Artes do terror abrem portas para reflexão sobre violência, explicam pesquisadores

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A escuridão, a morte, o amor e o triste são temas recorrentes dos gêneros fantásticos. Desses segmentos de arte, surgiram, por exemplo, o terror e o horror. Presentes na literatura, na música, no cinema e em outras vertentes artísticas, o terror não é um gênero atual. Desde o século 19, surgiu o gênero no Brasil, com os contos extraordinários de “Noite na Taverna” (1855), de Álvares de Azevedo, por exemplo. Nos dias de hoje, essa temática abre espaços para a interpretação do público e questiona assuntos como violência e agressividade sociais. Segundo o pesquisador da arte brasiliense Eduardo Belga, o terror vem junto com a humanidade. “O terror na vida real são esses ataques terroristas na Síria, nas artes, o terror é racionalizado”, explica.

Clinofobia, Eduardo Belga

“A experiência do terror vem junto com a humanidade”, explica o ilustrador e professor de teoria da arte professor de arte visuais Eduardo Belga. Para ele, o termo mais amplo para definir o terror é o “grotesco”. O pesquisador explica que o terror precisa ter agressividade. Para isso, ele buscou pesquisar as formas mais primitivas de vida e percebe que o ataque ao próximo é o “fundamento do terror”.

Para o Eduardo Belga, as artes trabalham um terror civilizado. É a construção de um pensamento racional sobre a violência e o estranho. “Existe a produção de uma imagem que no final de contas, não são agressivas, de fato. Não matam ninguém”. Ele acrescenta que essas artes evocam o raciocínio e dependem do público para surtir sentido.

Belga também produz ilustrações e trabalha justamente na área do terror. O desenhista sempre admirou histórias como Drácula e Frankstein e resolveu se especializar na área. Atualmente, ele trabalha com a temática do suicídio nos seus projetos futuros e cita como uma forma técnica de se manifestar o terror na ilustração o uso de papéis pretos e tinta branca, que segundo ele, dão um aspecto mais “obscuro” para a imagem.  Confira as ilustrações do ilustrador Eduardo Belga.

Traumático

Segundo o escritor Andrio Santos, as obras literárias podem aparecer tanto no formato de terror e horror. A diferença, nas palavras de H.P Lovecraft, autor americano de literatura fantástica, é que o terror teria cenas mais fortes e externas, enquanto o horror é mais íntimo. “Assim, o terror seria provocado por cenas fortes, que podem ser violentas ou chocantes de alguma forma, como a descrição de um acidente de trânsito. Por outro lado, o horror tem a ver com as sensações que são evocadas por uma dada situação, por um sentido quase traumático”, explica Andrio Santos.

Andrio começou a se interessar por terror desde jovem. Foi esse gênero que trouxe ele para a literatura. Quando criança, passava as noites na biblioteca que o pai Jesus Santos trabalhava como vigilante. “Não demorou para que eu começasse a procurar livros nas prateleiras”, acrescenta. Foi assim que ele conheceu suas maiores influências na prosa. Leitor e fã de Stephen King, H. P. Lovecraft, o escritor acredita que a construção do terror se dá na cabeça das pessoas que acessam a obra.

“ Eu acho que esse tipo de sentimento é catártico, nós exorcizamos muitos de nossos demônios dessa forma […] eu acho que o horror, o choque maior, está no efeito dessas coisas na nossa cabeça. Acho que nada é tão horrorizante quanto a mente humana”, afirma.

Andrio Santos escreveu “O Réquiem do Pássaro da Morte”, uma história de fantasia sombria. Na obra encontram-se elementos de horror e terror também. A história gira em torno da personagem Douglas, um poeta amaldiçoado, que criou vida a partir de um poema que escreveu. “Essa ideia eu peguei emprestada de Mary Shelley, de seu Frankenstein. Acho que esse ato reflete uma das principais questões sobre o horror na obra: como lidar com o fato de ter criado essa vida artificial?”, explica.

Sombrio

Para o professor de literatura Marlus Alvarenga, “tudo parte da literatura fantástica”. Segundo ele, os contos curtos e prosas longas são características da Nova Literatura (Nouvelle Literature). “É algo curto e que ganhe o leitor no primeiro momento”, afirma. Para o professor, essa ideia vai de encontro com o que os irmãos Auguste e Louis Lumière, os precursores do cinema que deram origem ao terror nas telas. “A sombriedade surge como uma espécie de fundamento para esse tipo de cinema que é sem som”, admite.

Para a diretora de cinema local e produtora do filme “O Segredo do Parque”, Maria Eduarda Senna, existe uma grande dificuldade de divulgação e de produção de cinema de terror em Brasília. “O mercado de terror em Brasília quase não existe. No Brasil, está começando a nascer”, critica. Ela afirma que no Brasil, geralmente, o diretores trabalham com um “padrão” da comédia escrachada. “Eu queria fugir do padrão. O brasileiro não arrisca fazer cinema. Eu queria fugir do padrão. O terror, aqui no Brasil, é isso”, acrescenta.

Confira entrevista com Maria Eduarda Senna

“Eu sempre gostei da coisa mais sombria”, afirma o fotógrafo Marcos Paim

Para o artista visual e fotógrafo Marcos Paim, o terror se manifestou desde cedo em sua vida. A preferência pela dor e melancolia veio de influências de músicos como David Bowie e de filmes como os dirigidos por Quentin Tarantino e Stanley Kubrick.  Ele começou a tirar fotos em 2008 com o único intuito de produzir lembranças de momentos da vida. Foi quatro anos depois que ele começou a produzir conceitos com as fotos em seu perfil no instagram. “Era mais pela parte nostálgica. Guardar partes da minha vida. Só depois percebi que poderia romper essa fronteira e criar mais conceitos com minhas fotos”, complementa.

Foi no trabalho de conclusão do curso de publicidade que Paim produziu conteúdo fotográfico e audiovisual com a temática do terror pela primeira vez. A ideia do trabalho foi recriar o filme italiano “Suspiria”, do diretor Dario Argento . Para isso, usou uma paleta de cores frias, movimento e velocidade nas fotos e longa exposição. “Eu uso essas técnicas para dar a ideia de ‘vultos’, coisas sobrenaturais, sobreposições e retrato a velocidade, o medo do movimento”, explica.

Conheça o trabalho fotográfico de Marcos Paim

O terror na música

A temática também se estende para a área da música. O cantor e produtor de eventos Rafael Megera, de 36 anos, sempre se interessou por música, mas sempre com vontade de chocar e causar estranhamento. Ele explica que o terror se dá, muitas vezes, na performance do artista no palco. “Em cada artista existe um jeito de reconhecer algo diferente, muitas vezes, sombrio. Pode vir apenas de pensamentos distorcidos ou na atitude que cada um tem”, explica. Ele também acrescenta que muitas vezes o visual do músico pode trazer alguma referência do sobrenatural, como lentes oculares coloridas.

Do ponto de vista técnico, Megera acredita que o grande diferencial na “música do terror” são os “vibradores”, como sintetizadores, vozes trêmulas e guitarras distorcidas. Em um ponto de vista mais pessoal, o músico admite gostar de trabalhar o sarcasmo em suas músicas afim de causar certo incômodo no público. Para ele, o mercado para esse tipo de música sempre foi menor, porém com um alto nível de fidelidade.

Por Bruno Santa Rita

*Sob supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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