Uma horta é a sala de aula. Nos fundos da escola, alunos e alunas do Centro Educacional (CED) Professor Carlos Mota se preparam para o plantio de hortifrutis: coentro, cebolinha e alface. Com uma caixa cheia de hortaliças fresquinhas, o coordenador do turno integral, Robson Braga, instrui os estudantes sobre como cuidar, arar e plantar na terra do Lago Oeste. Essa é a base da alimentação. Uma rotina que faz parte da vida de 870 estudantes na unidade de ensino.

“Pessoal, prestem atenção! Peguem com cuidado as mudas. Vamos fazer pequenos buracos com gravetos na horta para plantar”, ensina Braga. “João, pegue o fertilizante, está bem ali. Gabriel, com a enxada, a gente mistura bem a terra e o adubo”.
A horta escolar abriga um ambiente repleto de plantas medicinais e árvores frutíferas. Segundo a nutricionista e moradora da região, Ana Beatriz Coutinho, inserir produtos típicos do cerrado na alimentação dessas crianças repercute na saúde delas.
“Elas conseguem ter uma perspectiva de vida mais nutritiva. As crianças acabam consumindo alimentos mais orgânicos, alguns que vêm da própria região, com uma quantidade menor de agrotóxicos. A gente percebe que elas têm uma aceitação maior desses alimentos que são naturais.
A técnica hidropônica
Ao lado da pequena plantação a turma se divide, e o professor de ciências Lucas Nobra ajuda os alunos a fazerem um sistema de plantação hidropônica com as próprias mãos. Ele explicou que essa é uma técnica de cultivo de hortaliças – a da vez foi o alface – sem a utilização da terra.
Uma caixa de isopor, vedada com fita isolante prateada, é preenchida com água. Lucas mostra que o líquido é misturado junto a minerais que nutrem o vegetal até o ponto de colheita. A fita impede que a água aqueça e evapore quando o sistema estiver exposto diretamente ao sol.
“A ausência de solo na hidroponia reduz significativamente o risco de pragas e doenças que normalmente afetam as plantas cultivadas no solo”.

Além de reduzir esse risco, a hidroponia consequentemente utiliza menos pesticidas e produtos químicos no plantio por não ter o contato direto com o solo. Esse método é mais sustentável, pois o gasto de água é menor em comparação a agricultura tradicional.
No fim do dia, nas entrelinhas, esse sistema aproxima as crianças com a natureza e a agricultura, além de promover a conscientização sobre a importância de uma alimentação equilibrada e saudável com o auxílio dos professores.

Essas são apenas algumas das várias atividades que o Centro de Ensino realiza para fazer jus a sua proposta de existência: atender aos anseios da sociedade que pulsa no Lago Oeste e ser referência entre as escolas rurais.
Ele fica em uma região localizada na DF – 001, e partilha sua existência com o Parque Nacional de Brasília e a Reserva Biológica da Contagem. A 30 quilômetros da rodoviária do Plano Piloto, o Lago Oeste clama por visibilidade.
Hábitos de alimentação
As pessoas têm hábitos alimentares diferentes. É compreensível dizer que, com o desenvolvimento do mundo globalizado e a dinamização do tempo nas relações humanas, a maneira de nos relacionarmos com a comida mudou. A correria do dia a dia e a rotina nos grandes centros urbanos transformaram o conceito de café da manhã, almoço e jantar.
Aquela refeição do meio-dia, antes destinada para uma alimentação que envolvia arroz, feijão, salada e uma proteína animal, deu lugar aos fast-foods, salgados e ultraprocessados. De consumo rápido, essas comidas caíram como uma luva no costume dos brasilienses que moram no centro da capital.
Acontece que a realidade destacada na cidade não necessariamente reflete os hábitos de alimentação em zonas rurais, como a do Lago Oeste.
“A qualidade da alimentação depende de vários fatores, incluindo o acesso a alimentos frescos, estilo de vida, conhecimento nutricional e hábitos alimentares individuais”
Ana Beatriz Coutinho, nutricionista.
Nessa zona rural, não existem grandes supermercados ou redes de fast-foods. Isso deveria ajudar a que as famílias tenham contato exclusivamente a alimentos frescos, como frutas, legumes e produtos lácteos. “Comer na rua é caro”, diz a nutricionista, que testemunha que isso não faz com que os produtos industrializados, tais como enlatados ou guloseimas, não entrem na comunidade.
Os chacareiros e chacareiras (trabalhadores rurais que cuidam e realizam a manutenção das chácaras) são enraizados pelo contato com o natural, que é transmitido para a família e vice-versa. Esse contato faz parte do cotidiano dessas famílias e isso ajuda na manutenção de uma cultura alimentar.
Aprender a comer
Na área de convivência do CED Carlos Mota, tomada por crianças do ensino fundamental, os estudantes se organizam em fila para receber uma deliciosa merenda: carne moída, arroz e beterraba. São 20 minutos de recreio, contados nos dedos. O sinal toca e anuncia a chegada de mais alunos. Vinte minutos depois, o fundamental dá lugar aos alunos do Ensino Médio.
A orientadora educacional Luciana Salge Tenório me explicou que, na realidade do ensino público brasileiro, muitas crianças e adolescentes veem na escola a oportunidade de se alimentar com qualidade. É a hora para matar a fome.

A professora Tânia Beatriz Carvalho, responsável pelo planejamento alimentar dos estudantes e das estudantes da escola, explicou que o cardápio do colégio é elaborado pela Secretaria do Estado de Educação do Distrito Federal (SEEDF), mas que também recebe hortifrutis da Associação dos Produtores Rurais do Lago Oeste (Asproeste).
Ela foi enfática ao falar sobre os hábitos alimentares dos jovens da escola e, em geral, da região.
“A aceitação da merenda é muito boa por parte dos alunos. A gente percebe que os meninos e as meninas gostam de comer comida mesmo … arroz, feijão, salada … Acho que é uma realidade da escola que é reflexo da alimentação deles em casa”, disse.
A professora explicou que o cardápio feito pela secretaria tem sido completo. “Eles (a equipe de nutrição da secretaria de Educação do Distrito Federal) enriqueceram muito o cardápio das escolas… Tem cuscuz com manteiga, feijão preto, frango, carne moída, peixe”.
“Minha mãe me chama de coelho”
Maya, de sete anos, é uma das alunas do CED Professor Carlos Mota. Astuta, ela falou de maneira empolgada que gosta de salgado e Coca-Cola. É um tipo de comida que se faz presente na vida dela quando precisa acompanhar a mãe na cidade. Com um sorriso no rosto, ela explicou que não troca essa comida pela a do dia a dia.
O cotidiano representa para ela, comer mamão, melão, cenoura e o almoço que a mãe faz em casa. “Eu gosto de salgadinho e refrigerante, mas não como e bebo muito porque faz mal. O que tá no meu dia é a comida feita em casa, na escola … banana, maçã … é disso que eu gosto”.
“Eu como cenoura pura porque amo … minha mamãe me chama de coelho porque eu adoro comer. Eu também gosto de comer melão, mamão, maçã e adoro a comida da mamãe”, disse Maya.
A Nikolly de 16 anos e o Kauan de 17 estão no 2º e 1º ano do ensino médio, respectivamente. Com uma certa timidez e procurando entender o porquê de alguém estar fazendo perguntas sobre alimentação no Lago Oeste, eles disseram que gostam de comer salgados, hambúrgueres e, principalmente pizza! mas que momentos como esse são exceções no ano, e não a regra.
Eles me disseram que é muito gostoso mas “nunca que eu comeria todo dia, tá doido! Não quero viver só mais dois anos não”. No fim, o que prevalece são as refeições mais saudáveis na hora de comer o café da manhã, o almoço e o jantar.
Por Otávio Mota
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira