A tatuagem em seu braço direito exibe o contorno do mapa do Cerrado brasileiro e anuncia o rumo da conversa com o pesquisador brasiliense João Arthur Sulzbacher Rabello, de 23 anos.
O bioma atravessa o Distrito Federal, Tocantins, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, Maranhão, Piauí, Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraná e Pará. Um dia antes de nos encontrarmos, ele estudava o fenômeno de adensamento das veredas em um campo de Mambaí (GO), região que busca preservar e retomar a mata nativa.
Essa pesquisa que João tem feito surgiu porque a ecorregião do Vale do Paranã em Mambaí é uma das mais ameaçadas e prioridade para conservação no Cerrado. Dessa forma, para compor seu projeto de mestrado, ele está tentando descobrir mais sobre as consequências do desmatamento nessa região. “Essa é uma das regiões mais ameaçadas do Cerrado.”
O biólogo também explica que as veredas são formações vegetais localizadas nas proximidades das nascentes, atuando como vias de drenagem que contribuem para a perenidade e regularidade dos cursos d’água. Esses ambientes são caracterizados por solos hidromórficos, que se formam na presença de água. Essa vegetação desempenha funções essenciais na bacia hidrográfica do rio São Francisco, sendo, por isso, declaradas de interesse comum e necessitando de preservação.
Os olhos do jovem estão cansados. Ele se senta e pendura sua ecobag na cadeira para a entrevista. Apesar do olhar cansado, é possível enxergar um pouco de esperança e paixão em seu rosto. “A realidade atual do Cerrado é muito difícil, o berço das águas está sendo ameaçado”. Biólogo formado pela Universidade de Brasília (UnB), João Arthur Rabello é, atualmente, mestrando em ecologia pela mesma universidade, e um apaixonado pelo Cerrado.
Ao descrever sua experiência no campo, João transborda entusiasmo, pintando um quadro das vastas extensões de Cerrado que se estendem diante dele. Para João, é mais do que apenas um bioma, mas também um universo de beleza selvagem que o inspira e o conecta profundamente com a natureza.
“Vejo as árvores tortas do cerrado como uma dança”.
João não é apenas um estudioso mas também um defensor apaixonado, comprometido em proteger essas terras preciosas para as gerações futuras. Essa postura se assemelha com os versos da música “Semente do Amanhã” de Gonzaguinha.
“Nunca se entregue, nasça sempre com as manhãs/Deixe a luz do Sol brilhar no céu do seu olhar/Fé na vida, fé no homem, fé no que virá”
De acordo com o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil, o Cerrado foi o bioma mais desmatado no ano de 2023. Pela primeira vez na história, o Cerrado foi mais devastado que a Amazônia. De acordo com João, para muitas pessoas o Cerrado pode ser visto como “feio”, um bioma com aparência de seco e morto, mas para ele, o brilho dourado da vegetação, misturado com o vermelho da terra, é capaz de proporcionar as paisagens mais belas. Com isso em mente, o biólogo fez questão de deixar marcado em sua pele, eternamente, um capim nativo e o mapa do bioma.
Alguns dias depois de nos encontrarmos na cafeteria, João Arthur visitou o Parque Ecológico das Sucupiras e fez questão da companhia. Era uma manhã fria, com um chapéu de pescador, uma camisa de proteção UV e uma câmera, João estava pronto para observar os detalhes mais sutis do bioma tão querido por ele. Em meio às plantas foi possível ver a mudança no olhar do pesquisador, muito atento, sentindo diversos aromas, tateando os troncos das árvores, ele estava feliz.
Diante de tamanha biodiversidade, não conseguiu conter as explicações sobre as mais variadas espécies de árvores, frutos e plantas. “Essa é a Lobeira, também conhecida como Solanum lycocarpum.” explicou entusiasmado, “Ela é da mesma família que o tomate e é um dos principais alimentos do Lobo-Guará.”. Filho de Cilene Vieira, florista e jornalista, João admira a beleza das flores e plantas desde pequeno. Sua família tem uma chácara no Lago Oeste com uma mata de galeria, onde plantam mudas nativas do Cerrado, assim como alguns temperos e legumes.
Descansando à sombra de uma sucupira, João compartilhou suas preocupações sobre o futuro do bioma. “O Cerrado é o berço das águas cheio de nascentes nas veredas.”, disse ele, a voz tingida de urgência. “Mas estamos sofrendo com anos de devastação, o Cerrado já perdeu mais de 50% da sua vegetação original.”. Enquanto ele falava, era possível perceber que, mesmo estando em um parque ecológico, a vegetação era ofuscada por pedaços de vidro, embalagens plásticas e papéis.
Em suas incursões pela savana brasileira, João também testemunhou de perto os desafios que as veredas enfrentam. Desde o avanço da fronteira agrícola até os impactos das mudanças climáticas, ele percebe as ameaças crescentes que pairam sobre esses ecossistemas delicados. A perda de veredas não é apenas uma perda de biodiversidade, mas também uma ameaça direta à segurança hídrica de vastas regiões.
Além disso, João destaca a importância da educação ambiental como uma ferramenta crucial para a preservação do Cerrado. “Precisamos conscientizar as comunidades locais e o público em geral sobre a riqueza do Cerrado e sua importância para o equilíbrio ecológico”, afirma.
Ele acredita que através de programas de educação e envolvimento comunitário, é possível cultivar um senso de pertencimento e responsabilidade em relação ao bioma. De acordo com João, existem diversos projetos educacionais que levam crianças e jovens de escolas públicas para conhecerem os jardins de preservação da UnB, mas mesmo assim, ainda há muito a ser feito. Ao final da visita ao Parque Ecológico das Sucupiras, João estava com olhos brilhantes e um coração dedicado, ele continua a sua jornada, querendo inspirar a verem o Cerrado não como um terreno infértil, mas como um tesouro nacional.
Por Marina Morôni e Isabele Azenha
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira