Um sonho em construção: A história de um casal pioneiro que ajudou a construir a capital

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Sob inspiração da música “Construção” e “Todo o sentimento”

Conhecidos pela comunidade, eles são exemplo de união e perseverança desde os primeiros dias da capital – Foto: Arquivo pessoal


Mais do que erguer uma cidade, eles construíram o amor. Desde o primeiro olhar, Judson e Lourdes souberam: seria para sempre. Sessenta anos se passaram desde o momento em que eles se encontraram. Em cada esquina, o amor se entrelaça ao lugar, transformando paredes em abraços e ruas em memórias. O amor é o lugar ideal para criar laços e memórias. É espaço para unir bagagens. A cada manhã, tarde e noite, os dois desfrutam juntos do que construíram ao longo dos anos. Inseparáveis, caminham lado a lado desde a época em que Brasília era apenas um sonho. Nos grupos da terceira idade e a cada quadra do Guará, o casal é conhecido como os eternos namorados pioneiros. O amor foi à primeira vista, mas, ao contrário do que muitos pensam, foi construído aos poucos, assim como a capital do Brasil.

O ano era 1959. Judson e Lourdes partilhavam de um sonho em comum: uma vida melhor. Como muitos outros, vieram para Brasília com expectativa nas mãos, histórias nas costas, e com esperança de um futuro melhor na nova capital. Naquela época, a construção da cidade mostrava uma dualidade. Para muitos pioneiros, Brasília não era apenas um lugar em transformação; era vista como oportunidade. Alguns vieram em busca de melhores condições de vida, para escapar da pobreza e da incerteza do campo. Outros em busca de recomeços e vida nova. Assim, Brasília se tornou um símbolo de esperança para essas pessoas.

O termo “brasiliense” designa aqueles que fazem de Brasília seu lar. “Candango”, por outro lado, refere-se inicialmente aos trabalhadores que migraram para a futura capital em busca de oportunidades durante sua construção. Foi nesse cenário que  nasceu a história do casal pioneiro. Quem diria que os caminhos desses dois iriam se cruzar?

Na casa deles, no Guará, a história está marcada nas paredes, com  vitórias e homenagens. Judson e Lourdes são testemunhas da construção de Brasília. Cada canto da casa parecia ser um fragmento da história que juntos compartilharam. Judson, com um sorriso tranquilo, me convidou a sentar e se dispôs, sem hesitação, a abrir as páginas de sua história.

Na contramão
O aposentado Judson Seraine Teles, que agora tem 92 anos, viveu uma infância e adolescência repleta de dificuldades em Corrente, no interior do Piauí, a 787,9 quilômetros de Brasília, onde assistiu a uma cidade e um amor nascerem.

Desde cedo, ele relembra que a família tinha dificuldades para a próxima refeição. Judson precisava trabalhar para ajudar a colocar comida na mesa. Criado pela uma tia, decidiu, aos 17 anos, que era hora de romper com aquele ciclo. Viu naquele momento que era capaz de viver experiências novas e melhores. Partiu, então, em busca de um futuro melhor no Centro-Oeste, onde sua jornada realmente começou. Isso mesmo, a pé.

Depois de alguns dias percorrendo várias cidades, chegou a Anápolis (GO). Logo, Judson conseguiu um trabalho para se sustentar, e conseguiu um trabalho de capinar ruas. Apesar das incertezas, ele estava determinado a buscar uma vida melhor. Nesse período, Judson conquistou a confiança do patrão, que lhe fez uma proposta irrecusável: ofereceu um caminhão-caçamba para ir até Brasília e ajudar na construção da cidade. O acordo era muito simples: se as coisas não dessem certo, o caminhão poderia ser devolvido. Judson estava enfrentando dificuldades financeiras e não queria seguir esse caminho. Mas, no momento em que estava prestes a devolver o caminhão, uma surpresa inesperada mudou para sempre o rumo da sua vida. O patrão reembolsou o valor pago e fez uma nova proposta

Leve o caminhão e comece sua vida em Brasília.”

