
Em meio à crise hídrica que impôs racionamento de água à população no Distrito Federal, incluindo multas para elevações de consumo, o secretário de Meio Ambiente, André Lima, reconhece que a agroindústria precisa aperfeiçoar os seus sistemas de irrigação. A atividade tem elevado gasto para manter a produção em tempos de crise econômica só que, ao mesmo tempo, é considerada por especialistas uma vilã em relação ao consumo de água. “O agroindustrial já é um ramo mais industrial do que agrícola”. O secretário lembra que a agropecuária também eleva o gasto. “Para produção de um quilo de carne, se gasta 15 mil litros de água”. Confira abaixo os principais pontos da entrevista:
Produção de soja “muito intensa”
Secretário André Lima: No Brasil o dado que a gente tem da Agência Nacional de Água (ANA), é de que o setor agrícola usa 70% da água disponível, e 30 % vai para o uso urbano e o uso industrial. O agroindustrial já é um ramo mais industrial do que agrícola. Por exemplo, muito da soja usa irrigação. Aqui em Brasília, a gente tem uma produção de soja muito intensa e com bastante uso de água. Mas também temos muita pequena agricultura, agricultura familiar, assentamentos, que também usam muita água. E Brasília tem se destacado também por ter algumas iniciativas bem interessantes em agroecologia, que também precisa de água, mas são áreas que usam água mas também produzem água. A produção mantém o mínimo de vegetação nativa, as matas ciliares, protegem as nascentes, produzem agrofloresta que ajudam a manter umidade. Então no campo agropecuário, se tem desde a pecuária menos produtiva e muito degradadora. Por exemplo que mantém gado pisoteando em áreas de nascente e matas ciliar. O gado vai beber água até o rio, e ali ele degrada a margem do rio com assoreamento, com urina na água. Então tem desde esse problema até sistemas agroecológicos que fazem uso eficiente da água.
“Como vamos passar por cinco meses de estiagem?”
Secretário André Lima: Desde que Brasília foi fundada, nunca passamos pelo que estamos passando hoje. De precisar de racionamento, e de temos os nossos reservatórios com menos de 50% do total. E já estamos em via de começar a secar, e vai chover no máximo por mais um mês. Possivelmente não vai chegar a 60%, 70% do reservatório. E como vamos passar por cinco, seis meses de estiagem com os reservatórios com 50%, 60% da sua capacidade? Vamos ter que aumentar o racionamento, vamos ter que tomar medidas mais duras em relação ao consumo de água.
Demanda agropecuária
Secretário André Lima: Para cada quilo de carne produzido na agropecuária, são milhares de litros. São 15 mil litros de água para produzir um quilo de carne. 15 mil litros de água correspondem ao uso de 150 dias de água para uma pessoa, recomendado pelo OMS. São recomendados, no mínimo, 100 litros de água por dia, por habitante. Se fizermos as contas podemos ver. A água que poderia servir durante 150 dias para uma pessoa, é usada para produzir um quilo de carne. A pecuária é muito intensa, mesmo se for fazer essa pesquisa é possível ver que para produzir uma tonelada de soja, são necessários milhões de litros de água. A produção agrícola precisa de muita água.
Na agroindústria também, por exemplo, a produção de tecido (tem elevado gasto). Quanto de água é necessário para produzir uma calça jeans? Para fazer aquela tintura tem que ter uma lavagem na calça, então são milhares de litros de água para produzir uma calça jeans também.
Tecnologia verde
Secretário André Lima: Há hoje algumas tecnologias que são menos intensivas em uso da água. Algumas máquinas de lavar louça que são bem econômicas, porque usam mais o calor para limpar e pouca água, o vapor. Então se tem hoje muitas tecnologias disponíveis, e cada vez mais a preços acessíveis e para a economia de usos da água. Para a agricultura, uma pesquisa chamada “agro estruturada”. É um tipo de tratamento da água, que quando é usada para a agricultura, a planta absorve mais a água e mais rápido. Então ela precisa de menos água. É um tipo de tratamento da água, que é absorvida mais rapidamente e melhor pelas plantas, ou seja, as plantas precisam de menor quantidade de água. Dizem que economiza entre 20 a 30% da água para irrigação em um simples tratamento da água.
Produção em larga escala e uso consciente
Secretário André Lima: Eu acho que são desafios simultâneos. Eu acho que é preciso cada vez mais urgente buscar novas tecnologia e metodologias de produção, (para tornar) cada vez menos intensivo de uso e agua. Por exemplo, sistemas agroflorestais. Eles ajudam no médio e longo prazo a precisar de menos água. Porque são sistemas, que são metodologias de produção, de alimento que mantém a umidade no solo.
Se você medir a temperatura de um solo, de uma produção frutífera, num sistema tradicional e dentro de uma agrofloresta. Você vai ver que a temperatura do solo é bem menor na área de agrofloresta, e bem mais úmida. Há umidade do solo é uma coisa importante na produção agrícola. Porque se ela está direto sobre a intensidade do solo, o mesmo tem uma característica. Se ele está coberto,você tem muita matéria orgânica acumulada, se tem menos consumo de água para produzir alimento dentro de uma agrofloresta. É uma tecnologia, mas em realidade é uma metodologia de produção. Então isso tem que avançar muito, e tem avançado.
O que é preciso é cada vez mais investir mais nisso, a Embrapa investiu milhões, para poder produzir soja no cerrado. Porque há 50 anos atrás ninguém acreditava que era possível produzir soja no cerrado, por causa da acidez do solo. A Embrapa desenvolveu tecnologias da agricultura tropical. E o Brasil hoje é um dos maiores produtores de soja do mundo em função de investimento em tecnologia de produção de soja do cerrado. E é o que mais mata o cerrado hoje é a soja. É preciso investir alguns milhões em novas tecnologias menos intensivas no uso de terra e de água. Por outro lado tem o cidadão, todos sentindo o impacto de uma crise hídrica.
Conscientização e benefícios para produção no campo
Secretário André Lima: Existem algumas iniciativas. Por exemplo, o Fundo de Desenvolvimento Rural está investindo recursos em linhas de crédito para os produtores mudarem os seus sistemas de irrigação. Porque tem sistemas de irrigação que são mais econômicos e eficientes. Outros são menos eficientes. Os produtores precisam migrar para utilizar cada vez mais sistemas de irrigação eficientes. Então há recursos que seriam investidos nisso, para mudar todo sistema de irrigação.
Aqui na Secretaria do Meio Ambiente, nós aprovamos dois projetos interessantes. Um para fazer uma parceria do Fundo de Meio Ambiente com o Banco Regional de Brasília (BRB), para oferecer crédito para a mudança de tecnologia de usos de água em micro e pequenas empresas. Por exemplo bares e restaurantes. Boa parte dos bares e restaurantes ou são pequenas ou microempresas, e eles precisam reestruturar todos seus equipamentos para ter uma economia forte de água. Então queremos oferecer linha de créditos, para dividir em 50 vezes, se possível sem juros, para poder ter essa mudança tecnológica nesses bares e restaurantes. E também desenvolvemos um concurso, porque meio ambiente não é só punir, multar, fiscalizar. Também tem que ser incentivo. Então desenvolvemos um concurso, na realidade são quatro concursos. O de iniciativa urbanas sustentáveis, iniciativas rurais sustentáveis, iniciativas empresariais sustentáveis, e iniciativas educacionais sustentáveis. Está sendo investido em torno de R$ 1,5 milhão.
Por Júlia Andrade e Malu Burlamaqui
Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira