Cadê a flor que estava aqui? Mudanças climáticas causadas pelos humanos impactam até as abelhas

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Há 35 anos, Luiz Gonzaga já chorava a triste realidade da vegetação brasileira em seu Xote Ecológico. “Cadê a flor que estava aqui? O verde onde é que está?”

No Cerrado, o impacto do desmatamento alcançou patamares inéditos no ano passado, segundo o último Relatório Anual do Desmatamento no Brasil (RAD) do MapBiomas, que mostrou que o bioma foi o mais desmatado do país em 2023 – ultrapassando a Amazônia pela primeira desde o início da série histórica. 

Segundo o estudo, a área desmatada no Cerrado totalizou 1.110.326 hectares no ano passado – um aumento de 68% em relação a 2022.

Dessa forma, o bioma foi responsável por 61% de toda a área desmatada no país em 2023. Ainda de acordo com o estudo, 97% do desmatamento ocorrido no país no ano passado teve como vetor a expansão agropecuária. Entre os reflexos desse impacto, as abelhas, naturais responsáveis pela reprodução da flora, vêm sofrendo as consequências dessa destruição.

As abelhas do Cerrado são responsáveis por polinizar mais de 80% das espécies vegetais. A polinização é a principal responsável pela fertilização e produção de sementes das plantas. Só de abelhas nativas brasileiras, são mais de 300 espécies datadas. No Distrito Federal, que representa só uma pequena porção do Cerrado, são 35 espécies. A partir disso, é fácil enxergar a importância que a proteção e perpetuação das abelhas receba um foco geral.

Abelhas

No meio da criação de abelhas, existem duas divisões: a meliponicultura e a apicultura. A primeira é relativa às abelhas sem ferrão e a segunda, às abelhas com ferrão. O apicultor Bruno Uchoa, da meliponicultura e apicultura “Terra Boa Abelhas”, que fica no entorno do DF, afirmou que as abelhas são responsáveis por mais de 70% da polinização para produção de alimentos. – Então “cadê a flor que estava aqui?”

Um estudo da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) de 2015 já havia apontado previsões de modelos climáticos que sugeriam que o Cerrado pode experimentar um aumento de 2ºC a 4ºC na temperatura média até o final do século, além de uma redução nas precipitações entre 20% a 40%, em relação aos valores da época.


Essa oscilação e incerteza climática também são prejudiciais para a vida das abelhas. Bruno explicou que, dessa forma, as abelhas selvagens, que são mais sensíveis, acabam morrendo por não conseguirem preparar a si mesmas e as suas colmeias para as épocas do ano e para as mudanças do clima, que se torna mais extremo ou completamente desregulado. Em compensação, abelhas mais robustas e adaptáveis, como as africanizadas (com ferrão), conseguem se manter.

Menos água

A bióloga, pesquisadora em Cerrado e analista socioambiental do Instituto Internacional de Educação do Brasil, Aryanne Amaral, se mostrou preocupada com os dados da Embrapa.

“Falando no Centro-Oeste como um todo, a gente vai ter menos água. Vamos passar por períodos de mais seca, vamos ter temperaturas cada vez mais difíceis para o bem-estar, tanto nosso, quanto da própria fauna. E isso tudo é uma grande cadeia. Se a gente prejudica a fauna, quem poliniza os nossos alimentos?”, questionou.

Em 2021, o site Carbon Brief fez um levantamento dos países que mais emitiram gases de efeito estufa entre 1850 e o ano da publicação. O Brasil ficou em 4º lugar. A pesquisa analisou 171 anos e levou em conta momentos anteriores à abolição da escravatura no Brasil, antes da independência estadunidense.

“O que a gente sabe é que, no Cerrado, todo o carbono que está estocado ali na vegetação, quando ela é suprimida, desmatada, esse carbono é liberado para a atmosfera. Aí, vira esse gás de efeito estufa”. Isso aumenta os gases de efeito estufa relacionados ao desmatamento da vegetação aqui no Cerrado, e tende a agravar os períodos de seca.

“A gente está em uma região que já tem queimadas, que são características aqui do bioma, mas os incêndios provocados passam a ficar mais intensos e com mais regularidade, prejudicando também a fauna e a vegetação. É a nossa qualidade do ar, a qualidade de vida”, explicou Aryanne.

Em 2015, uma frente fria extrema que atingiu o Peru causou a morte de mais de 170 mil alpacas. O aquecimento dos polos está fazendo com que a migração dos salmões do Alasca pare, afetando diretamente na dieta dos ursos da região. Desde 1994, mais de 45 mil espécimes das raposas-voadoras (os maiores morcegos do mundo) morreram em 21 ondas de calor. Isso não afeta só os grandes animais. A base da cadeia alimentar é prejudicada.

“Essa fauna precisa de vegetação para se alimentar. E as onças, por exemplo, que são os mamíferos do topo de cadeia, se alimentam da fauna que come essa vegetação. Então, com o espaço que a fauna vai perdendo para o desmatamento, os bichos tendem a se refugiar muito dentro dos espaços que ainda têm vegetação”, afirmou a bióloga Aryanne Amaral

Ela explicou que é cada vez mais comum ver esses animais também circulando nas cidades, atrás de alimentação, atrás de comida. “Já não encontram os seus alimentos originais, porque as áreas foram desmatadas”, sinalizou a pesquisadora.

Meliponários de abelhas sem ferrão que necessitam de mais luz solar. Foto: Iago Mac Cord

Colmeia da abelha Jataí, espécie sem ferrão, é nativa do Cerrado. Foto: Iago Mac Cord

Cada andar nos meliponários representa um andar das colmeias, com as abelhas fazendo a divisão entre os armazéns de mel e a proteção dos ovos. Foto: Iago Mac Cord

As abelhas com ferrão africanizadas (ACF) constróem colmeias que podem abrigar até 80 mil indivíduos. Foto: Iago Mac Cord

As abelhas são responsáveis pela captação e disseminação do pólen na flora. Foto: Iago Mac Cord

Foto por: João Canizares

Por André Araújo e Iago Mac Cord

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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