Hoje existem mais de sete mil doenças raras descobertas, e 95% delas não tem tratamento conhecido. No Brasil, essas doenças afetam mais de 13 milhões de pessoas
Fernando Dusi tem 51 anos, é formado em Direito e aposentado como procurador do Distrito Federal. Doutor na área da literatura, hoje investe em aprender alemão e trabalhar no projeto de Pós-Doutorado. É poeta e autor de seis livros, o último deles trata de algo que há seis anos, descobriu que teria que lidar para o resto da vida: a esclerose múltipla. Hoje ela afeta aproximadamente 2,5 milhões de pessoas em todo o mundo. No Brasil, são cerca de 24.000 diagnosticados com a doença, e Fernando está entre eles. Quando estava no auge da profissão, descobriu ser portador da patologia degenerativa e incurável. “Eu pensei: perdi tudo. Passei a não poder mais dirigir e nem sair sozinho, nem me submeter a temperaturas muito baixas ou altas, descobri que só poderia viajar raramente e vi que praticamente não teria mais vida social. Tive uma fase de revolta e inconformidade muito dura”, disse (Ouça entrevista).
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Ele explicou que negava a doença e percebia que isso só o fazia mal. Percebeu que teria de encará-la como uma amiga, mesmo sendo algo que ocasionou problemas em sua vida e de toda a família. Para isso ele se apoiou em muitos artifícios: primeiramente seguiu o conselho de uma médica e adquiriu cachorros. Ele explicou que é cuidar de cães e receber o amor deles em troca é uma das melhores terapias. Aprendeu a meditar e lidar bem com a dor, e também a ver o lado bom de cada coisa. Então percebeu que havia finalmente superado o diagnóstico e voltou a amar a vida. “Eu não luto contra a doença, eu trabalho com ela diariamente. Faço de tudo para viver bem e não me entregar, não me deixar morrer”. Ele julga ser muito mais fácil deixar que a doença sugue a vontade de viver do paciente, mas na vida de Fernando, ela é só um detalhe em meio a tantos planos e afazeres. “Eu não me tornei a doença, incidentalmente, ela chegou a mim, mas eu não sou a esclerose, continuo sendo o Fernando de sempre”.
Há dois anos, surgiu a vontade de ajudar pessoas que vivem em situações semelhantes à dele, e a idéia de uma das médicas de Fernando foi a solução para isso. Ela o aconselhou a escrever um livro sobre experiência dele como portador da esclerose. “Foi a oportunidade de atingir pacientes com dificuldades para lidar bem com doenças. Eu sentia que não deveria contar uma história lamuriante, e sim mostrar para outras pessoas que elas podem ser felizes apesar de todas as dificuldades que elas venham a passar”. Ele explicou que a maioria das pessoas que ele conhecia se afastaram, e que sofreu muito com o preconceito da sociedade. Apesar disso enxergou algo muito bom: ele descobriu quem são os amigos de verdade. Percebeu também que a doença não atinge só a ele, mas a família toda, e que é preciso muita força pra ela não se desestruturar. E assim focou em explicar no livro como lidar com a doença no âmbito familiar e dentro de uma sociedade.
“Eu sentia que não deveria contar uma história lamuriante, e sim mostrar para outras pessoas que elas podem ser felizes apesar de todas as dificuldades que elas venham a passar”. – Fernando Dusi
Hoje ele tem problemas na visão, locomoção, dificuldades respiratórias, disfunção erétil, não tem sensibilidade tátil, e um zumbido no ouvido que nunca cessa. Já teve problemas na parte urinária e intestinal, mas conseguiu resolver com tratamentos. Em meio a tantos procedimentos, fisioterapias e tratamentos ele ama viver. “A minha vida é ótima e eu não tenho do que reclamar, sou assistido por seis ótimos médicos, tenho uma família linda e não quero morrer agora. Ainda tenho muitas coisas pra fazer antes disso”.
Família é apoio crucial, segundo especialista
O psicólogo Daniel Portela explicou que quando uma pessoa recebe um duro diagnóstico de que porta uma doença rara, crônica ou degenerativa, ela passa por momentos de negação, raiva, depressão e questionamentos do tipo: por que isso está acontecendo logo comigo? Mas depois disso existe a fase de aceitação e superação. “O grande problema é quando o indivíduo fica estagnado na fase da depressão e não vê condições de melhora em seu quadro. Não se posiciona e não tenta transformar sua realidade, aceita que a doença agora não só faz parte de sua vida, como também é o que direciona seus atos”, explicou.
O profissional disse que o suporte médico e psicológico é fundamental. As orientações nas fases iniciais tanto sobre o tratamento como as mudanças no modo de vida do paciente são muito importantes, porque o impacto no psicológico pode ser devastador. “O importante é fazer o paciente entender que existem limitações, mas que existem inúmeras oportunidades para contorná-las”, disse.
“De todos os casos que estudei, famílias sempre foram o maior apoio”, ressaltou. O psicólogo explicou que o maior suporte emocional vem da família. Todos devem adaptar-se para o novo modo de vida do portador de uma doença incurável. Por exemplo, se há restrição alimentar para sal, a comida de todos deve ser alterada, não pode haver diferenciação dentro do núcleo familiar.
Daniel também enfatizou que muitos pacientes assumem que o modelo biomédico (tratamento focado na cura da doença e do biológico) é o mais importante, deixando de lado aspectos psicológicos e emocionais que também influenciam no tratamento e no desenvolvimento de condições que acompanham a doença. “Cuidar do emocional é tão importante quanto tratar da doença propriamente dita” disse.
Na pele
Cristina Saliba é um claro exemplo de superação, ela tem 54 anos e é portadora de neurofibromatose, uma doença genética que provoca o crescimento anormal de tecido nervoso pelo corpo, formando pequenos tumores. Ela nasceu com manchas na pele que depois da adolescência, por conta dos hormônios, se tornaram neurofibromas, espalhados pela pele na extensão do corpo inteiro. Desde então, ela enfrenta uma grande batalha para superar principalmente o preconceito. “As pessoas olham torto na rua, às vezes riem e criticam, mas o problema é delas, o que importa é que eu estou bem comigo mesma”. Na opinião dela, o governo precisava conscientizar a população quanto a certas doenças, mostrando que não são contagiosas e que os portadores são pessoas normais para se conviver.

A servidora pública explicou que se acha muito bonita (ouça entrevista). Adora se maquiar, arrumar os cabelos e cuidar da estética. Já fez algumas cirurgias e sessões de laser para amenizar o tamanho dos tumores, mas apesar disso ela não tem vergonha de usar biquíni, e diz estar sempre bem consigo mesma. “Acredito que a missão de cada um na Terra é contribuir com o próximo de alguma forma, e eu preciso me aceitar para conseguir ajudar os outros. Preciso gostar de mim do jeito que eu sou, se não, quem vai gostar?” disse. Cristina acompanha a doença com frequência. Apesar do caso dela ser basicamente estético, a doença pode causar tumores malignos internamente, na superfície dos órgãos, e ela precisa estar sempre atenta à isso.
Cristina explica que as patologias raras não interessam aos médicos, então, poucas pessoas se dedicam a estudar e fazer novas descobertas acerca de doenças que atingem poucas pessoas. Ela trabalha em uma associação que ajuda e orienta pessoas portadoras de doenças raras e luta para que o Ministério da Saúde se dedique mais a esses casos, e invista em profissionais especializados. “Às vezes eu chego em um médico e dou aula pra ele, por conhecer muito a minha doença, mas não deveria ser assim”.
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Interação é a rotina
Marcos Pacheco também foi diagnosticado com uma doença rara aos 13 anos. “A nossa mãe percebeu que ele andava usando as pontas dos pés e tinha dificuldade em acompanhar as tarefas escolares. Não tinha equilíbrio para jogar bola e andar de bicicleta, então resolvemos investigar”, explicou Adriana Pacheco, uma das três irmãs de Marcos. A doença é chamada de síndrome olivo-ponto-cerebelar, ataca a parte neurológica e não tem causa específica. É degenerativa, e não tem tratamento medicamentoso conhecido. Ele toma remédios apenas para evitar convulsões e faz tratamentos domiciliares como fisioterapias motora e respiratória, e fonoaudiologia.
Hoje, aos 44 anos, ele tem total dependência para realizar as atividades básicas. Não caminha, não tem controle de esfíncter urinário, precisa de ajuda para se alimentar e não fala. “Apesar de todas as limitações, ele interage muito. Ele é sorridente e deixa cair algumas lágrimas quando se emociona ao assistir algo na TV ou encontrar alguém querido. Nós já aprendemos a entender quando ele gosta ou não de alguma coisa” disse Adriana. A superação de Marcos é diária, ele já viveu muito além do esperado e acima de tudo é um homem muito doce. “O que nos deixa felizes, é que o Marquinhos encanta a todos com seu jeito amável”, disse a irmã emocionada.
Selma Pacheco, mãe de Marcos explicou que ele vive em um ambiente de amor cercado de pessoas que fazem de tudo para que ele viva da melhor forma possível. Ela ressaltou que Marcos depende muito de uma pessoa essencial em sua vida, Gilvan. O homem é cuidador do paciente há 11 anos, e o ajuda em todas as tarefas com carinho e paciência. “Procuramos otimizar os cuidados. Contamos com a ajuda de Gilvan que trata meu filho como se fosse um irmão. Moramos em uma casa espaçosa, com melhor acessibilidade para cadeirantes, banheiro adaptado e cama com controle remoto. Nós também levamos o Marquinhos ao cinema, restaurantes e adoramos viajar, e percebemos que tudo isso o faz feliz”, disse.
Por Beatriz Gurgel – Do Jornal Esquina
