Mulheres jornalistas explicam ideais e como lutam contra machismo

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Madrugada, manhã, tarde e noite. Elas não param. Neste 7 de abril, mulheres jornalistas, que respiram a atividade diuturnamente, entendem que o exercício é cotidiano pela manutenção dos ideais. A permanente disposição em enfrentar adversidades faz com que mulheres, em diferentes fases, consigam expressar o amor pela atividade.

A Agências de Notícias do Uniceub ouviu três jornalistas, Natalia Godoy (do Bom dia DF, da TV Globo), Beatriz Arcoverde (editora da Radioagência Nacional) e Mara Régia (do Viva Maria, da Rádio Nacional). Elas contam que conciliar o trabalho com as outras atividades (inclusive família) requer muita responsabilidade e alma permanente de repórter

 

Para fazer a diferença

 

Créditos: Juliano Azevedo

Natalia Godoy é, atualmente, apresentadora do Bom Dia DF, da TV Globo em Brasília. A jornalista começou como repórter no G1 Política, hoje, conta com mais de 10 anos de carreira.

De acordo com ela, apresentadora do Bom Dia DF, o que ela mais ama em sua carreira é a oportunidade de fazer a diferença na vida de alguém.

Natalia Godoy recorda que foi fazer uma reportagem em Brazlândia e, ao chegar ao local. uma senhora a reconheceu e agradeceu. Natalia havia feito anteriormente uma reportagem sobre o alimento da filha dessa senhora, a menina se alimentava por sonda e o GDF não estava fornecendo esse alimento. A mulher contou a ela que, por conta da matéria e da iniciativa da jornalista, depois daquele dia, todas as mães e filhos conseguiram os alimentos necessários.

“No momento eu não lembrava dessa história, porque é tanta matéria que a gente faz que eu não lembrava direito. Mas após ouvir aquele depoimento, meu olho encheu de lágrimas, comecei a chorar junto a senhora. Eu era uma repórter novinha, estava na madrugada, mas eu tive essa empatia, olhei no olho daquela senhora e fui atrás da nossa missão, que é cobrar.”

“Acho que o resumo é: qualquer história que você faça, se envolva, tenha essa empatia, esse cuidado, esse olhar para o outro, pois isso faz diferença.”

Machismo estrutural

De acordo com o que a jornalista Natalia Godoy acredita, o machismo na carreira de jornalismo é estrutural, e por isso, toda jornalista acaba encarando durante a profissão.

A gente encara diariamente de uma forma ou outra, afinal a presença nos cargos de liderança é de maioria masculina, então você termina tendo que encarar isso.”

A jornalista acrescenta que uma forma de combater isso é com o apoio feminino. “A presença feminina no jornalismo é muito grande. Então como tem muitas mulheres, a gente tenta dar voz para outras mulheres, eu acho que é assim que se combate, com o trabalho, com inteligência e com competência, dando voz, elogiando, enaltecendo umas às outras.”

Sendo assim, também deixou uma mensagem para todas que pensam em, assim como ela, se tornar jornalistas um dia, “Seja sempre assertiva, saiba se colocar, coloque suas posições. E estude, traga credibilidade, tenha sempre um olhar humano. Acho que isso faz a diferença e dá um jornalismo mais justo, atual. O jornalismo está se transformando a cada instante, então, se mantiver a sua essência e o seu conteúdo, você vai encarar, com toda certeza, qualquer desafio que surgir.”

 

Viva Maria (Viva Mara)

A jornalista Mara Régia é uma das profissionais mais premiadas do país (com mais de 30 vitórias e reconhecimentos nacionais e internacionais). Tem mais de 40 anos em sua carreira e é idealizadora do programa Viva Maria, projeto que já transformou a vida de mulheres do Brasil inteiro.

Créditos: Igo Estrela

 

Feminismo

Mara Régia recorda que entrou em contato com o feminismo, propriamente falando, em uma passeata no Hyde Park (Londres, 1976). Lá ela via mulheres reivindicando por seus direitos. “Elas diziam: ‘não à igreja e não ao Estado. Elas queriam decidir o seu próprio destino”. Aquilo fez Mara Régia se inserir de forma mais significativa no feminismo.

Mara Régia teve bastante influência de sua mãe, Yollanda, que ela caracteriza como: “uma mulher à frente do seu tempo”. Yollanda era executiva em uma época em que as mulheres podiam, no máximo, sonhar para atividades em que eram mais aceitas, como a docência e a enfermagem. Mara conta que seu pai era machista e realizava agressões constantes contra sua mãe. Numa dessas agressões, Mara Régia, ainda criança, prometeu para si mesma que quando crescesse, ela faria algo para ajudar as mulheres e evitar que elas sofressem agressões como a sua mãe. 

Desde então, Mara Régia tem o desejo de ajudar as mulheres. E ela consegue fazer isso com o programa Viva Maria, que está, há mais de 40 anos, lutando pelos direitos das mulheres e inserindo as mulheres nas causas feministas.

O programa

Viva Maria

 

“Maria, Maria, é um dom, uma certa magia

Uma força que nos alerta

Uma mulher que merece viver e amar

Como outra qualquer do planeta

Maria, Maria, é o som, é a cor, é o suor

É a dose mais forte e lenta

De uma gente que rí quando deve chorar

E não vive, apenas aguenta” 

Segundo Mara Régia, a música Maria Maria, de Milton Nascimento, define precisamente o propósito do projeto que é ser “uma força que nos alerta, que é poder dar voz às mulheres, mesmo aquelas que riem quando devem chorar, que aguentam uma barra muito pesada”. A jornalista fala de uma forma muito carinhosa do projeto, como se o projeto tivesse vida. O programa “nasceu” em 1981, num período pré-constituinte, no qual as mulheres se mobilizaram  por seus direitos civis, políticos e sociais .

Numa época onde não havia redes sociais, o Viva Maria colocava o pé na rua com um megafone. O projeto Viva Maria já realizou e participou de diversas manifestações, incluindo mobilizações pelos direitos das domésticas, passeatas contra assédios e todos os tipos de violência, além de manifestações em apoio às mulheres negras.

Atualmente, Mara Régia se sente muito realizada com o programa, ela se sente feliz ao ver  a quantidade de mulheres que tiveram suas vidas transformadas pelo programa. A jornalista acredita que o projeto está cumprindo o seu propósito e que a trajetória do programa está “devidamente registrada na história de luta das mulheres do Brasil”.

(Foto retirada do calendário feito em comemoração dos 40 anos do programa Viva maria) Créditos: Daniela Jorge de Paula

 

 

Machismo

Mara Régia lamenta que já sofreu muito machismo e assédio ao longo de sua vida, principalmente quando mais jovem, no início de sua carreira. Ela diz que hoje isso é diferente, atualmente ela já “toma a voz” e que com o tempo ela adquiriu uma certa respeitabilidade, que impede esse tipo de abordagem. Mara acredita que é só é possível mudar uma cultura tão entranhada como é o machismo e a descriminalização, se houver uma lei que possa amparar as pessoas que denunciam, que essa lei tenha uma resolutividade e que essa lei seja colocada em prática. 

A radialista conta que vê a população cada vez mais violenta, que a ocorrência de feminicídios ainda é constante e que as estatísticas não nos colocam em um horizonte de muita esperança. Mara crê que a sociedade precisa de um choque cultural, e que a educação é muito importante para mudar esse cenário, que é necessário uma preparação para induzir as pessoas terem um olhar mais empático e menos violento.

Rádio

Mara tem uma relação de afeto muito grande pelo rádio. Durante toda sua carreira Mara foi radialista, ela costuma dizer que o rádio é o ar que ela respira: “é no rádio e na comunicação que eu sou mais feliz”. Mara conta que sempre foi comunicativa e que sempre teve intimidade com o microfone. Seu amor pela comunicação nasceu quando era pequena, ela fazia paródias nas festas e participava de peças de teatros, mas não imaginava que seria jornalista e muito menos que o rádio seria sua grande paixão.  

Mara primeiro se formou em Publicidade e Propaganda na UNB, trabalhou em algumas agências, mas sentia  a necessidade de avançar profissionalmente e resolveu cursar jornalismo. Depois de formada, o rádio entrou na vida dela por meio da Amazônia, região que tanto ama, no qual o seu primeiro trabalho com o rádio foi na  Rádio Nacional da Amazônia.

