Dia do jornalista: censura e violência crescem no Brasil; confira dados e relatos

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No meio da rua, em gabinetes de autoridades, na guerra. Eles fiscalizam poderes públicos e são ensinados a levarem informações e novidades ao público. A vida de jornalista é cercada de desafios, aventuras e nenhuma rotina. No entanto, a atividade pode ser também perigosa. No dia desse profissional (7 de abril), a Agência de Notícias UniCEUB ouviu trabalhadores que já foram agredidos de diferentes formas. O risco, embora imensurável, fica nítido nos últimos levantamentos sobre violência contra os jornalistas.

No ano de 2016, a Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) registrou, em relatório divulgado, duas mortes, 18 ocorrências de censura e 84 de agressões físicas ou verbais a jornalistas. O dado mostra um crescimento nos números do ano passado em relação a 2015, quando houve 64 casos de agressões. O registro da federação também mostra que a contagem é a maior dos últimos 10 anos. Para um dos três coordenadores gerais do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Distrito Federal (SJPDF), Wanderlei Pozzembom, os índices mostram que, em termos de liberdade de imprensa, o Brasil se encontra atrasado. No ranking de organizações nacionais e internacionais respeitadas o país aparece ao lado de algumas nações em guerra. “Hoje, o jornalista no Brasil é um alvo, a profissão é de risco”, explica.

Confira o gráfico com os dados da Fenaj:

Os irmãos Alan e Lula Marques são fotojornalistas respeitados em Brasília. Ambos colecionam histórias inesquecíveis com as máquinas nas mãos e uma bolsa cheia de lentes a tiracolo. No percurso de grandes reportagens, já sofreram agressões. Para eles, o Brasil é hostil para todos, mas o jornalista e o fotojornalista são uma fração da população muito exposta à violência. “Por eu ser fotojornalista não tem como eu trabalhar sem ser na linha de frente. A gente fica em uma situação no qual você sofre violência tanto do agente público quanto do manifestante. Toda manifestação você está exposto a uma situação de conflito”, pondera Alan Marques.

Em um desses episódios, em 1997, ele recorda com detalhes, como se não tivessem já se passado 20 anos. Naquela ocasião, manifestantes da Central Única dos Trabalhadores (CUT) tentaram, em um determinado momento, invadir o prédio legislativo. Como a segurança da casa não conseguiu conter os integrantes do movimento, a polícia de Choque passou a agir. “Eles atiraram contra os manifestantes. Nesse tiroteio, com bala de borracha, acabei sendo atingido no rosto, fui para nocaute. Quando acordei, um outro repórter me levantou e me encaminhou até o pronto socorro do Congresso. Não sei quem foi que me acertou. Só sei que foi um policial”, relata.

Para ele, as coisas acontecem de uma forma que não tem como controlar. “Quando você está fotografando você passa a ter uma visão monocular. Com isso, você perde um pouco da sua defesa”.

Não são só os atos de rua que representam perigo à função. O fotógrafo descreve também a reação do dono da empresa aérea Gol, Nenê Constantino, que cogitou jogar uma pedra em sua direção. “Eu estava fazendo uma cobertura e comecei a fotografá-lo. Ele simplesmente partiu para cima de mim, não entendeu qual era o meu trabalho e quis me acertar com uma pedra”. Segundo ele, esse tipo de agressão pode vir de “qualquer lugar”, justamente pela exposição que a profissão carrega.

“Sangue nos olhos”

Com a fragilidade dos últimos anos do regime militar, a luta pela liberdade de expressão passou a ser uma conquista cada vez mais realista, acredita o consagrado repórter-fotográfico Lula Marques. Porém, ele afirma ser necessário exercer o direito de forma constante. “Eu peguei o finalzinho do regime, briguei muito pela liberdade, apanhei, fui para a rua, estive preso inúmeras vezes, apenas para mostrar o quanto este direito é importante”.

Após sair da Folha de São Paulo, empresa no qual trabalhou por exatos 26 anos, Lula Marques pensou em desistir da profissão. Contudo, ele conta que ao lembrar do que passou nos anos de chumbo e a luta que fez pela redemocratização, que moldou sua formação jornalística, Lula diz ter resolvido continuar só que de outra forma. “Foi exatamente quando as mídias sociais começaram a crescer. E ao lembrar todo aquele processo de luta, pela liberdade e pela verdade, eu voltei com mais sangue nos olhos”, contou.

Lula Marques conta como ocorreu a agressão sofrida na galeria do Senado Federal:

Segundo o irmão, Alan Marques, as pessoas, nos dias atuais, podem se expressar livremente, mas, ele faz uma ressalva. Ele defende que a liberdade de expressão não pode ferir o “direito do outro”. Caso isso ocorra, é normal que o poder Judiciário intervenha para mediar o conflito.

(Vídeo Alan sobre editorial da empresa)

Censura e repressão

O professor e jornalista investigativo Mauri König, ganhador de diversos prêmios na área, acredita que os jornalistas vivem uma “inconstância” na profissão por considerar que a liberdade de expressão no Brasil é instável. Para ele, o Judiciário é um dos agressores deste direito. “Com muita regularidade a gente tem visto juízes, desembargadores e magistrados impondo censura ou cerceamento à liberdade de imprensa. Exatamente o poder da República que deveria zelar pela liberdade”, acusa König.

König expressa uma preocupação com o cenário brasileiro, que considera dramático. Ele analisa que hoje, o Judiciário brasileiro, “não todo obviamente”, tem sido responsável por um amedrontamento de muitos jornalistas no livre exercício da profissão. “Embora a sua maioria seja composta de pessoas bem intencionadas, sempre existe uma parcela pequena que trabalha em favor de interesses obscuros”.

Dois casos são levantados pelo jornalista para exemplificar a tese defendida. Um deles ocorreu em 2009 quando o jornal Estado de São Paulo (conhecido como Estadão) foi proibido, por decisão judicial, de publicar notícias e reportagens sobre a investigação da Polícia Federal (PF), intitulada Operação Faktor. O outro caso, ocorreu quando o jornal Gazeta do Povo (Paraná) também foi proibido de publicar notícias sobre uma investigação do CNJ que envolvia o desembargador Clayton Camargo. Além de proibir a produção do conteúdo que fazia menção ao magistrado, o jornal foi obrigado a retirar matérias que estavam no arquivo digital. Segundo o professor, o medo de muitos profissionais resulta de não saber até que ponto o interesse público se mostra conflitante com o de grupos econômicos que acabam interferindo na atividade jornalística.

Além do poder Judiciário, as polícias, civil e militar, também impõem restrições ao trabalho jornalístico. Impedem o acesso a determinados lugares públicos e “muitas vezes” partem para a agressão para tentar evitar a cobertura de um determinado assunto, é o que opina o professor. “A única arma que o jornalista têm é a caneta, é o símbolo da caneta. Mas, às vezes, a caneta não consegue se contrapor ao fuzil ne?”, ironiza.

As agressões sofridas por Mauri König são de espantar. O jornalista relata que foi “espancado quase à morte” no ano 2000. Ele também menciona que já teve de sair do país para se proteger da polícia. Uma outra vez, mudou de cidade. “Essa coisa de delegado entrar na redação armado, eu já não conto mais”, lamenta.

Veja trecho do mapeamento feito pela Organização dos Estados Americanos (OEA):

Para o professor, o jornalista não pode se deixar intimidar pela ameaça ou por uma agressão, caso contrário, o agressor vai se sentir “confiante” para tentar “calar” outros profissionais. “Claro, a gente precisa sempre medir as consequências, mas a pior opção do jornalista que foi intimidado é se calar. É dar espaço para o agressor ir pra cima”, argumenta.

Ele conta que não prestou nenhum Boletim de Ocorrência (BO) com relação aos ataques sofridos, justamente por seus agressores, em geral, serem da polícia. “Como eu vou fazer BO na polícia, denunciando a agressão da própria polícia? Eu estaria me expondo. Então o que eu fiz? Eu fui a outras instâncias”. Essas “instâncias” são as entidades de classes dos jornalistas e organizações internacionais.

Veja a fala do coordenador geral do SJPDF, Wanderlei Pozzembom:

Por: Lucas Valença

Colaboração: Aline Rocha e Henrique Kotnick

Sob supervisão do professor Luiz Claudio

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