Judson, desde então, começou a trabalhar no transporte de pedras para a construção de edifícios e monumentos da cidade com o caminhão. Depois, com o passar do tempo, se destacou e começou a prestar serviços para a Construtora Rabelo, e contribuiu na construção de obras como a Catedral, a Câmara dos Deputados e o Hospital de Base. Após cinco anos de dedicação, Judson finalmente conquistou o “emprego dos sonhos” da época. Ele tornou-se motorista na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), consolidando assim sua nova vida em Brasília.

Judson segurando livro onde mostra seu nome - que foi um dos pioneiros que ajudou a construir a capital
Judson chegou a Brasília carregando o peso de um caminhão e uma determinação inabalável. Hoje, ele é parte viva da história da cidade. – Foto: Mayara Mendes

Parece brincadeira, mas eu vim aqui trabalhar e não saí mais”
brincou Judson

Nas palavras de Judson, as lembranças da construção da capital revelam a intensidade daqueles dias. Os operários trabalhavam das 6h até às 12h, faziam um intervalo de uma hora e depois encaravam novo turno. Tijolo por tijolo. Não tinha horário para parar.

“Em Brasília, a gente trabalhava 24 horas por dia, sem parar, chovendo ou fazendo sol. Por isso, as obras foram concluídas tão rapidamente.” 

Lourdes

Brasília é uma cidade que se tornou a realidade de muitas outras pessoas. Além de ser um cenário de transformação, também teve espaço para muitos encontros. Judson conheceu Lourdes Seraine em 1961. Ela também fez parte da cidade em construção. Trabalhava como costureira, vestindo as primeiras-damas e as famílias dos políticos da nova capital. Com o talento delicado de quem domina a arte da costura, ela almejava, na juventude, novas possibilidades que pareciam distantes em sua terra natal. Nascida em Catalão (GO), a três horas da capital, veio para Brasília em 1959 e guarda na memória as propagandas de rádio da época, que descreviam Brasília como “a cidade dos sonhos” e “um sonho em construção”

O casal de pioneiros Judson e Lourdes em frente ao Hospital de Base.
O casal é exemplo de união e perseverança desde os primeiros dias da capital. – Foto: Arquivo pessoal

Sua “eterna namorada”, como Judson a chama, queria ter melhores oportunidades de vida. Hoje, aos 86 anos, ela relembra aqueles tempos com um brilho nos olhos, expressão de quem venceu adversidades e aproveitou as oportunidades que Brasília lhe ofereceu.

Eu tinha um objetivo claro: queria ser uma boa costureira, mas a situação não foi fácil”, diz Lourdes, sobre os primeiros passos na capital em construção

Quando perguntei a ela sobre os desafios pessoais que enfrentou ao se mudar para a capital, Lourdes falou sobre o peso de ser uma mulher separada, algo que, naquela época, era pouco aceito.

“Na verdade, o maior desafio para mim foi lidar com a separação. Já havia deixado meu ex-marido duas vezes, e naquela época, ser uma mulher separada era um grande obstáculo. A sociedade não via isso com bons olhos.”  disse Lourdes

Naqueles dias, a infraestrutura ainda era quase um sonho distante. Cada passo dado representava uma luta constante. Lourdes me contou algumas das dificuldades que enfrentou em detalhes: “Não havia infraestrutura. Lembro de uma vez em que meu filho se machucou. Eu estava com um copo de vidro e, sem querer, derrubei-o na mesa, causando um acidente. Fiquei tão confusa que não sabia a quem recorrer para levá-lo ao hospital,” relembrou.

Apesar de todas as dificuldades, ela manteve-se resiliente, sempre acreditando em dias melhores. Sua esperança foi o que a impulsionou a seguir em frente, mesmo nas adversidades. “Depois que a gente vence, eu acho que a gente deve saber viver com o que ganha. Nunca busquei ostentação ou luxos; sempre acreditei que a verdadeira riqueza está em saber viver com o que se tem e ser grata a Deus por cada conquista.”

Os dois já tinham experiências de casamentos anteriores, mas, um ano depois, decidiram “juntar os trapos”, como costumavam dizer, e se casaram. 

‘“Naquela época, não havia divórcio, e eu não sabia que estava grávida do meu filho mais velho. Ele (Judson) trouxe três filhos de seu casamento anterior, e eu levei dois. Assim, formamos uma nova família, incluindo nossa filha caçula que é fruto da união dos dois” explica Lourdes.

Em tempos em que o amor parecia não ser a prioridade da rotina, eles tiveram a ousadia de viver esse sentimento. Judson, além de ser um pioneiro, encontrou na poesia um refúgio. E em homenagem a Lourdes, dedicou-lhe um dos seus inúmeros poemas:

“Decidi viver e morrer aqui / Sendo amor à primeira vista / Mesmo sendo cada um por si / Sendo assim a maior conquista.”

50 anos em 5

 De diferentes cantos do país, os trabalhadores chegaram com esperança e dedicação, construindo com suor os pilares de uma nova capital. – Foto: Arquivo público- DF

O historiador Elias Manoel destaca que “o movimento para a transferência da capital estava bastante adiantado. O grande mérito de JK foi a coragem política de dar continuidade a esse projeto. Ele não idealizou Brasília; toda a estrutura já estava planejada e em execução desde os governos de Eurico Gaspar Dutra, Getúlio Vargas e Café Filho. O que faltava, efetivamente, era uma decisão política. “A visão de Juscelino foi perceber que, ao tomar essa decisão, poderia agregar um valor significativo à sua carreira e aos seus planos de governo.

Durante sua campanha, ele apresentou inicialmente 30 metas, mas, logo após os primeiros comícios, introduziu uma 31ª meta: a construção da nova capital, que se tornaria a meta principal de seu governo.
“Embora inicialmente não falasse sobre Brasília, ao ser questionado sobre a nova capital nas primeiras comissões, ele viu a oportunidade de integrá-la à sua plataforma. Dessa forma, JK não apenas reconheceu a importância da nova capital, mas também tomou a decisão política necessária para abraçar esse legado, aproveitando o trabalho já realizado para concretizar um sonho que se tornaria fundamental para o futuro do Brasil.” frisou o historiador.

Ao recordar o período da construção de Brasília, Lourdes destaca a importância de Juscelino Kubitschek. “A história realmente começa com JK, que, apesar dos desafios enfrentados, desempenhou um papel crucial na criação da nova capital. Ele não agiu sozinho; a Comissão Exploradora do Planalto Central, conhecida como Missão Cruls, foi essencial na busca pelo local ideal para Brasília.”

Judson, por sua vez, compartilhou sobre uma carta manuscrita que recebeu de JK como forma de agradecimento pelos serviços prestados durante a construção da cidade. Na carta, Juscelino expressa sua gratidão e reconhece o patriotismo de Judson, ressaltando seu papel na condução da causa do desenvolvimento nacional.

Comissões

Sonhada por dois séculos, a criação de Brasília – inaugurada em 21 de abril de 1960 – tem suas raízes em projetos que começaram a tomar forma já no período colonial. A Comissão de Localização da Nova Capital e a Comissão Exploradora do Planalto Central foram dois grupos distintos envolvidos na escolha e planejamento da nova capital do Brasil, Brasília, mas com propósitos e contextos diferentes.

A Comissão Exploradora do Planalto Central, era composta por 21 membros e liderada pelo astrônomo e geógrafo belga Louis Ferdinand Cruls e ficou conhecida como Missão Cruls. A equipe demarcou uma vasta área de 14.400 km², considerada ideal para a nova capital, que ficou conhecida como o “Quadrilátero Cruls”.

Elias Manoel diz que é fundamental reconhecer as comissões formadas no início da República, que estabelecem diretrizes importantes para a localização da nova capital.

“A Comissão Cruls, em particular, foi a referência primordial para todos os projetos subsequentes até o início da construção da capital federal. Em outras palavras, apesar das incertezas sobre a localização exata, a região do Planalto Central, definida pela primeira comissão, permaneceu como o ponto focal, abrangendo um território muito maior do que o atual, que era de 14.400 quilômetros quadrados. Essa decisão inicial moldou o futuro da cidade e sua expansão.”

A equipe de Cruls tinha pesquisadores, geólogos, geógrafos, botânicos, naturalistas, engenheiros e médicos, que realizaram estudos científicos pioneiros na região. Mapearam aspectos climáticos e topográficos, analisaram a fauna e a flora, exploraram os cursos dos rios e investigaram o modo de vida das comunidades locais.

Por outro lado, a Comissão de Localização da Nova Capital foi criada em 1956, durante o governo de Juscelino Kubitschek, com a tarefa de identificar o local exato para a construção de Brasília. Formada por técnicos, urbanistas e arquitetos, a comissão contou com a liderança de Lúcio Costa, responsável pelo plano piloto da cidade.

Essa comissão desempenhou um papel crucial na concretização do projeto de mudança da capital do Rio de Janeiro para o interior do país, com o objetivo de promover o desenvolvimento e a integração nacional.

Primeiros desafios

O historiador aponta ainda que a ideia de construir uma nova capital não contava com um consenso político. Naquela época, muitos partidos, especialmente os da oposição eram firmemente contrários à proposta. A maioria dos parlamentares considerava a criação da nova capital como um gasto excessivo, especialmente em um Brasil ainda pobre e predominantemente rural na década de 1950, que enfrentava outras prioridades mais urgentes.

Elias destaca que: “A ideia de destinar milhões do orçamento nacional para uma nova capital parecia, para muitos, um uso inadequado dos recursos.”

Ele acrescenta que “a proposta de construir uma nova capital no Cerrado, em uma região com baixa densidade demográfica e infraestrutura precária, era vista como uma loucura. A propaganda contra Juscelino Kubitschek e Brasília era intensa e muito eficaz, contribuindo para a resistência da opinião pública.”

Outro desafio significativo veio dos servidores públicos. Muitos estavam estabelecidos no Rio de Janeiro, onde desfrutavam de uma vida confortável, com acesso à praia e infraestrutura urbana. “A perspectiva de mudar para um local totalmente novo, sem a infraestrutura básica e com tantas incertezas, era desanimadora. A resistência dos servidores foi, portanto, um obstáculo relevante”, conclui Elias.

Eixo rodoviário na inauguração de Brasília – em 21 de abril de 1960 – Foto: Arquivo público- DF

Marco Zero 

O Marco Zero, ponto inicial do projeto do arquiteto Lúcio Costa para a capital federal, foi recentemente redescoberto por operários durante a restauração do pavimento do Buraco do Tatu, ligação entre as asas Sul e Norte. Situado no cruzamento dos eixos Monumental e Rodoviário, que estruturam o Plano Piloto, o Marco Zero é essencial para a geografia de Brasília e não poderia ter sido posicionado em outro lugar.

Além de um ponto de partida geográfico, o Marco Zero carrega memórias coletivas que reafirmam a importância histórica de Brasília. Uma das histórias ligadas a ele é a de Joffre Mozart Parada, natural de Vianópolis (GO), o primeiro engenheiro a chegar a Brasília e liderar a equipe responsável pela demarcação do Plano Piloto e pela localização do Marco Zero. Na época, como chefe de topografia, Joffre realizou trabalhos essenciais, incluindo a demarcação das terras e a criação do primeiro mapa do Distrito Federal. Sua filha, a engenheira Thelma Parada, herdou a paixão pela profissão e mantém viva a história das contribuições do pai para a construção da capital. Essa é mais uma história de amor.x .

Ao lembrar da cidade que o pai também ajudou a construir, Thelma compartilha memórias afetivas da família e preserva o legado de um dos pioneiros de Brasília.

