas, criou o projeto social “As flores renascem na primavera”, em Samambaia, com o objetivo de oferecer gratuitamente a mulheres que passaram pelo tratamento de câncer de mama, e por cirurgias como a mastectomia, tatuagens de camuflagem, reconstrução ou cobertura de cicatrizes. Até o momento, a tatuadora já teve seis mulheres com diferentes histórias e necessidades participando do projeto. 

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A atividade  acontece sempre no “Outubro Rosa”. Ela reserva um espaço na agenda para atendimentos como esses, que vão muito além da tatuagem. É um ato de transformação pessoal. Landa explica que o processo de reconstrução de cada mulher é único e depende das individualidades. “Tem cliente que perdeu completamente a aréola, algumas só uma parte, outras a mama ou até todo o tecido da mamário. Cada uma tem uma causa, um atendimento diferente”. Geralmente, são necessárias no mínimo duas sessões de procedimento. Após a avaliação do que deve ser feito, Landa inicia seu traçado. Por se tratar de um trabalho delicado e minucioso, a tatuadora faz a reconstrução de forma detalhada e superficial e solicita o retorno de cada cliente para a finalização do desenho, seja para um retoque ou reparo.

Ao tratar do assunto, Landa considera que se trata de um momento único, em que mulheres se despem de medos e vergonhas, lhe confidenciam segredos e trajetórias particulares, rumo à escrita de uma nova página da própria vida. “O mais interessante não é nem o procedimento da tatuagem em si, mas sim o contato direto com as histórias. Cada uma tem uma história muito diferente uma da outra”. 

Ainda em 2020, umas das participantes do projeto foi Patrícia Machado. Funcionária pública com formação em fisioterapia e enfermagem, a brasiliense descobriu antes mesmo dos quinze anos de idade nódulos nos seios. Mesmo com diagnóstico benigno, Patrícia fazia um acompanhamento médico anual. Quando mais velha, descobriu a predisposição ao câncer de mama. Após a fase de amamentação do filho, realizou uma cirurgia de retirada de tecido mamário. O que seria uma prevenção, mostrou que havia nódulos com características malignas.

Foram duas décadas de acompanhamento e, em 2019, o caminho da jovem tatuadora cruzou com o da mulher guerreira. Patrícia fez a primeira tatuagem com Landa em comemoração ao fim do tratamento de um novo câncer, dessa vez na tireoide. E assim, em conversas sobre o percurso, ela resgatou a história da cirurgia nos seios que lhe deixou cicatrizes e foi apresentada ao projeto por Landa. Patrícia confiou e decidiu dar mais um passo em busca de uma maior autoestima, corrigindo o formato das aréolas e disfarçando as marcas da cirurgia. Hoje, Patrícia tem registrado em sua pele o retrato de mais uma etapa vencida.

Por Julianne Belo

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

 

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