Mara sempre acreditou que o rádio é um grande aliado das mulheres. Segundo ela, nas rádios comunitárias há um grande destaque do protagonismo feminino; e até nos rádios comerciais, públicos e governamentais,considerados espaços mais rígidos, as mulheres estão conquistando oportunidades cada vez maiores e comandando os microfones. Mara pensa que isso acontece porque o rádio é mais acessível,  “é um veículo que nos permite sem grandes investimentos dá o nosso recado”.

Reportagens e veneno

Durante toda a sua carreira, Mara Régia realizou inúmeras matérias, mas houve duas que marcaram de uma forma significante e que ela lembra até hoje. A primeira reportagem  foi de uma garota, que morava em Guanambi do Norte, o pai dela já havia vendido ela e as irmãs três vezes e ela estava desesperada pedindo socorro para que realizassem uma matéria sobre ela. Mara conta que foi muito importante a denúncia e que ela e sua equipe levou o caso ao conselho tutelar, o que fez o pai perder o pátrio poder. Essa matéria foi muito importante para a radialista, pois ela pode tirar aquela garotinha da situação de vulnerabilidade e contribuiu para que o pai fosse “punido” corretamente. A cobertura acabou lhe rendendo uma indicação ao prêmio  Ayrton Senna.

E a segunda matéria  foi quando ela estava no Mato Grosso para uma oficina de comunicação e a cidade inteira foi pulverizada com o veneno para Kuat, que é usado na soja, toda cidade foi pulverizada com esse “acidente”. E toda a população adoeceu e depois saíram pesquisas indicando que até o leite materno foi contaminado pelo veneno. Mara Régia também sofreu a ação do veneno em seu próprio corpo, ela conta que foi um descuido que afetou não só a população, mas também os animais e a vegetação daquela região.

Pandemia

Mara conta que a pandemia impediu que vários projetos se concretizassem. Ela sempre foi ligada à Amazônia e ela ressalta, que, nesse momento, a região requer muitas matérias, porque ameaças de território são cada vez maiores. Por isso, a radialista lamenta estar impedida de fazer grandes viagens, uma vez que  a pandemia ainda não acabou.

Mara Régia tem vários núcleos de lideranças como no Acre, no Mato Grosso e no Pará. E muitas das matérias que ela realizaria, foram impedidas pelo isolamento. Mara régia citou algumas matérias que foram impedidas de realizar, como o avanço do envenenamento em função da grilagem no sudoeste do Pará,  processo de contaminação do rio Tapajós, parteiras da floresta que estão impedidas de fazer seu trabalho e as vítimas de escalpelamento do Amapá. Todos esses são projetos que ela gostaria de cobrir e, por isso, ela sofre bastante com a distância e com o isolamento que a impede de ouvir e dar voz às pessoas envolvidas.

Para Mara Régia, para fazer jornalismo é necessário muita resistência e persistência, porque é uma profissão que exige coragem . Ela acredita que as qualidades essenciais para um jornalista são coragem, esperança e indignação. Em sua opinião a presença do jornalismo sempre foi fundamental, para tentar vencer as fake news e inverdades de todas as ordens.


Como conciliar profissão e família

 

A jornalista Beatriz Arcoverde, que tem mais de 30 anos de carreira, fez grande parte de sua trajetória em rádio. “Por uns vinte anos de carreira, eu tive dois empregos e eu tinha que recorrer a creche e a ter uma pessoa pra me ajudar na casa. Eu sempre precisei de desse ah desse círculo de apoio. Às vezes, até os vizinhos ajudavam para pegar as crianças na creche porque, na nossa profissão, não tem o horário certinho pra terminar”, testemunha.

A gente tem uma carga horária mas muitas vezes a pauta se alonga e você precisa ficar. Você precisa eh terminar o a reportagem.

Ela diz que  a profissão exige grande responsabilidade. “Uma matéria também que foi muito interessante foi que quando começou a a gente a ter acesso aos arquivos da ditadura. A gente fez um rádio documentário. Foi muito emocionante.

Para ela, ser mulher no jornalismo não é fácil. “Em alguns momentos, o assédio existe de forma velada. Às vezes, você nota, mas não tem como expressar isso porque, muitas vezes, você é julgada ao se expressar. Então, só quando ele é muito escancarado”.

Por Maria Clara Britto e Luana Nogueira

Fotos: (em sequência) Juliano Azevedo, Igo Estrela e Arquivo pessoal
Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

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