“Nossa primeira casa foi na Candangolândia, e logo depois nos mudamos para o Plano Piloto. Naquela época, a W3 norte era um lugar deserto; eu e as crianças do bairro brincávamos ali mesmo, no asfalto, em frente à nossa casa. Quando ouvíamos um carro se aproximando, corríamos para tirar nossas panelinhas de brinquedo, e, assim que passava, voltávamos a brincar” relembra Thelma

Confira entrevista de Thelma Parada para a Agência de Notícias CEUB no quadro memórias da Capital


Já Helen Teodoro Seraine Fagundes, de 62 anos, filha do primeiro casamento de Judson, também relembrou com carinho algumas histórias familiares e falou sobre os pontos turísticos que costumava visitar na infância. As lembranças dos passeios em família permanecem vivas em sua memória, especialmente o Buraco do Tatu, um dos lugares que mais frequentavam e que se tornou um marco nostálgico em suas recordações. “É um legado maravilhoso saber que eles foram parte fundamental dessa história. Hoje, ao caminhar por Brasília, lembro de lugares como o “buraco do tatu” na rodoviária central, onde a tia Lurdes sempre cuidou da família, costurando e ensinando o valor da honestidade e do trabalho duro”.

Arquitetura

Infográfico feito pelo Birô de Criação

Brasília foi inaugurada em 21 de abril de 1960. A data marca a transferência oficial da capital do Brasil do Rio de Janeiro para a nova cidade, que foi projetada para simbolizar a modernização e o desenvolvimento do país.

A arquiteta urbanista Angelina Nardelli destaca que Brasília foi projetada como a nova capital do Brasil, e seu layout em forma de avião, com amplas avenidas e setores distintos, reflete uma visão progressista da época. Os edifícios de Oscar Niemeyer, com suas formas curvas e uso inovador de concreto, tornaram-se ícones reconhecidos internacionalmente. 

“Como patrimônio mundial, Brasília está sob constante observação de outros países. Nós, brasileiros, não podemos permitir que governos ou grupos interessados na especulação imobiliária desconsiderem essa importância”, concluiu Angelina. A partir desse reconhecimento, a construção de Brasília passou a ser vista sob diferentes perspectivas históricas. Em 1987, a cidade foi oficialmente reconhecida pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) como Patrimônio Histórico e Cultural da Humanidade.

Helen compartilhou comigo que uma das coisas que mais a emociona é saber que seu pai participou da construção da Catedral. Ela se encanta com a arquitetura moderna do monumento e menciona como é gratificante perceber que, mesmo em tempos desafiadores, o casal conseguiu vivenciar momentos felizes juntos.

“Eu acho extraordinário aquela arquitetura e saber que o papai também esteve ali no início na base da base da catedral, ali nas ferragens para sustentar aquela arquitetura tão linda para mim, é um orgulho saber disso. Saber que os dois: papai e tia Lurdes estão até hoje firmes em relembrar e agradecer a Deus o quanto eles foram felizes“ disse.

Depois da capital

Após a construção da nova capital, o próximo passo foi desenvolver o entorno. Judson e Lourdes desempenharam um papel ativo na formação da região administrativa do Guará. Em 1967, Rogério Freitas Cunha, então presidente da Novacap, convidou Judson para participar do mutirão que daria origem ao Guará, oferecendo-lhe a oportunidade de conquistar sua própria casa ao se envolver nas obras. Assim, Judson foi integrado a um dos grupos designados para a construção da QE 1, apesar de o mutirão ter começado pela QE 5.

Na mesma época, Lourdes recebeu uma casa da SHIS, hoje conhecida como Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab), em Taguatinga Norte. O amor que antes era apenas entre o casal logo se multiplicou, e juntos construíram um lar para seus seis filhos – três de Judson, dois de Lourdes e um adotado. A vida continuava a surpreender, trazendo novas oportunidades ao longo do caminho. Apesar de já terem uma casa em Taguatinga Norte, o sonho do casal era estabelecer-se no Guará, mesmo que a infraestrutura fosse inferior à da outra cidade. E assim, permaneceram até hoje.

“Nos apaixonamos pelo lugar. Meu marido sempre se esforçou para que tivéssemos o que precisamos, e isso é o que importa”, disse Lourdes.

Entre construções e esperanças, conversei ainda com as três filhas do casal: Lana, Hellen e Greice. Lana Furtado, de 61 anos, filha do primeiro casamento de Lourdes, rapidamente se lembrou de uma história marcante sobre seu padrasto, que considera como pai. Judson, que na época já era motorista da Novacap. Certa vez, ele teve a oportunidade de dirigir para uma pessoa muito importante, o que significaria uma remuneração melhor. No entanto, decidiu recusar essa “promoção” por um motivo muito maior.

“A razão foi simples: ele sabia que, se aceitasse, não teria um horário fixo para voltar para casa e ver a gente acordado. Ele sempre dizia que não queria abrir mão desse tempo em família. Lembro-me de como ele comentava que, se aceitasse, estaria cometendo uma espécie de ‘mancada’. Isso me marca até hoje, pois ele priorizou a família acima de tudo”, lembrou Lana.

Quanto à admiração por Brasília após a construção, Lana compartilha a paixão que seus pais têm pela cidade que ajudaram a erguer.

“Meus pais continuam apaixonados por Brasília. Minha mãe, (Lourdes), por exemplo, transforma até as idas ao médico em passeios pelo Plano Piloto, admirando a beleza da cidade. Eles realmente amam Brasília. Às vezes, me pego pensando em como devem se sentir ao revisitar a cidade que ajudaram a construir, já que, quando nasci, Brasília tinha apenas dois anos. É fascinante refletir sobre como era a cidade naquela época.”

Helen também compartilhou comigo que uma das coisas que mais a emociona é saber que seu pai participou da construção da Catedral. Ela se encanta com a arquitetura do monumento e menciona como é gratificante perceber que, mesmo em tempos desafiadores, o casal conseguiu vivenciar momentos felizes juntos.

“Eu acho extraordinário aquela arquitetura e saber que o papai também esteve ali no início na base da base da catedral, ali nas ferragens para sustentar aquela arquitetura tão linda para mim, é um orgulho saber disso. Saber que os dois papai e tia Lurdes estão até hoje firmes em relembrar e agradecer a Deus o quanto eles foram felizes“ disse. 

Ela reforça também o legado que seus pais deixaram. “Eles sempre contam sobre as chuvas e o frio, as longas horas de trabalho que enfrentaram na construção de Brasília, um esforço que, em apenas cinco anos, equivale a cinquenta anos de trabalho. Sou muito grata a Deus por tudo que eles conquistaram..” concluiu.

Greice Seraine, de 60 anos, também filha do casal, compartilha que sempre acompanhou Brasília de perto. Quando havia uma inauguração na cidade, Judson e Lourdes faziam questão de levar os filhos e, depois, virou costume repassar a história aos netos e bisnetos.

“Sempre que inauguravam algo novo, minha mãe nos levava para participar das celebrações, fosse no parque, na torre de TV ou no Teatro Nacional. Lembro dela nos levando para acompanhar a construção do teatro e depois para eventos na concha acústica.  Essa tradição se mantém até hoje, agora com os netos e bisnetos, onde meu pai conta a história de cada lugar, como o Palácio dos Três Poderes e a catedral. Hoje, visitamos o Memorial JK e muitos outros espaços, sempre revivendo essas memórias juntos “, finalizou.

Pioneiros e apaixonados, Lourdes e Judson compartilham a história de Brasília com seus filhos e netos, mantendo viva a memória de sua jornada – Foto: Arquivo pessoal 

Talvez o amor seja isso: um sentimento que muitos chamam de “à primeira vista”, mas que, na verdade, se transforma na escolha consciente de um caminho compartilhado. Eles se amam como se cada instante pudesse ser o último, abraçando o presente com fervor.

O destino, com suas reviravoltas, entrelaçou Judson e Lourdes na construção da nova capital, onde cada tijolo erguido ressoa com o eco de seus sonhos e aspirações. Agora, buscam viver sempre juntos, colhendo os frutos de amor dessa construção.  

Para saber mais sobre essa história, ouça o podcast “Capital do país, um sonho em construção” uma produção para a disciplina de radiojornalismo 2, do 6º semestre, sob supervisão da professora Isa Stacciarini. 

Por Mayara Mendes
Sob supervisão dos professores Luiz Claudio Ferreira e Gilberto Costa

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